MEDITAÇÃO 4
DIVINA TERNURA
CARISMA DO 3º MILÊNIO
APRESENTAÇÃO
Divina e Trina Ternura, carisma do terceiro milênio,
é o texto base-para as nossa meditações nas
fraternidades.
Na capa temos o
mosaico do portal do santuário da Divina
e Trina Ternura . Jesus no desespero
grita:
“ Meu Deus,
meus Deus porque me abandonaste?” , mas
sentindo um calor nas mãos pergunta:
“ Quem me toca
?”
O Pai com infinita ternura responde:
“ Sou Eu. Nunca
te abandonei. Eu estou atrás de ti ,
te sustentando
...se abandone a mim!”
O Filho
proclama a oração do abandono mais intensa:
“ Em tuas mãos entrego o meu Espírito!”
Este é o
segundo abandono, depois do que aconteceu no horto das oliveiras, quase uma
repetição em dois momentos. Suando sangue Jesus pede:
“ Se é
´possível passe este cálice!”.
Mas logo Jesus
acrescenta:
“ Seja feita a
tua vontade, não a minha!”
A parábola do desespero e do abandono em Deus
se repete na
vida de todos os cristãos.
Diante da cruz nasce a angustia, mas logo depois pela
fé repetimos nossa entrega de abandono. O texto-base é apenas uma pista para
aprofundar nossa vida de entrega, Graça sobre Graça .
Graça –luz para nos iluminar,
Graça- força para agir.
Guarapuava - Pe João Rocha
PRIMEIRA PARTE
AMAR OU ENLOUQUECER
Margareth Tacher, primeira ministra inglesa, intimidou
o mundo com palavras ameaçadoras: “Não existe alternativa, o caminho é este”.
Gostava de dizer: ou a minha política ou o fim de tudo. Somente Jesus pode
apresentar uma alternativa ou comigo ou contra mim. O Carisma da Divina e Trina
Ternura apresenta a alternativa : viver em comunidade ou morrer, ou amar ou
enlouquecer.
Fui convidado para atender alguns pacientes do
hospital psiquiátrico Pinel de Curitiba. O diretor Doutor Edival Perrini me
apresentou um caso curioso. Uma senhora vestida de azul com um véu branco e com
a aparência de gravidez iminente, veio alegre ao nosso encontro: “Eu sou a mãe
de Jesus. Amanhã nascerá o meu filho. Os convido à festa.” Antes de manifestar minha
perplexidade o doutor se
antecipou: “É a esposa de um famoso médico, mas caiu
em depressão por que descuidada pelo marido e pelos filhos. Buscava relacionar-se, mas os
familiares , sempre com pressa, não lhe ofereciam atenção. Sob a saia colocou
um travesseiro para aparecer grávida, para valorizar-se. Considera-se Nossa
Senhora!”
O carisma da Divina Ternura é uma resposta atual e
pontual: ou relacionar-se ou vegetar, o amar ou enlouquecer.
A falta de relação
leva a falta da razão.
1- EU E OS OUTROS
I)-A Pessoa. Quem és?
Depois de séculos e séculos de discussões, polêmicas
concílios ecumênicos, bispos e teólogos concluíram com dois dogmas incisivos e
sintéticos:
* Na santíssima Trindade há três pessoas e uma só
natureza.
* Em Jesus há duas naturezas e uma só pessoa, a
divina.
Porém o conceito pessoa, em grego hipóstasis, tem dois
aspectos a considerar, a individualidade e a relacionalidade. A individualidade significa autonomia,
auto-suficiência, o eu com direitos e deveres, impossibilidade de ser dividido
em dois. In-divíduo é o sujeito que não pode e não quer ser dividido.
Relação significa abertura, dependência dos outros,
partilha, duplo laço para ser unido. Um apólogo simples, uma estória, com a sua
moral, pode esclarecer melhor do que milhares de elucubrações.
Ele bate na
porta dela. Quem é? Pergunta uma voz de dentro. “Sou eu, abre-me”. Responde
ele. Mas a porta não abre. Ele tem uma intuição. Na terceira batida, seguida da
pergunta: Quem é?... responde: “Sou tu!”
E a porta se abre.
A pessoa humana tem duas faces.
Quando digo “sou eu”, enfatizo a individualidade;
quando digo “sou tu”, enfatizo a relação.
A polêmica entre ocidentais e orientais está aqui. O
conceito dos ocidentais, Pessoa, é muito
equívoca, ambígua e pode provocar confusão.
Se na Trindade existem três pessoas, com razão, hebreus e muçulmanos
podem concluir que existem três deuses. Todos os nossos teólogos da Trindade
(Laurentin, Cozzi, Staglianó, Forte, Boff) salientam a relação da pessoa.
Alguns propõem até uma nova formulação,
para favorecer o ecumenismo: Um só Deus em três relações. A pessoa é essencialmente relação. O nosso
DNA é relação: ou me relaciono ou morro!
O Papa Francisco confessou claro e incisivo: “ Não
irei morar no palácio apostólico, porque
quero estar próximo às outras pessoas. Não posso estar isolado, ou moro com os
outros ou vou para a psiquiatria.” Não só Papa Francisco, mas todos nos
sentimos fome de relacionarmo-nos, de viver em fraternidade.
Um pároco de
interior me dizia: “Tenho poucas famílias e, além disso, a metade é constituída
por uma só pessoa. Seria melhor que vivessem juntos , mas isso é utopia.”.
Um pároco duma
cidade italiana fez a mesma constatação: “Muitos moram sós num pequeno
apartamento. No mundo rural havia mais espaço, onde moravam as famílias
patriarcais frequentemente em alegre convivência até com os animais do estábulo
durante os frios invernos. Jamais escutamos que um cachorro tenha agredido uma
criança”.
Não existe melhor calor que o calor humano e melhor
terapia que a fraternidade. Os pinguins das terras glaciais nos oferecem uma
fantástica lição de solidariedade, se esquentam mutuamente e se alternam: os da ciranda exterior com os da interior .
Educar-se para a vida fraterna é o desafio do futuro.
Quando não
queremos nos dobrar, Deus nos dobra.
Até quando poderão resistir tantas pessoas sozinhas e
idosas em pequenos apartamentos, com serviços cada vez mais caros e
proibitivos? O Papa Francisco depois de visitar o palácio apostólico, exclamou:
“Viver sozinho aqui onde caberiam 300 pessoas? Prefiro viver na casa S. Marta.”
II)- Relacionar-se. Por quê?
A pessoa humana nasce
de uma relação. O elemento feminino fecundado pelo espermatozóide recebe
um sopro divino, tal como afirma o livro do Gênese (2,7): um hálito de vida que
o eterniza. A relação vai além da sexualidade. Mais do que relação sexual,
podemos definir-la como relação humano-afetivo-divina.
No ato da fecundação, é o sopro divino que dá início à
pessoa humana, livre, capaz de pensar, amar e querer. É um sopro único e
especial que se reflete sobre a ponta dos dedos, como as impressões,
precisamente digitais. Sobre sete bilhões de pessoas não se encontram duas
impressões digitais iguais.
Deus criador e criativo não conserva os moldes num
depósito, mas os elimina. Eu sou único e irrepetível. Cada pessoa humana é como
uma espécie, tesouro precioso, que jamais tem existido, nem existirá outro. Eu
sou uma peça original .
A pessoa humana se desenvolve gradualmente em relações
cada vez mais amplas e intensas como os astros, num movimento sinusoidal, como
os astros. Aprende a escutar e depois a falar e comunicar-se. Palavras, gestos,
escritos são formas de comunicação. O corpo através dos cinco sentidos recebe
mensagens e responde e se relaciona. A relação mais profunda é a invisível: o
amor, o auge da comunicação. O eu é essencialmente desejo de um Tu. Num
cumprido e constante caminho educativo cada pessoa deve abrir-se, comunicar-se,
relacionar-se.
A pessoa humana é imagem e semelhança da Santíssima
Trindade. O Deus dos cristãos é uma comunidade onde reina a comunicação, ou
melhor, a relação.
A pessoa humana é desejo de uma comunidade de milhares
de tu, aberturas, janelas e horizontes infinitos. Deus criou um jardim onde
tudo era bom. Depois de criar o homem exclamou: Isto não é somente bom, mas
ótimo, porque é a única criatura à minha imagem e semelhança. A pessoa humana é
saudade de Deus, porque dele viemos e somente nele vivemos. (At 17,28) O nosso
coração só terá paz em Deus, assim inicia
e termina Santo Agostinho nas confissões.
Depois da criação de Adão e Eva Deus exclamou:
Eu durmo nos minerais,
Eu sonho nos vegetais,
Eu me acordo nos animais,
porém só amo na
pessoa humana.
III) Sede de um tu: a primeira pericorese
O eu tem fome de um TU.
O Tu é a janela, a abertura.
A saída para uma tragada de ar, um raio de sol.
De um primeiro TU se passa para milhares de TU.
De muitos TU se passa para o Nós.
Qual é o nosso primeiro TU?
É o seio da mamãe.
A criança recém-nascida procura alguma coisa ou alguém.
Primeiro uma coisa, depois alguém.
E encontra o seio cheio de leite.
Suas mãozinhas se agarram ao primeiro Tu.
Os olhos são apenas entre abertos,
porém do seio ...passa à pessoa.
Acima do seio a criança enxerga um rosto,
que sorri para provocar um sorriso.
Uma mãe, depois de um curso bíblico sobre a Santíssima
Trindade, no qual enfatizei a comunhão-relação dos três , que os teólogos
denominam com o termo grego Pericoresis, muito alegre me confidenciou:
“Hoje minha criança me tem dado o primeiro sorriso, a
primeira pericoresis, a primeira relação.”
O sorriso é a saída do EU para comunicar-se com o TU.
O primeiro nosso TU é o seio materno, a mãe e depois o pai, os outros parentes e amigos.
Um dia se descobre um TU especial e diferente dos
outros, um tu que encanta. O primeiro namoro, popularmente chamado primeiro amor, é um Tu que parece inefável,
difícil de expressar, quase nos corta a respiração e provoca uma palpitação ao
coração. Mas esta palpitação é amor?
Eis o equívoco. A literatura universal tem gasto um
mar de tinta para cantar a paixão instintiva ou amorosa.
Havia uma canção que dizia:
“Se o mar fosse tinta,
se o céu fosse uma folha,.
não bastaria para escrever
o muito que te quero.”
Somos imagem e semelhança da Santíssima Trindade,
somos relação, sede de comunhão, pericoresis.
Todas as relações produzem uma emoção, uma agitação,
mas quem descobre o amor de Deus....nunca mais
será o mesmo.
Aristóteles define o homem como um animal racional.
Hoje preferimos defini-lo um nó de
relações ou de dupla abertura: dois laços, um
para dar e outro para receber. A relação que é preciosa vitamina é o
afeto. Podemos ficar sem comida, mas a falta de afeto nos faz adoecer. O Eu sem o Tu
enlouquece:
a falta de relação provoca falta de razão.
Ou amar ou enlouquecer
Ou relação ou loucura.
O leite materno é essencial,
Porém, o afeto é ainda mais necessário.
Sem afeto o leite materno é indigesto.
O Tu deve emanar amor.
As crianças sentem quando falta o amor.
Nós os adultos o percebemos com mais dificuldade.
Quem não se sente amado desde o nascimento,
carregará um fardo pesado de feridas,
que terapias
posteriores talvez poderão curar.
IV) Viver nos três para conviver entre nós
A pessoas humana foi definida como saudade de Deus,
mas temos que observar as várias
fases e gradações desta relação.
- Relação de simbiose.
A natureza nos oferece um magnífico fenômeno de
simbiose: dois elementos se encontram, mas ambos perdem a sua identidade. O
peixe buscava desesperadamente a água na areia... e em vários milhões de anos
se transformou numa pedra fóssil. A madeira
enterrada na areia,
transformou-se também em pedra fóssil.
A relação humana não elimina a ninguém, alias nos
enriquece na nossa identidade. Todas as
criaturas estão ao serviço do homem que permanece como o inquilino protagonista,
como rei do universo, eterno como o Criador.
-Relação – convivência.
Na relação entre as pessoas deve reinar um sadio
convívio:
Unidade
sem uniformidade,
diversidade sem separação,
sem jamais
perder a própria identidade.
A convivência e coexistência ou coabitação é um confronto permanente: como
conciliar minha identidade com aquela dos meus irmãos? Como compartilhar o
espaço comum? Como posso ceder às pressões prepotentes e injustas daquele que
quer ocupar inclusive o meu espaço vital?
O psiquiatra francês Pinel observa como causa principal das doenças
mentais, a pressão psicológica ou social para reduzir o espaço vital do
paciente. Nas famílias, nas escolas, nas empresas nascem conflitos constantes,
porque cada um quer um espaço maior, pressionado os vizinhos. O caminho da
convivência supõe uma educação para a justiça e a sobriedade. Nos cristãos
encontramos, como eminente modelo de relação e convivência, a Santíssima
Trindade. As soluções às tensões não vêm da violência, das armas ou de
decretos, mas do modelo Trinitário
-Relação trinitária.
A pessoa humana, imagem e semelhança da Santíssima
Trindade, deve alcançar o terceiro nível: viver nos Três para conviver com os
irmãos em fraternidade. No batismo fomos
mergulhados no Pai, Filho e
Espírito Santo, como esponjas que recebem e oferecem água. A pedra é
impenetrável, o gesso recebe, mas não partilha. Só a esponja recebe e partilha,
símbolo do cristão, que recebe como discípulo, e partilha como missionário. É
assim o mistério da Comunhão dos Santos que proclamamos no Credo. Somos vasos
comunicantes.
A vida trinitária nos vivifica no íntimo do nosso eu, e nos une como num só corpo. Depois da
analogia da videira e dos ramos, Jesus
repete treze vezes o verbo: PERMANECER.
“Quem está
unido a mim e eu nele, esse dá muito
fruto, porque sem mim nada podeis fazer ” (Jo 15,5).
2 - O AMOR ENTRE IGUAIS E DIFERENTES.
I)-O terceiro inquilino entre o eu e o tu.
Na Santíssima Trindade, a terceira pessoa, une o Pai
ao Filho, o amante ao amado.
Sem o amor, que
é o inquilino misterioso e invisível,
mas presente,
não há relação entre o Eu e o Tu.
Quanta amargura e frustração sentimos quando falta o amor. Gestos e
palavras podem multiplicar-se, porém, sem o amor são inúteis, angustiantes e frustrantes. O Eu
é nada e ninguém, se alguém não o ama. Mas o que é o amor?
Os educadores podem enganar-se: num excesso de afeto
podem educar carentes e dependentes afetivos, necessitando sempre de mimos e
aplausos, de torcedores e fãs. Frequentemente pais e educadores podem faltar ao
afeto, pensando mais em si do que nos educandos. O amor é doação incondicional.
Uma avó me confessou: “Tenho três filhos e sete noras.
Meus filhos depois do divorcio se recasaram e o mais jovem casou-se uma
terceira vez. As mães dos meus netinhos serão sempre minhas noras, embora meus
filhos as ignorem com o título de ex-mulher. Eu amo todas as sete. Os netinhos são uma arca de
Noé. Todos vêm com muita alegria à minha casa: onde encontram um espaço
acolhedor. Eduquei meus filhos no amor a Deus, doação incondicional! Por que
não seguem o exemplo que dei?”
É um raro exemplo de uma verdadeira cristã. O amor, aquele verdadeiro e durável, é o da
Santíssima Trindade. O amor da
transformação milagrosa, quando vem do alto. O amor é como o ar, a água, o sol,
o alimento. Sem amor não vivemos, mas vegetamos. A alegria da abertura e a
tristeza do fechamento são nosso pão diário. Sentimos dentro de nos sede de um
TU, o outro, mas o nosso orgulho nos paralisa. No fundo todos morremos de sede...
e a água fresca está ali ao nosso lado. Eu... a sede, o outro é a água... e
vice versa.
Por que tanta obstinação? Por que não relacionar-se e
navegar no amor? Por que preferimos ficar bicudos e continuar continuamente
desconfiados agredindo os irmãos? Nas nossas relações não faltam conflitos. O
remédio está no perdão, no perdão cristão. Frequentemente se fala de perdão,
porém é verniz que não cura na raiz.
Conservo lembranças de criança. Sentia arrepios quando escutava um estribilho
que, na nossa língua provençal soava mais agressivo e feroz “Lur s’ parlen
rén”.(Aqueles não se falam). O que quer
dizer, se odeiam visceralmente por gerações. Anos atrás os ódios nasciam por
uma herança mal resolvida de um metro quadrado de terra, mas hoje temos
situações familiares conflitantes e devastadoras. Ao exemplo clássico da avó
com sete noras, agora vemos casos mais angustiantes. São as adoções que ferem
as necessidades primárias do adotado. Uma menina adotiva aflita me dizia: “ Eu tenho duas mães que me adotaram, porém
não tenho nenhum pai.” Como sarar estas feridas profundas? Somente o amor
divino e trino que vem do alto (Rm 5,5).
Deus forma,
o pecado deforma,
a penitencia reforma,
a Divina e
Trina Ternura transforma.
II)-Um confronto surpreendente
A pessoa humana inicia a sua vida a partir de um
encontro de amor e doação entre um homem e uma mulher com o sopro divino. Um
triângulo de vida: é o amor que se encarna. Conservo uma carta de dois jovens
esposos que me escreveram: “Elisa nasceu, o amor se encarnou”. As pessoas
divinas existem desde toda a eternidade, não tem início porque o amor eterno se
doa incessantemente numa dança incessante, simbolizada no logotipo da cruz das
três alianças.
As pessoas divinas não podem não doar-se. As pessoas
humanas podem existir sem relacionar-se: na realidade não vivem, mas vegetam.
O amor nas pessoas divinas introduz o outro numa
comunhão plena e absoluta. O amor das pessoas humanas aproxima o amante ao
amado, porém sempre com medo e desconfiança numa comunhão frágil e relativa.
Cada pessoa divina leva dentro de si o outro.
Cada pessoa humana pode afastar-se do outro, por causa
do pecado, mas o perdão pode reaproximá-lo.
A unidade das pessoas divinas é tão intensa que se
tornam UM.
A unidade das pessoas humanas é um ideal possível
somente com a Graça de Deus. Lembremos o estribilho de Jesus: “Sem mim nada
podeis fazer”. O Papa Bento XVI repetia aos jovens:
Com Cristo voces têm tudo,
sem Cristo vocês perdem tudo.
III)-Diferentes e iguais
Todos somos um pouco diferentes e um pouco...iguais. A
diversidade nos incomoda. Os diferentes são chatos. O mistério trinitário deve
repetir-se em nos. Em cada relação humana aparece uma utopia:
Unidade sem
uniformidade para não perder a identidade...
e diversidade sem separação para construir a
fraternidade.
A pericose
trinitária é conciliar igualdade e diversidade, unidade e variedade. A relação
de pessoas diferentes pelo caráter, etnia e cultura é mais rica. Os imigrantes
que chegam na Europa são uma riqueza, não
uma ameaça.
Acompanhei duas comunidades religiosas em missões. A
primeira era formada por membros do mesmo país e língua. A segunda, por
disposição das constituições, os membros eram de vários países e culturas
diversas. Supérfluo constatar, na primeira, uma apatia sem conflitos; na
segunda via uma vivacidade sadia, mesmo com conflitos, causados pelas divergências e diversidades
enriquecedoras.
O sábio São Bernardo escrevia ao Papa Eugênio, seu
antigo discípulo: “Tu que governas o mundo, deves rodear-te de assessores de todo
o mundo”. O Papa Francisco sonha como Bernardo. A utopia será governar com
membros do mundo inteiro.
A relação homem-mulher é um verdadeiro desafio para
conciliar diversidades que são tesouros
preciosos. Quando somente o homem ou só a mulher trabalha, é deserto estéril;
quando trabalham juntos é primavera fecunda. A fraternidade se enriquece na diversidade da partilha, que não exige
necessariamente presença física. São Francisco e Santa Clara partilhavam o mesmo
ideal de vida de formas diversas. Onde o homem e a mulher têm pensado,
programado e realizado juntos, tem nascido as melhores obras-primas da
humanidade.
Sem dúvida a educação foi marcada pelas mulheres que
souberam... transformar crianças em homens, sem dispensar a presença masculina.
Na integração entre o diverso e o igual nascem as obras-primas. Faz quase meio
século que me esforço para assimilar os valores brasileiros, conciliando-os com
os italianos, porém constato que somei ... os defeitos das duas culturas.
Sinto-me como Rebeca com dois povos dentro de mim (Gn 25,23): Jacó e Esaú,
Itália e Brasil. As dores do parto, às vezes, se fazem sentir muito agudas. Só
assim há vida.
A vida fraterna se transforma no meu pão diário. Para
fazer unidade com o outro devo perder-me, deixar-me triturar e esquecer-me de
mim mesmo para que o outro cresça, e até estar disposto a uma dolorosa
ingratidão. No final somos todos cidadãos da terra e do céu.
Dois grupos
desejavam fazer-me cidadão honorário da cidade onde moro. Eu me justifiquei
assim: “Eu agradeço... mas já tenho duas cidadanias, uma na terra e outra no
céu, como escreve São Paulo”. (Fil 3,20).
Apos uma Missa na catedral de Cuneo ( Itália) , um
fiel se aproxima: “Como você fala tão bem o italiano, embora com um
sotaque português. Parabéns, brasileiro”.
Voltando ao Brasil um jovem me perguntou: “O Senhor é
estrangeiro ou catarinense ou filho de italianos pelo sotaque dos imigrantes italianos”. Rindo respondi: “Sou
catarinense... as duas minhas avós se chamavam Catarina!” Tudo terminou com uma
sonora gargalhada.
Na noite rezei: “Obrigado Senhor por conciliar valores
um pouco diferentes, um pouco iguais,
sou sempre estrangeiro, porque sou cidadão do céu”.
IV)-Um logotipo
Por solicitação do bispo responsável do movimento
Divina e Trina Ternura, depois de anos de meditação pessoal e comunitária,
nasceu o nosso logotipo.
A cruz das três alianças: cruz trinitária. Observamos
três círculos em parte sobrepostas que revelam o mistério trinitário como
relação de três pessoas. O logotipo provocou comentários curiosos: Parece um
sorvete, uma chave, uma dança ou um círculo sem fim. É isso e... muito mais.
Dança ou círculo sem fim é traduzido pela palavra
grega Pericorese: dança do centro à periferia e vice-versa.

O mistério trinitário é uma preciosa chave para abrir
horizontes, mas também luz para iluminar as nossas obscuridades
subterrâneas que escondemos sempre.
A primeira aliança ou anel de esquerda de cor amarelo
simboliza o Pai princípio absoluto de quem procede o Filho e o Espírito Santo.
A segunda aliança na direita de cor verde simboliza o
Filho, a árvore da vida que nos oferece
doze frutos, e cujas folhas curam.
A terceira aliança de cor vermelho, abaixo das outras
duas, simboliza o Consolador, como Luz que ilumina o caminho e como força vital
para perseverar na marcha.
No centro, observamos a letra M de Maria. A cor azul
nos indica a Jerusalém celeste. Sempre e
em tudo devemos olhar para a meta final. A Santíssima Trindade é princípio
fundamental de toda a história da salvação. O Verbo se encarnou para
revelarmo-nos a Santíssima Trindade, o primeiro mistério. Depois do pecado de
Adão, o Pai não poupou o próprio Filho, enviando-o para nos redimir. Mas pela
hostilidade dos judeus à mensagem do Filho, nasce um novo projeto, onde abundou
o pecado, superabundou a Graça (Rm 5,20) Mistério simbolizado pela cruz do
fundo.
A cruz escada e ponte.
A cruz é a escada que nos leva à Santíssima Trindade e
é a ponte que une todos os homens na fraternidade. Não é a cruz que salva, mas
o amor com o qual a assumimos. A cruz pode provocar em nos as maiores revoltas,
mas também os melhores desejos de santidade. Em nos dorme o santo e o bandido:
a cruz pode acordar o santo.
Frequentemente é com a cruz que Deus nos dobra. Quando
não queremos nos dobrar, Deus nos dobra. A cruz completa em nos o que falta à
paixão de Cristo (Col 1,24).
Logotipo que evangeliza.
Vivemos na era da imagem e dos símbolos, usados nas
redes sociais, nas empresas e nas comunicações. Os primeiros cristãos
perseguidos não podiam expor-se ao martírio. Um peixe, ICTUS, iniciais do nome
de Jesus em grego, foi o primeiro logotipo: Jesus Cristo, Filho de Deus
salvador. Apenas com o edito de Milão a Cruz se torna o logotipo dos cristãos.
Nascem milhares de cruzes: Latina, grega, jerusalemitana... A cruz da Divina
Ternura, usada pelos missionários não poderia porventura despertar curiosidade
para uma inicial evangelização?Então ..porque não a carregam sempre ?
V)-A casa comum
O mundo se torna uma aldeia: ou viver ou morrer
juntos. Sabemos tudo de todo o mundo. Somos inquilinos da mesma casa, onde não
podemos ser oprimidos, nem opressores. O
pecado original tem deixado em nos um vírus de orgulho que se revela como medo
de ser oprimido ou como mania de dominar. Os tímidos vivem de medo e os
prepotentes de violência: complexo de inferioridade ou de superioridade.
Milhares de revoluções têm surgido visando criar a
fraternidade alicerçada na igualdade e na liberdade. Os cristãos são chamados a
construir esta casa comum como nos exorta o Papa Francisco. Transcrevo do meu
diário uma página trágico-cômica.
Indiquei um bom pedreiro, paroquiano meu, para um
serviço na casa da presidente do Apostolado da Oração. Desde o primeiro dia de
trabalho, João evangelista, competente pedreiro, foi vítima de uma aventura
curiosa. Ao médio dia descobriu que a
sua marmita estava vazia. O cachorro da
dona correndo pelo quintal se mostrava alegre abanando seu rabo como desafiando
o pedreiro. Batendo na porta da senhora, João se desculpou:
“Seu cachorro comeu meu almoço.”
A dona escutou,
franziu o sobreolho e ... correu ao telefone esbravejando: “ Doutor, venha
rápido, meu cachorro comeu o almoço do
pedreiro! Será que não vai ter cólica ou diarreia?”
O pedreiro comentava comigo: “ Ela tão devota ou
melhor tão beata, não entende nada do Evangelho. No lugar de prover alguma
coisa para o meu estômago vazio, pensou no seu cachorro. Eu sou menos do que
seu cachorro.”
Um camponês
analfabeto deu uma brilhante definição do que poderia ser o Paraíso: “
Paraíso? È comer todos no mesmo prato!”
Fiquei curioso
e pedi uma explicação. O sábio teólogo contou sua experiência.
“ Trabalhávamos num latifúndio. Para as refeições
tínhamos vários locais com suas respectivas comidas. A sala maior da casa era
para os donos e os visitantes, uma salinha para os empregados e, claro, um
espaço especial para os cachorros e outros animais de estimação. Nós crianças,
pobres filhos dos empregados, comíamos num casebre, que era um velho
galinheiro, um depósito, no último lugar.
Para mim o paraíso é comer no mesmo prato e a mesma
comida, todos iguais.” É a casa comum. Completo com o conhecido apólogo, conto com a moral. Como
é o inferno? Como é o paraíso?
É quase a mesma coisa: um banquete com todo tipo de
comida , mas os comensais devem comer com
garfos muito cumpridos.
No inferno os condenados não conseguem alcançar a própria boca ....No Paraíso os
beatos, acostumados sempre a pensar nos outros antes de si mesmos, com carinho
embocam os comensais que estão na frente deles. Eles têm pensado nos outros a
vida inteira, continuam a pensar nos outros.
A eternidade é a continuidade da vida terrestre.
3-TRÊS RELAÇÕES
Sem coerência não existe relação. Estamos na época da
comunicação, o quarto poder, que depois do legislativo, executivo e judiciário, pode tornar-se o novo tirano. É curioso como ao ter, o poder
e o prazer, quase três deuses, se acrescenta um quarto, o aparecer ou a cultura
das aparências, sempre presentes na história, mas hoje, presente, nos
Mass-media, tornou-se um implacável ditador. O culto das aparências
transformou-se numa nova religião.
A comunicação nos engana quando não apresenta a
realidade, a radiografia, mas apenas a fotografia. Na euforia da comunicação, o
conteúdo é pobre: muita palha e pouco grão. A embalagem é excelente, porém,
está vazia, não tem conteúdo. Na relação a comunicação é fundamental, mas sem
conteúdo é somente aparência. Torna-se traição, quando falta a coerência ao
comunicador. São Bernardo repetia:
“ Se a palavra de Deus não toca, nem transforma, nem
converte
o coração de
quem a proclama,
não tocará nem transformará,
nem converterá
o coração de quem a escuta.”
Gritar desde os telhados ou gritar com a vida?
Na noite da vigília no inicio do vigésimo século,
Giácomo Alberione, futuro fundador dos Paulinos, com dezessete anos decide dar
a vida aos meios de comunicação para evangelizar... e Carlos de Jesus propõe-se
a gritar o Evangelho com a sua vida: dois profetas exemplares, mas com
estratégias diversas, quase contrarias.
Temos ótimos comunicadores e ainda excelentes teólogos
de alto quilate, mas falta coerência de
vida. Paulo VI repetia: “ Precisamos de testemunhas mais do que de teólogos,
mas quando os teólogos são também testemunhas alcançamos o ótimo.”
Comunicação, conteúdo, coerência são o trinômio da
credibilidade, que é a santidade. O cardinal Newman escreveu aos seus
presbíteros: “Primeiro a santidade, depois o resto, programas pastorais.” Nós
traduzimos: Primeiro a coerência, depois a pregação.
O que somos na vida grita tão alto,
Que ninguém consegue escutar o que pregamos..
Os biógrafos de São Francisco de Assis escreveram que
o seu corpo tornou-se língua. Não era necessário que pregasse bastava
enxergá-lo para converter-se.
Quando as matronas católicas de Lyon descobriram que o
bispo Alfredo Ancel, em solidariedade aos padres operários dedicava quatro
horas do dia como sapateiro, ficaram sem fôlego. Mais tarde tornaram-se
admiradoras de um testemunho tão evangélico: Jesus carpinteiro e Ancel
sapateiro.
No rastro do bispo sapateiro , milhares de jovens o
seguiram, dando um testemunho heroico .
O filho do ministro da Educação da Itália, Guido Gonella , depois do
doutorado Honoris Causa, entrou na comunidade dos Pequenos Irmãos de Jesus.
Testemunha anônimo, silencioso, coerente irmão de Jesus, trabalhava na limpeza
dos sanitários numa estação de Nova York. Estes são os tesouros da Igreja,
pouco conhecidos, por isso muito preciosos, sem comparação com os tesouros
do Vaticano.
Mauro era um monge beneditino brasileiro. Dizia-me:
“Eu rezo pela minha conversão e por aqueles que rodeiam o Papa”. Mauro entrou
na Jerusalém celeste e o Papa Bento , tomou o seu lugar, tornou-se monge: nova
riqueza do Vaticano, ainda não descoberta!
I)- A fraternidade.
Poderíamos iniciar com a relação com Deus, depois com as criaturas e em fim com os irmãos,
porém preferimos iniciar pela relação humana: a fraternidade entre pessoas,
sinal visível do Deus invisível. O eu sedento de relação encontra nas pessoas
junto ao primeiro Tu, a primeira abertura. Cada Tu deve sugerir:
“ Não pare em mim, vai ao Tu - Tudo.”
São Paulo
escreve aos Romanos: adorar as criaturas no lugar do Criador é idolatria. (Rm
2,25). As criaturas, pequenos tus ,
devem nos levar ao Tu – TUDO.
*-Fraternidade: dar tempo aos irmãos
Primeiro o que é importante, depois o secundário. Mas
o que é importante?
Uma criança norte americana tornou-se famosa pela
proposta feita ao pai. “Pai, brincamos um pouco juntos.” Pediu o menino, mas o pai rico empresário, se justificou: “ Uma hora perdida
são mil dólares perdidos.” Mas um dia o
menino, muito feliz, jogou ai pai mil dólares e pediu:” Pai, agora podes parar uma hora comigo! Eis
mil dólares fruto das minhas poupanças.”
Os hábitos, fruto de culturas milenares, são como
cabos de aço. Admiro e aprendo muito de um padre , sempre acolhedor e paciente.
faz a pastoral da acolhida sem obsessão pelos horários, disposto a mudar diante
dos imprevistos.
As relações entre as pessoas podem ser
programadas, mas se tornam mais afetivas
quando ocorrem espontaneamente. Não
consta que Jesus tenha programado o encontro com Nicodemos ou com Zaqueu, com a
pecadora ou com a samaritana. Políticos, empresários, profissionais devem
programar, e nós pastores, também, para atender ao povo de Deus com horários e
planos pastorais, mas devemos ser sempre disponíveis para os imprevistos,
ocasiões privilegiadas de comunicação, não tanto a nível oficial, mas afetivo.
*-Fraternidade: dar espaço aos irmãos
Onde encontrar-se para relacionar-se?
Todos os espaços servem, mas a casa é o espaço
privilegiado.
Casa quer dizer clima de família.
Casa
quer dizer relações afetivas.
Casa
quer dizer chamar as pessoas pelo nome.
A casa torna-se cada vez mais confortável, porém
sempre mais impenetrável e inacessível. Curioso o apelo do Concilio Vaticano II
aos Padres: Vossa casa seja acessível a todos! (P.O. 1303).
Mas, em que se transformou a nossa casa?
Inacessível fortaleza ou
Acolhedora ternura?
Nas periferias
onde trabalhei por muitos anos, as casas eram sempre abertas para as reuniões
dos grupos e ainda para as refeições. Hoje a nova cultura da pressa e da
privacidade e as exigências profissionais tornam proibitivos estes encontros que tanto favorecem a
partilha. Nos primeiros anos do cristianismo as reuniões, as liturgias e a
convivência ocorriam sempre nas casas. As perseguições não permitiam
manifestações públicas. Quando as basílicas substituíram as casas e ser cristão
não era risco de martírio, as comunidades se esfriaram. Os historiadores
afirmam que muitos, como forma de contestação,
assumiram a vida eremitica, forma radical de sobriedade e de novo
martírio, as vezes de formas bizarras. Logo os
eremitérios se transformaram em mosteiros, espaço sagrado para viver em
comunidade a relação com Deus, com a criação e com os irmãos. Casas, basílicas
e mostérios foram os espaços sagrados.
A casa dos cristãos deve reabrir-se
como espaço privilegiado e afetivo para congregar os
fieis.
Igreja doméstica escreveu Carlos Carretto na Itália e
Pierre Babin na França: igreja sempre inspirada nos primeiros cristãos.
As igrejas domésticas, pequenas comunidades reunidas
nas casas, quando congregadas nas igrejas paroquiais tornam-se comunhão de
comunidades. Recentemente a Conferencia Episcopal dos Bispos do Brasil definiu
a paróquia como comunidade de pequenas
comunidades. (Estudos, 104, Nº 44).
É um chamado repetido desde faz meio século, mas não
fácil de ser realizado. Somente se realiza a comunidade, onde as pessoas são
chamadas pelo nome, onde se partilham as
experiências de vida e, como diz o Papa Francisco:
uns cuidam dos
outros na alegria e na dor.
Vivemos fechados nas nossas casas...com sede de nos
relacionar, mas somos muito orgulhosos e não permitimos que outros nos
conheçam. Eis a lição que apreendi. Tenho vivido entre pobres e ricos. Os pobres
e aqui entendo os pobres da primeira bem-aventurança, se relacionam e
partilham. Os ricos e aqui entendo os ricos da primeira maldição, se fecham nas
suas casas, fortalezas impenetráveis. Por que criar desde agora um inferno aqui?
Para que nossa casa seja o átrio do Paraíso, é
necessário tê-la sempre aberta aos outros, disponível para relacionar-se sempre
mais. O Paraíso é eterno júbilo para a eterna comunidade, relação, pericorese
na Santíssima Trindade.
II) Relação com a
criação
A cultura ecológica fez passos de gigante. Nós fomos
como acordados de um sono que poderia ser fatal e que nos tinha deixado
inconscientes de um perigoso desastre ecológico.
* O homem ou as coisas?
O homem é o centro da criação, não são as coisas.
Uma experiência
vivida vale mil elucubrações.
O rio da
pequena cidade, onde fazia uma missão,
tornou-se depósito de todas as imundícias. Os ecologistas organizaram uma equipe de
voluntários para uma limpeza. O
mutirão deixou o rio límpido como um cristal. Eu propôs um segundo projeto mais
exigente, porém não menos urgente:
Desintoxicar os jovens e os adolescentes
De todas as imundícias que chegam através da internet
e outros médios de informação.
A proposta se realizou com um modesto, mas fecundo
retiro espiritual. A nova cultura ecológica não deve esquecer o primeiro
inquilino. Deus preparou um maravilhoso jardim e colocou o ser humano como
hospede e custódio, porque só o homem recebeu o sopro divino.
Não esqueçamos, mas enfatizamos sempre a centralidade
do primeiro inquilino. Repetimos:
Deus dorme nos minerais,
Deus sonha nos vegetais,
Deus se acorda nos animais,
Mas Deus somente ama e age no ser humano.
*-Relação que liberta
Nossa relação com a criação e as criaturas deve ter
uma hierarquia. Quando o apego aos bens da criação nos escraviza, devemos
libertar-nos. No Evangelho vemos a confirmação: Ou Deus ou as riquezas. Na
Bíblia vemos a hierarquia: Deus, o homem, as coisas.
Um presidente do Brasil, numa infeliz entrevista
confessou: Prefiro o cheiro dos meus
cavalos ao cheiro do povo. Precisava
bani-lo com seus cavalos, mas o povo brasileiro é tolerante.
Uma célebre
atriz francesa conhecida como BB foi ,
foi ainda mais infeliz ao declarar: “
Meu filho? O pior tumor da minha vida. Prefiro dedicar-me aos animais abandonados.”
O Papa Francisco nos deu a melhor definição de ação
pastoral: O pastor deve cheirar a ovelhas, o povo de Deus.
Toda a criação está a serviço do homem: pode ser usada
sem ser abusada. Os bens da criação não nos podem aprisionar. Frequentemente
tornam-se os donos dos donos. Se de um lado vi tantos gestos de solidariedade
num povo generoso, não posso calar as
formas mais brutais de violência e exploração. Em muitos latifúndios o boi
engorda e o vaqueiro emagrece.
Os filhos dos latifundiários obtêm o doutorado em
Oxford ou Paris e, os filhos dos vaqueiros continuam analfabetos por gerações.
Vi recentemente em Roma pessoas idosas remexer nas latas de lixo
alguns restos de comida. E há quem pode permitir-se cruzeiros e suntuosos
banquetes aumentando ainda as próprias poupanças.
Muitas vezes Deus permite desastres para acordar-nos e
redescobrir os verdadeiros valores. O numero dos tripulantes para servir no cruzeiros Costa Concórdia era maior
dos passageiros. Pobres e ricos ficaram todos náufragos na Ilha do Giglio.
Deus não castiga,
mas às vezes nos envia sinais para colocar tudo no devido lugar: somos
todos pobres ...dependentes e eternos náufragos da vida.
III) RELAÇÃO
COM O TU- TUDO
* Mergulhados
em Deus
Deixamos esta relação por último, a mais importante.
Por quê? As pessoas devem insinuar: Não pare em mim. Vai além , vai ao TUDO. Na relação entre as
pessoas sempre há um ponto intransponível. Nunca a intimidade será plena e
completa. Mesmo os amigos e os esposos
mais unidos, sempre chegam ao limite
intransponível. O amigo verdadeiro ou o conjugue leal deve confessar: não quero
decepcionar-te, eu sou frágil,
inconsistente e ainda infiel. Vai ao TU mais consistente e forte, vai ao TU –
TUDO. A criatura deve elevar-se ao Criador. As coisas podem nos escravizar e
frear a caminhada para o Criador. Podemos ainda deixar-nos sugestionar ou ser
hipnotizados e tornar-nos cegos e surdos. A relação com Deus, motivada,
cultivada e sempre verificada com exames periódicos chama-se oração e é a maior
prevenção aos apegos terrestres. Bem
escreveu Santo Agostinho:
Se pensas sempre no céu... então tu és céu
Se pensas
sempre na terra, então tu és terra . (Sermão, 118,1).
Flaubert completa: Se pensássemos sempre no céu,
acabaríamos tendo asas. Eu acrescento: Porém como pensamos sempre na terra,
acabamos tendo patas.
A oração cultivada por todas as religiões é a maior
terapia preventiva contra todas as doenças físicas e psicológicas. Alex Carrel
no livro “O homem, esse desconhecido”, fundamenta o valor terapêutico da
oração.
Aqui não falamos ainda da pericorese trinitária, mas
da relação com Deus, comum aos muçulmanos e aos budistas. Carlos de Jesus ficou
impressionado da oração dos muçulmanos. Mais tarde encontrou uma resposta no
cristianismo.
*- A relação afetiva e jubilosa.
A oração deve tornar-se afetiva e alegre. Liturgia
fria, oração metralhada, homilia alienada da realidade não educam à relação com Deus, que deve ser afetiva. Os
sentimentos favorecem a relação e nos levam a um jubilo mais completo... A liturgia
quer sensibilizar os cinco sentidos para chegar ao sexto sentido, que já é a fé
pura que nos faz crer sem ver: dom puro e gratuito que é a mesma vida de Deus
em nós.
Jesus nos exorta a não multiplicar as palavras. Eis o
segredo: banir as excessivas palavras e ainda os muitos pensamentos. São Inácio
de Loyola nos adverte: Um só pensamento que toca o coração e nos encoraja para
uma conversão de vida.
São Bernardo nos dá a oração mais curta e mais eficaz.
Inspirando diz: MARIA.
Expirando murmure: JESUS... com Maria e em Maria.
A oração é o respiro da alma e agora respiremos
lentamente e permanentemente. Orar é sentir-se habitado pela Santíssima
Trindade.
Disse o Mestre: “Viremos a ele e nele faremos a nossa
morada.” (Jo 14,21). Não estamos mais sozinhos, temos três inquilinos. È assim
que são Inácio de Antioquia vivia a união com os Três.
*- És cristão? És habitado!
O cristão é habitado pelos Três, existe dentro de si
uma nova vida, é uma força que nos
empurra sempre para diante sem
cansar-se.
Existem cristãos sempre cansados, omissos, mas existem
aqueles incansáveis, pela força dos três
inquilinos. Elisabete da Santíssima Trindade é a poetisa que canta a inabitação
dos Três em nós com páginas admiráveis.
São Inácio de Antioquia parecia possuído por uma força
misteriosa que o mesmo Imperador Trajano queria
descobrir. O insultou com palavras de fogo: “ Tu tens o diabo, és um
diabo-foro!” Inácio respondeu com serenidade: “ Sim, tens razão, tenho em mim
Alguém, não o diabo, mas tenho Jesus
Cristo dentro. ]Eu sou um Cristo-foro! Carrego o mesmo Cristo!”
MEDITAÇÃO 3
DEUS ESCOLHE OS POBRES
Introdução:
Fome para inquietar, pão para
alimentar.
“Feliz
o faminto... porque será saciado, mas ai do farto... porque passará fome”.
A linguagem paradoxal do Mestre continua
ecoando: sempre atual e sempre exigente.
Quem é o faminto?
É aquele que sempre procura, nunca se
acomoda.
É aquele que descobre e
redescobre dois abismos: o próprio eu, com suas potencialidades e defeitos...E
o tu absoluto, a bondade e a ternura de Deus.
A bíblia chama de anav o faminto pobre
que confia no poder de Deus.
Anav é o alarmante de Deus: o nome de
anav é “dependência”. Ele grita que nós somos “dependentes”, que nós somos
fome.
Estamos vivendo um momento intenso de
“Igreja”.
Milhares de anawim, cristãos humildes e
ousados, liderando comunidades e movimentos populares, estão aí no nosso meio.
São eles que constroem, tijolo sobre
tijolo, um novo modo de ser Igreja.
O passado caracterizou-se pelos estilos
de igreja de pedra: românico, gótico, clássico, barroco, neoclássico,
neogótico...
Hoje as igrejas-comunidades de pessoas
se caracterizam por estes cristãos-anawim. É a igreja que nasce da base.
É o Espírito Santo que sacode as
estruturas sem vida para dar espaço... À eterna novidade: o Evangelho.
Todo cristão-anav é fome... Capaz
sempre de receber, mas é também pão... Capaz de sempre dar e repetir.
Há quem gosta de dividir a Historia em fluxos e em
refluxos, em períodos e épocas.
Os períodos são os momentos calmos: as
águas correm nos leitos dos rios com tranqüilidade, os fatos se sucedem sem
escândalos e sem heroísmos, mas também com muita mediocridade.
As épocas são os momentos fortes: as
águas provocam enchentes, acordam e até exigem gestos de heroísmo e de
solidariedade. São os momentos de crises, às vezes mortais por isso são tempos
que exigem mais vigilância.
Há quem gosta mais dos períodos do que
das épocas e há também quem não só gosta das épocas, mas ate provoca a época.
São pessoas que “marcam época”, no dizer popular.
Sem duvida o Concílio Ecumênico “marcou
época”, provocou crises, denunciou com a violência do Espírito Santo a
fragilidade das nossas embarcações. O descompasso entre nossos métodos
pastorais e vida real apareceu em toda sua dramaticidade. João XXIII
profeticamente interpelou todos os cristãos:
“Saí do torpor e do fechamento, arejai
a igreja. É preferível o risco das enchentes ou o da violência do vento, ao
comodismo das seguranças humanas”.
O mundo advertiu outros terríveis
descompassos. O que adianta conquistar espaços no universo, pisar na lua
adquirir novo domínio cósmico, quando o homem não está no centro de tudo? Ao
progresso tecnológico corresponde uma maior humanização da humanidade?
Após duas décadas do Concílio Vaticano
II, estamos ainda na “época” profética ou já nos acomodamos num “período” de
tranqüilidade?
A época conciliar conseguiu uma mudança
na raiz ou apenas modificou o verniz da Igreja?
Os anawim são os construtores das
novidades; abafados, as vezes, contudo voltam para nos inquietar.
Mas afinal não somos chamados a ser
anawim?
Seja você um ANAV:
fome
para inquietar,
pão
para alimentar.
I
Parte
Fome e pão
PARÁBOLA DA PESSOA HUMANA
1. Socorro!... Eu preciso de ti
A criança nasce e já chora: a mão
entende. O choro é um apelo: “socorro eu preciso de ti”. Assim começa a
parábola da pessoa humana. Os anos passam, a criança cresce, o adolescente quer
ser independente, mas sempre precisa de alguém. Velha e doente a pessoa com um
gemido apenas perceptível, ainda pede: “socorro! Eu preciso de vós...”. E os
parentes atiram-se sobre o agonizante, mas inutilmente. Assim termina a
Parábola da pessoa humana. Ridículos são os seres humanos que forram a própria
pessoa com plaquetas da auto-suficiência: “eu não preciso de ninguém...”; “não
entre, aqui não há vaga”; “eu não quero favores de ninguém”. Antes ou depois,
consciente ou inconsciente, todos chegarão à mesma conclusão: “eu sou um
dependente de todos. Preciso de todos”.
2. As três fomes... E os três pães
Os gregos, com sua filosofia, quase
esgotaram todas as possibilidades do pensamento humano. Analisando a fome da
pessoa distinguiram três fomes e correlativamente três pães. Quem é o mais
faminto? O menor abandonado na rua? O jovem motoqueiro sem rumo? O monge
sedento de Deus no seu mosteiro?
Todos procuram uma resposta, um pão, um
caminho. A criança recém-nascida procura o seio para alimentar-se, o jovem
procura respostas aos problemas da vida, e há momentos em que todos procuram o
“além”. Há pão na mesa, há respostas para a inteligência, contudo, o ser humano
procura ir além, sempre além... Quer encontrar o pão que satisfaça o intimo mais
intimo do ser.
ü
Para
o corpo (soma) eis a comida, o ar, o sol, o lazer.
ü
Para
a mente (psique) eis a cultura, a escola, os livros.
ü
Para
o espírito (pneuma) eis... o caminho inédito para cada um, a resposta última.
Não pode haver pessoas reais e plenamente
humanas, se faltar o pão para os três níveis de fome.
Na atual situação mundial, milhões de pessoas
não conseguem matar a fome corporal. Está é a fome básica, terrivelmente
presente em nosso meio como um escândalo, por sermos um país rico de alimentos.
O escândalo, diz o documento de Puebla, se reveste de maior gravidade por
estarmos num país cristão católico, pois enquanto uns esbanjam, outros morrem
de fome; enquanto poucos têm muito, muitos têm poucos. As três fomes estão
interligadas: sem o pão para o corpo, não se podem saciar as outras fomes.
3. O ser humano é fome!
Lutero deixou como última mensagem uma
revelação dramática: ”o homem é um eterno mendigo”. Afinal quem é o homem? O
homem é fome, é procura é pergunta.
Quem colocou dentro da pessoa esta fome
e sede?
Pois é a ela que nós pediremos o pão e
a água.
Dele exigiremos uma resposta.
“Como a terra deserta e árida pedindo
chuva...” (sl. 63,2).
“Como a corça suspira pelas águas da
torrente...” (sl. 42,2).
Podemos cavar mil poços, sempre encontraremos
águas salgadas que não nos saciam. Santo Agostinho bem respondeu: “Senhor,
fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em
ti”. (Santo Agostinho, confissões, Edições paulinas, São Paulo 1984, 418 pp.;
ver livro I, 1, p. 15).
Sim, a pessoa humana é saudade de Deus.
A pessoa é sede.
A pessoa é água.
Antes da multiplicação dos pães, foi
Jesus que percebeu primeiro a fome do povo. O cap. 6 de S. João é capitulo da
fome e do pão. Jesus dá o pão aos famintos, mas lembra outra fome e outro
pão.”Vós me procurais, não por haverdes visto milagres, mas porque comeste dos
pães e vos saciastes. Procurai não tanto o alimento que perece, mas o alimento
que dura para a vida eterna”.(J0. 6, 26-27). Em seguida desvenda o mistério:
“Eu sou o pão vivo que desceu do
céu...”
Só ele pode matar a fome mais profunda
do ser humano.
Qual a diferença entre o cristianismo e
as outras religiões?
Nas outras religiões a pessoa procura a
Deus.
No cristianismo é Deus que procura a
pessoa.
O PÃO procura... a fome!
A ÁGUA procura...a sede!
A fome-fome
Chamados de fome-fome aquela básica, a
primeira, a falta de alimentação necessária para viver. No Brasil a fome é uma
realidade. Talvez em outros países seja pior, enquanto que, em outros ainda,
não é uma realidade, mas apenas tema de literatura.
O que entendemos por fome-fome? O homem
precisa de 2.700 calorias diárias que representam uma alimentação necessária.
Com menos de 2.700 calorias, o corpo já sofre e, conseqüentemente, também a
parte psíquica fica atingida e prejudicada. 28% da humanidade alimentam-se com
mais de 2.700, 12% com 2.200
a 2.700, enquanto que 60% não chegam a 2.200
calorias.
No Brasil, estes contrastes são ainda
muito mais evidentes; uns esbanjam e outros morrem de fome.
1.
Fome
oculta
Fome oculta é aquela que resulta da
situação de injustiça da sociedade. Esta fome não aparece, mas é uma realidade
que atinge a maioria dos brasileiros. A população de 2 milhões cada ano e o
consumo de leite, de carne e outros alimentos decai de 10%. Em 1983 o salário
aumentou 142%mas o preço dos alimentos aumentou 213%. A maioria da população
sobrevive em estado de fome permanente.
2.
Fome
ostensiva
É a fome que aparece mais claramente
por ocasião das calamidades públicas, das quais a maioria é o contraste
seca-enchentes do nordeste. Dos 22 milhões de nordestinos atingidos pela última
seca, cerca de 10% foram “privilegiados” por terem conseguido trabalho nas
frentes de emergência, ganhando 1/3 do salário mínimo...
3.
Causas
da fome
O Brasil é um dos maiores produtores de
alimentos. Como então pode aumentar cada vez mais a fome? As causas são
evidentes.
Eis as causas falsas apresentadas como
verdadeiras:
A). O aumento da população. Enquanto
nestes 30 anos a população duplicou, o PIB (Produto Interno Bruto) triplicou. A
renda per capita passou de 600 dólares para 2.000 dólares. Não é, portanto o
aumento das bocas que causa fome, pois o bolo a ser repartido cresceu mais
ainda.
B). O povo brasileiro é preguiçoso. Os
burgueses têm a ousadia de acusar os brasileiros (excluindo naturalmente a si
próprios... que seriam, neste caso, de outro planeta) como preguiçosos. Na
verdade esta causa de fome não é real. De todos os povos podemos dizer que são
trabalhadores e preguiçosos. Se o nosso povo pudesse morar nas casas que
constrói, comer a comida que produz, trabalhar na terra que quer... estaria no
paraíso terrestre. O nosso povo é trabalhador tanto quanto os outros povos
desenvolvidos.
Mas as causas verdadeiras são as
seguintes:
A). O problema da terra. Terra sem colonos
(latifúndios) e colonos sem terra, apinhados nas favelas. Aqui fazendas para o
boi engordar, acolá cortiços-formigueiros de famintos.
B). Nação espoliada pela divida
externa. Para satisfazer às exigências que lhe foram impostas, a nação foi
submetida a um prolongado processo de espoliação. E o povo que arca com taxas
de inflação nunca atingidas. Para pagar a divida externa aumentam as
exportações e comprimem as importações.
C). Gastos com armas e obras
faraônicas. Para conquistar posições de comando e de poder público, gastam-se
somas enormes para construir armas...e o povo passa fome.
D). Sociedade consumista. Os meios de
comunicação fazem propaganda de produtos supérfluos (eletrodomésticos,
roupas...) envolvendo o povo em prestações contínuas, enquanto lhe falta a
comida básica.
4. Justiça cristã, pão repartido
O problema da fome só terá solução
satisfatória quando houver justiça. Num país onde milhões de pessoas ganham
menos que um salário mínimo e os privilegiados chegam a 200 ou 300 salários, é
evidente que a fome começa a ficar subversão. A causa da fome é a injustiça, e
o efeito da fome é a violência. Um povo faminto é capaz das maiores violências.
A história, mestra da vida, já nos ensinou a lição. Dos saques da Revolução
Francesa até os nossos no Brasil, a explicação é sempre a mesma. Só acabará a
violência-subversão quando acabar a fome.
Um amigo, modesto industrial, sempre me
repete um estribilho:
“Vocês, padres e bispos, pregam a luta
de classe, mas a subversão do povo será contra vocês”.
Eu também repito um estribilho:
“Não é a nossa pregação subversiva, mas
é a fome...
Um povo faminto é capaz de qualquer
violência”.
O cristianismo prega a justiça, o
contrario da violência.
O sonho de Deus é que todos comam no
mesmo prato, que o escândalo do luxo de alguns e a miséria de outros tenha a
solução na solidariedade-justiça.
Mais adiante voltaremos a esse tema.
NO PRINCIPIO ERA O PAI,
NO PRINCÍPIO ERA O PÃO
1. Pai e pão
Um confronto pode abrir horizontes.
“No princípio era o verbo”, diz S. João
(Jo 1,1).
“No princípio Deus criou o céu e a
terra” diz o Gênesis (Gn 1, 1).
O que significam estes dois versículos?
O pai é o começo de tudo.
O pai cria tudo de que precisa o ser
humano: a terra para produzir o pão, a água para regar a terra e para beber, o
sol, o ar...
Tudo que foi criado é bom... porque o
criador é a bondade.
Enfim aparece o homem... a criatura
precisa de pai e de mãe, de afeto e de comida.
Podemos agora resumir:
No princípio era o Pai, a bondade...
que no princípio criou o pão ara todos. Depois veio a “Fome”... a doença e
todos os gêneros de escravidão.
A bíblia revela um Deus-comunidade
três:
Um só Deus em três pessoas, um mistério de
Amor, de comunhão e de participação.
Nenhum raciocínio consegue explicar:
mais do que raciocinar, é necessário contemplar, orar e amar.
A fome de toda vida e de toda
fraternidade está no Mistério dos três: Pai—Filho—Espírito Santo.
Os primeiros cristãos, celebrando o
rito batismal, mergulhavam os catecúmenos na grande bacia (batistério) por três
vezes, dizendo: ”Eu te lavo (mergulho) na pessoa do Pai, do Filho e do Espírito
Santo”.
Os três mergulhos simbolizavam a morte
do pecado e a subida indicava a ressurreição à nova vida.
A vida pode ser vista sob três
aspectos: a Bondade, a Verdade e Beleza.
O bem também é verdadeiro e belo. Os
três são um, mas são três aspectos da mesma realidade.
O pai é a bondade.
O filho é a verdade.
O Espírito Santo é a
Beleza-júbilo.
O relacionamento entre os três é um
relacionamento de Dialogo—Amor –Ternura.
Periodicamente Deus nos manda reflexos
da fonte de Vida.
Umas pessoas parecem revelar mais um
aspecto do que outro.
Todo cristão é chamado a mergulhar na
Trindade: em todo sinal de cruz... em toda oração... nós sempre invocamos os
três.
3. quem é então a pessoa?
A pessoa é a imagem e semelhança da
Trindade.
A pessoa humana é bondade, Verdade e
Beleza.
Bondade sem Verdade ou Verdade sem
Bondade, não podem ser Beleza-júbilo. No rosto de toda pessoa devem brilhar os
três.
Quando contemplamos a criança, filha de
amigo, logo descobrimos:”Você tem a cara de seu pai”.
Que todas as pessoas, vendo o nosso
rosto... sintam vontade de conhecer os três... sintam a febre da saudade mais
maravilhosa:
“Quero conhecer a Fonte... Tu és apenas
um espelho... Quero ver o original, a fonte”.
O primeiro mártir da comunidade
primitiva tinha no rosto o brilho da Trindade: “todos os membros do Sinédrio,
com os olhos fixos nele, tiveram a impressão de ver em seu rosto o rosto de um
anjo”(at 6, 15).
Um jovem deve ter ficado muito
impressionado, tanto que mais tarde, a um novo apelo de Deus deu o seu sim, e
de perseguidor tornou-se apostolo.
A conversão de São Paulo começou no dia
do martírio de Santo Estevão.
Os cristãos, agora e aqui, não têm hoje
a mesma missão de irradiar pela vida afora o brilho da Trindade, como o fez
Estevão.
Encarnação do verbo—divinização do
homem
Vasculhando no íntimo do coração humano
parece que, avançando a idade, os problemas aumentam e nem sempre são encontradas
as soluções.
A parábola da pessoa humana é um grito
de fome.
Qual o pão que o cristianismo oferece?
Milhões de jovens nos interpelam: “Qual
a resposta que vocês adultos nos oferecem aos problemas da vida?”.
A resposta deve ser...
simples,
sem retoques barrocos
sincera,
sem rodeios inúteis
imediata,
sem adiamentos calculados.
O adulto parece menos livre. A
experiências, às vezes, nos torna demasiadamente prudentes, então lançamos mão
de mil mecanismos de defesa.
Penetremos no mistério de Cristo: Ele é
a Resposta.
1. O Essencial do essencial
Os jovens nos perguntam: “Afinal, o que
é o essencial do essencial? Se viver é experimentar uma sede ardente e uma fome
insaciável, onde encontrar água e pão?”
Os primeiros cristãos encontraram uma
formula que resumiu o essencial.
Comunidades do oriente e do ocidente,
meditando o mistério de Cristo, concluíram:
“DEUS se fez homem para que o homem se
Deus”.
A formula, que contem o essencial do
essencial, foi comentada ao longo da historia por filósofos, teólogos, poetas,
pastores, catequistas. Santo Irineu de Lião parece ser o autor dessa fórmula.
Logo, podemos perceber dois
protagonistas Deus e o homem, e um verbo de ligação. Assim podemos reformular:
“Deus se torna homem para que o homem
se torne Deus”.
Dois são os aspectos do mesmo mistério:
ü
Encarnação
do Verbo.
ü
Divinização
do homem.
A primeira parte é mais clara: todo o
Novo Testamento revela o mistério da encarnação.
A segunda parte já aparece mais
ambígua: ”Divinização do homem”.
Foi esta a insinuação do maligno a Adão
e Eva: “sereis deuses e os vossos olhos abrir-se-ão”.
De um lado o Gênesis apresenta, como
“orgulho”, o desejo de ser como Deus, e de outro lado, todos os livros do Novo
Testamento nos revelam a meta mais sublime: ”ser como Jesus” — a tal ponto que
S. Paulo na carta aos Gálatas escreve: ”Não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim” (GL 2,20).
A solução a este dilema encontra-se na
mesma revelação do Novo Testamento.
Adão e Eva querem realizar o próprio
projeto sem Deus, Paulo de Tarso sabe que nada é possível sem a graça de Deus.
A divinação do homem é o prolongamento
do mistério da encarnação do Verbo.
“De sua plenitude, todos nós
recebemos...”
O Verbo armou sua tenda no nosso meio
para que mergulhássemos na mesma Vida de Deus.
2. Mistério
Todas as vezes que ouvimos esta palavra
“mistério” ficamos confusos. Uma literatura catequética infeliz, durante
séculos, definiu o mistério como “algo que não conseguimos entender”. Sobretudo
os jovens questionam: ”porque Deus nos criou racionais, com a faculdade de
entender, se de agora em diante do não podemos entender?”
É como se um professor de química
quisesse explicar com perfeita didática a matéria, porém, falando em uma língua
desconhecida. Seria isso uma loucura.
Mistério não é algo que não conseguimos
entender, mas... o que nunca terminamos de entender.
Sim, mistério é uma aventura de
descobertas, de novidades e de horizontes sem fim.
Mistério é a explosão de respostas aos
problemas da vida: nunca teremos respostas completas... Toda resposta
desencadeia outra pergunta e assim nos aventuramos cada vez mais no mistério.
Mistério é um poço inesgotável. Podemos
cavoucar... sempre há água, cada vez mais água... e água mais cristalina.
Mistério é um leque que se abre para o
infinito, não há estacionamento. É preciso ir sempre em frente. Os que pensam
já ter “chegado”, os que se acham já perfeitos... ainda não mergulharam no
mistério.
Mistério é também um risco, com
agradáveis surpresas e responsabilidades exigentes.
Que tem medo das responsabilidades,
foge também dos riscos.
Entrar no mistério de Cristo é
arriscar.
3. Maria, teu nome é mistério.
Se o essencial do cristianismo é a
encarnação do verbo e a divinização do homem, então Maria esta no centro de
tudo.
Podemos proclamar com toda ternura:
“Maria, teu nome é mistério.
Maria mãe, teu nome é Graça...
Tu foste a primeira que entraste no
mistério,
a primeira que disseste o sim
para que o Verbo se encarnasse”.
Com S. Bernardo, nós agradecemos a
Maria pelo seu sim, pela sua disponibilidade.
“Obrigado, Maria, por teres dito a tua
palavra, assim recebeste a PALAVRA, o Verbo de Deus”.
Todo cristão, com Maria,
diga a palavra
para receber a PALAVRA.
O cristão é convidado a dizer o seu sim
para que o verbo se encarne.
Como o pai: um projeto ousado
1. Sede como o Pai
O apelo de Jesus -- “sede como o Pai” —
parece desproporcionado à nossa fragilidade: “Sede perfeitos como vosso Pai
celeste” (Mt 5, 48).
O Mestre aponta uma grande meta: ser
como o pai.
Todos os profetas de todas as religiões
apontam grandes ideais. Aceitar a realidade como é, sem reagir, seria torna-la
pior. Bem escreveu Goethe para os educadores:
“Se tomamos o jovem como ele é,
tornamo-lo pior; se tomarmos o jovem como deve ser, certamente o ajudamos a
tornar-se melhor”.
S. Paulo, nas suas cartas, insiste
sobre a meta do homem: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts
4,3; Ef 4,4).
2. Um projeto ousado: sede santos
O Concílio Vaticano II (Gaudium et
Spes, n. 13) apresenta as três etapas da história da salvação, que são também a
minha e tua história.
Deus criou o homem e a mulher à sua
imagem e semelhança... criou o homem livre na total ausência de pressão externa
ou interna.
Deus projetou e pensou em mim desde a
eternidade como sua cratura e seu filho. O projeto de Deus foi ousado: eu sou
um projeto de liberdade.
Mas o homem, instigado pelo maligno
(Gaudium et Spes, n. 13) serviu às criaturas em vez de servir ao Criador. O
homem quis mudar o projeto, realizou outro projeto, conforme os próprios
cálculos... e foi o desastre.
Não assumindo o projeto de Deus eu me
autodestruo: eu fico uma gota do mar separada das outras, eu evaporo. Como
galho separado da videira, eu seco.
Pelo pecado o projeto de Deus é
destruição; a minha vocação fica um aborto, uma vida destruída.
O Filho, o Verbo, se fez carne para que
o homem tivesse outra chance, para que o projeto ousado se tornasse novamente
possível. Todo homem é chamado a realizar um projeto maravilhoso e ousado, mas
unicamente pelo poder e pela graça de Jesus Cristo.
3. Santidade é unidade ao pai.
O pai é único.
Se Deus é único, não pode haver outros
seres: pois ele é o único. Ele existe. Ele é o único que existe, pois só ele
pode existir sem depender dos outros.
Como pode ser o Único, se existe também
o homem?
Como podem coexistir...? Se Deus é o
Único, se Deus é tudo, pode ter outro ser? Se Ele enche o Universo, pois Ele é
o Tudo, como podem existir outros...?
Foi por isso que os maiores homens da
história assim oravam: ”Meu Deus, meu Tudo”, ou reconheciam: “Deus é tudo, eu
sou Nada”.
a) Solução: o amor transforma o homem
O homem não poderia nem abrir a boca e
dizer a palavra “Pai”, mas pelo poder-graça do próprio Deus o homem pode, só e
unicamente na medida em que está unido ao Pai. O homem foi assumido pelo Verbo,
o Filho. Em Jesus, o homem não foi destruído nem separado, mas unido ao Filho,
que se chama Jesus Cristo, plenamente humano e divino.
O cristão, pelo batismo, entra a fazer
parte da Família Divina: torna-se “Filho no Filho”.
S. Paulo é o maior cantor desta união
do Cristo e do cristão.
b) Morte aos ídolos
Nós somos idólatras: temos mil ídolos.
Deus nos pede o desapego. Deus é
ciumento. Quer ser o único amor e não tolera outros amores.
É p0reciso deixar os ídolos: sair, sempre
sair.
Abraão é o primeiro que ouviu o apelo
de Deus. “Sai da tua terra”. E Abraão sacrifica o afeto da própria terra:
tornou-se migrante... sem raízes. Deus é sua pátria.
Em seguida Deus lhe pede:
“sacrifica teu filho”.
E Abraão está pronto. A terra pode
virar ídolo, como também o filho. Mas Deus poupa-lhe o filho para que Abraão
saiba que Isaac não lhe pertence mais, Isaac é de Deus.
c) Santidade é unidade
Toda vida cristã é uma vida de união
com Deus.
Deus quer que sacrifiquemos o que temos
de mais querido, e quando ele poupa é só e unicamente para que sintamos que
tudo lhe pertence. Vida realizada é só a vida vivida em união com o Pai. Não
seria isto esquecer o próximo?
Quem vive unido ao pai, acaba amando os
filhos do Pai:
Unidade com o Pai é comunidade com os
irmãos.
E por que ficamos sempre na mesma?
Aqui está a razão mais profunda: a raiz
de tudo.
Enquanto estamos preocupados em
defender os nossos ídolos (idéias, atitudes, coisas...) nossa “vidinha” se
atrofia na mediocridade.
Os santos são aqueles que tomaram a
serio o Evangelho.
“Quem quiser seguir-me renuncie a si
mesmo...”
O sacrifício dos nossos ídolos nos
custa, mas só é difícil o primeiro passo.
Quem tomar da Água Viva... deixará os
poços de águas salgadas. Se temos poucos cristãos, é porque poucos chegaram a
saciar-se da Água Viva.
Temos que procura-la cada dia.
Agora tudo fica claro: o projeto ousado
é a santidade.
Quem é Santo?
n É o homem que quis só uma coisa.
n É o homem de uma só peça.
n É o homem que assumiu o projeto de
Deus.
Orar ao pai: os sete céus da oração
1. Orar ao pai é escutar
O texto bíblico que oficializa a oração
de Israel é um convite a ouvir – escutar a Deus.
“Schema, Israel, Adonai...” “Escuta,
Israel, a Deus” (Dt. 6,4-9).
A vocação do homem é de ouvinte: ouvir
que Deus é um só... e ama-lo.
Orar não é ver nem entender, mas ouvir.
Beethoven, já surdo, não escutava, mas
via os músicos...
O cristão, ao contrário, deve sempre
escutar... sem ver... a Deus.
Orar é ouvir a palavra interior, ou
seja, o Verbo, que é a palavra do Pai.
Jesus, o Filho de Deus encarnado, é a
palavra que deve ecoar no intimo de cada homem: o mistério da encarnação, a
palavra que se faz carne, não acontecesó em Maria, mas em todo cristão.
Orar é ouvir o Pai que se revela em
Cristo.
“Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo,
ouvi-o!” (Mt 17,5).
Escutai—Executai—“Fazei tudo que Ele
vos disser” (Jo 2,5).
Enfim, orar é ouvir:
“O espírito de Jesus que em nós diz:
Papai”. (Gl 4,6)
2. Os sete céus da oração
Parece que a longa caminhada-descoberta
da oração passa por etapas que são novos horizontes ou novos céus:
São sete como os dias da semana, sete
como os dons do Espírito Santo.
a) Admiração
Diz a Bíblia:
“Olhai as aves do céu... considerai
como crescem os lírios” (Mt 6, 25-31).
“Brilham em seus postos as estrelas, palpitante
de alegria...”(Br 3,34).
Nós vivenciamos:
Precisamos completar as obras de Deus.
Precisamos admirar os fatos e os
prodígios da historia.
b) Interiorização
Diz a Bíblia:
“Entra no teu quarto e fecha a porta “ (Mt 6,6).
“Conduzir-te-ei ao deserto e falarei ao
teu coração”. (Os 2,16)
O filho pródigo entrou em si e disse:
”Voltarei”. (Lc 15,17)
Nós vivenciamos:
O recolher-se no silêncio é necessário
para orar. Entrar em si significa tomar consciência da nossa identidade.
c) Metanóia—conversão
Diz a Bíblia:
“Arrependi-vos” (mudai de
mentalidade)... (Mt 3,2).
“Buscai o Senhor, já que Ele se deixa
encontrar” (Is 55,6-8).
“Direi ao Pai: Papai, pequei...” (Lc
15,11-32).
Nós vivenciamos:
Oração e conversão andam juntas.
Na conversão experimentamos a ternura
do Pai. A conversão é uma educação permanente, de cada dia.
d) Esvaziamento
Diz a Bíblia:
Os acolhem a luz (Verbo) nasceram de
Deus”. (Jo 1,12).
“Somos filhos de Deus” (divinos) (Rm
8,16).
“Participamos da natureza (vida)
divina” (2Pd 1,4).
Nós vivenciamos:
O tesouro escondido, a pérola
preciosa... é a vida de Deus.
O maior bem é ter a vida de Deus em nós
e o maior mal da terra é perde-la.
f)Encarnação
Diz a bíblia:
Jesus passou 30 anos como carpinteiro
numa pequena aldeia; escondido e encarnado no meio do povo (Lc 2,51-52).
“O reino de Deus é semelhante ao
fermento”. (Mt 13,3).
“Vos sois a luz do mundo e o sal da
terra“ (Mt 5,13-16)
Nós vivenciamos:
Os cristãos não fogem do mundo, não se
fecham em mundos artificiais, mas assumem o nosso mundo. Há mais alienados
(fogem dos problemas) fisicamente no mundo do que monges fisicamente fora do
mundo.
Encarnado é quem assume o seu lugar,
vocação, missão com a força transformadora do Evangelho.
g) Louvor
Diz a bíblia;
“Não a mim, Senhor, não a mim... mas a
Ti a glória” (Sl 115,1).
“Tudo o que vive e respira louve ao
Senhor” (Sl 150,6).
“Brilhe a vossa luz... para que os
homens, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o Pai” (Mt 5,16).
Nós vivenciamos
Tudo deve convergir a Deus e não ao eu.
Precisamos vencer a tristeza (fossa)
que experimentamos por ser esquecidos.
Quando algum se apega à nossa pessoa,
precisamos dizer: ”Vai além. Erraste o endereço; vai a Deus e não a mim...”
3.Ou orar ou morer
Orar é respirar. Ninguém agüenta viver,
sem respirar.
A nossa autodestruição começa quando
deixamos de orar.
A melhor comparação foi dada por muitos
santos que respondiam aos questionamentos dos amigos:
“Peixe fora da água morre.
Cristão que não ora...
Ou vai morrer logo, ou já está morto”.
Mergulho no rio da vida
Se o homem é saudade de Deus, se o
homem é sede e Deus é a água, então só nos resta mergulhar no rio da vida (Ap
22,1).
Não se trata de uma fórmula química ou
matemática, mas do anseio mais profundo do ser humano. O único lugar do nosso
eu é em Deus. O eu ficara no lugar certo: EU + DEUS = DEUS.
1. O primeiro passo: acertar o sentido
da vida-rio
A 4.500 metros nos Andes
peruanos, no meio de uma maciça geleira e de neves eternas, nasce um pequeno
riacho: é começo do maior rio do mundo. Estamos a 110 km do oceano Pacífico e
a milhares de quilômetros do Atlântico.
O riacho parece procurar o mar com
desespero, contudo não embica em direção do Pacífico tão perto, mas para o
Atlântico: aqui já aparece um dos tantos “sem sentidos” da longa marcha. É uma
viagem rica de contrastes: do frio das neves eternas até o calor da planície.
Centenas e centenas de rios a ele convergem; ele é o rei. Persevera inexorável
na sua marcha, não aceita canalizações ou barreiras, busca sempre a unidade. Os
rios Purus, Madeira, Tapajós, Xingu e negro formam um tecido de mãos dadas
rumando para a vitória. Os riachos que se recusam a unir-se ao grande rio secam
e morrem. O rei avança com calma, atira-se ao mar. Percorre ainda 160 km formando turvas pororocas.
Quantos dias levou para chegar? Não interessa. Agora sossegou... Pois chegou...
Afinal, acertou o sentido.
Não é esta mesma a marcha da nossa
vida?
Procuramos a felicidade (mar) com
desespero.
Acertando o sentido da vida, é preciso
mergulhar no Rio da Vida, no Mistério-resposta.
2. Os jovens interpelam
Todos os esquemas são simplificação,
até manipulação da realidade, todavia para facilitar a transmissão da mensagem
podemos utiliza-los.
Ouvindo os anseios dos jovens, podemos
resumi-los em 5 itens; é a pergunta existencial em 5 dimensões.
a) Sede de dialogo
O ano 68 foi o ano da contestação dos
jovens na escola, na política e na sociedade em geral. O autoritarismo foi
abalado: os sistemas educacionais tradicionais caíram quase definitivamente. Os
jovens pediam e continuam pedindo diálogo. Querem ser ouvidos. Tem formas
agressivas e violentas, para conquistar espaços, mas em geral a sede de diálogo
é sincera.
b) sede de liberdade
A liberdade sempre foi procurada pelos
jovens, mas nestas últimas décadas tornou-se algo até patológico.
Filhos rebeldes, para demonstrar a
própria capacidade de serem autônomos e livres, abandonaram a casa dos pais.
É verdade que esta sede de liberdade ás
vezes torno-se apenas libertinagem amarrando movimentos inteiros de jovens a
alienação escravidões piores do que as anteriores, mas o anseio foi e é
autêntico.
c) Sede de comunidade
Esta terceira sede é apenas uma conseqüência
das duas anteriores. Os movimentos de jovens, iniciados com pequenos grupos
espontâneos onde o relacionamento imediato favorecia a comunhão de vida, logo
se tornaram autenticas massas amorfas e acéfalas. Como nos anseios anteriores,
também este de comunidade, por falta de orientação e de educadores capazes,
deixou uma triste herança: pequenos grupos fechados e movimentos de massa.
d) Sede de festa
Os jovens gostam de celebrar a vida com
mil festas: é o aniversario de vida, é prova superada no vestibular, é a
excursão nos campos... A festa é a celebração de acontecimentos importantes e,
para anestesiar a monotonia do cotidiano, os jovens programam mil festas. E
assim o carnaval não tem mais data. Excluídos da participação familiar,
escolar, política, social..., os jovens se refugiam e desabafam os seus
problemas nas festas.
e) Sede de universalidade
É um sintomático: os adultos cousstam a
aceitar os novos ritmos, os novos gostos, as novas idéias que estão como mancha
de óleo se alastrando na terra. Os jovens logo se adaptam, para eles o mundo é
uma só pátria. Os velhos, apegados ao patriotismo até bairrismo, ao racismo,
ficam perplexos e só confessam: “Não entendemos esta juventude”. Também este
anseio de universalidade é um sinal de que são os jovens os construtores da
nova civilização do Amor.
No dia 19 de março de 1958, o papa Pio
XII, diante de uma multidão de milhares de jovens exclamou:
“Saímos de um triste inverno e entramos
numa nova primavera, onde vocês, jovens, serão os protagonistas”.
A profecia realizou-se, mesmo que tudo
tenha sido positivo.
Uns vidros quebrados das escolas compensam
o rio da vida que os jovens nos trazem.
3. No
rio da vida: mistério pentadimensional
S. João, o cantor da vida, nos revela
que a árvore à beira do Rio da Vida (Ap 21, 1) produz 12 frutos, um fruto
diferente para cada mês do ano.
Quem mergulha no Rio da Vida fará
“obras ainda maiores” do que aquelas feitas por Jesus (Jo 14,12).
O cristão que penetra no mistério de
Cristo é prodigiosamente fecundo e criativo: pois o Rio da Vida tem como que 5
dimensões ou aspectos. É neste rio que os jovens encontrarão as respostas.
a) Mistério dialógico-trinitário
A bíblia nos revela um Deus que
dialoga, que é a fonte do dialogo onde a Palavra — presença — Dom circula.
Não há dominados nem dominadores, há
pessoas iguais.
O Pai dialoga com o filho e este
Dialogo –- União –- Amor chama-se Consolador.
É um diálogo a três num eterno
movimento de vida.
b) Mistério cristolagico-libertador
Como o rio da Vida, a Vida Trinitária
chega até nós?
“Deus amou tanto o mundo, que entregou
Seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna” (Jo 3,16).
Quem pode mergulhar no Rio da Vida?
“A quantos o recebem deu-lhes o poder
de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12).
Pelo Cristo fomos libertados de todas
as escravidões.
c) Mistério comunitário-eclesial
A igreja é o novo povo de Deus onde
reina a vida fraterna, a comunhão dos bens, a solidariedade.
“Tinham tudo em comum... dividiam os
bens... partiam o pão...” (At 2, 42-47).
Encarnada na historia da humanidade, a
igreja assume alegrias, esperanças de todos e de cada um.
d) Mistério litúrgico-cultural
Como concretamente o Rio da vida chega
agora e aqui?
A liturgia é o cume para o qual tende
toda a ação da Igreja e ao mesmo tempo é a fonte de onde emana sua força.
É na liturgia que celebramos a nossa
vida na Vida de Jesus: é o lugar da festa, do jubilo, da nova criação, ou seja,
da recriação.
e) Mistério missionário-escatológico
O rio da vida não tem fim.
Se o rio da vida parasse não seria mais
a fonte da vida.
Ele “jorra do trono de Deus e do
cordeiro” (Ap 22,1).
Ele deve alastrar-se sobre todos os
povos: eis porque os cristãos têm uma constante ânsia missionária.
“Deus nosso Senhor quer que todos se
salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,3-4).
“Ide por todo o mundo, proclamai o
Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
A meta final do homem é a vida sem fim,
a vida eterna.
A vida além da morte foi chamada de
“Paraíso”, ou vida escatológica, onde não haverá mais “nem judeus nem gregos”.
Concluímos com uma celebre frase de santo Inácio
de Antioquia:
“Quando chegar lá (vida além da morte)
então é que serei homem (imagem e semelhança de Deus)”.
II Parte
Anawim, os famintos saciados
Anav: coração de pobre
1.O mundo sedento de liberdade
O mapa político do mundo é claro. São
três forças que disputam o domínio. Há três mundos!
O primeiro mundo: o capitalismo, filho
do liberalismo;
O segundo mundo: o comunismo, luta pela
libertação dos oprimidos;
O terceiro mundo: vitima dos dois, quer
liberdade.
Há povos do terceiro mundo que são
chamados de “não-alinhados”, pois querem ser independentes das duas
superpotências.
A liberdade não é apenas independência
econômica ou política ou ideológica. As amarras tanto podem ser externas como
internas. Parece que os presos políticos encerrados nas prisões revelam em seus
diários uma liberdade interior que nos fascina. Afinal nos perguntamos: “Quem é
livre? O que é liberdade? Quem nos pode libertar?”
2. as pessoas amarradas a ídolos
Sedenta de liberdade, a pessoa acaba se
amarrando a ídolos: o ter, o poder, o prazer, que deveriam ajudar o ser, o
servir, o amar, o tornar-se bezerros de ouro. Em vez de servir ao Senhor e aos
irmãos, acabamos nos apegando aos bezerros de ouro e ao ouro dos bezerros.
A liberdade dos cristãos está na raiz:
é a liberdade das amarras externas e internas. A libertação cristã é plena: o
homem todo é libertado.
3. Livre é o coração de pobre
Jesus iniciou a sua pregação apontando
caminhos de felicidade. “Felizes os que têm um coração de pobre”.
O que significa “coração de pobre?”.
É o coração que sente dois sentimentos
quase contraditórios; é o coração que se sente fraco e forte, humilde e ousado.
O coração de pobre sente-se:
Frágil, pobre, dependente, necessitado
de tudo...
Forte, amado por Deus, confiante no
poder de Deus.
A bíblia não dá definições do coração
de pobre, mas apresenta “modelos”.
Na língua hebraica os pobres que
confiam no poder de Deus são chamados “anawim”: patriarcas, profetas, reis,
camponeses, poetas, pescadores, comerciantes... São apresentados como anawim.
São pessoas que se deixam guiar por
Deus, atentas ouvintes aos apelos dele, prontas executoras de suas ordens...
Abraão deixa a sua terra, Jose sofre
injustiças, Davi assume uma tarefa, Daniel entra na cova dos leões... Afinal
todos confiam no poder de Deus*.
(* Uma breve introdução bíblica ao tema
dos “pobres” pode ser encontrada no livro “felizes os pobres”, coleção “Deus
fala aos homens”, 64pp., Edições paulinas, São Paulo, 1984).
4.
Quem
são os anawim?
São pessoas:
Abertas, não fechadas no próprio EU;
Agarradas em Deus e confiantes na Sua
providencia;
Solidárias e misericordiosas, sensíveis
aos oprimidos;
Humildes: assumem a própria identidade
sem procurar seguranças humanas ou amizades influentes;
Mansas: vivem, nas mãos de Deus sem
temer adversidades ou perseguições;
Puras: não se deixam intoxicar por
pensamentos ou atos que destroem a própria identidade;
Fortes: não acreditam em “olho gordo”,
superstições ou outras crendices, mas só no poder de Deus.
5.
O
anav dos anawim
Toda a vida de Jesus é o modelo dos
anawim.
Nasce em Belém na pobreza, derrubado o
ídolo ter.
Vive no escondimento de Nazaré,
desmoronando o ídolo aparecer.
Assume a humilhação da cruz em Jerusalém,
“vencendo” o ídolo vencer.
Jesus derrubou os três falsos deuses:
ter—aparecer—vencer.
É uma vida aparentemente fracassada.
É uma vida–mistério: não dá para
entender.
Ele mesmo, incompreendido pelos sábios,
rezou assim:
“eu te louvo, ó Pai, porque escondeste
estas coisas aos sábios e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25).
O desfecho final de sua vida parece
mais ainda um fracasso total: crucificado e morto. Mas logo inicia o
paradoxo-surpresa:
Morte—Vida “Se o grão de trigo morre...
dá frutos”
Perda—Ganho “ Quem perde sua vida...
ganha”.
Humilhação—Exaltação “Quem se
humilha... será exaltado”.
Duelo dramático:
anav—insuficiente
ou auto suficiente?
1. Um modelo de Anav
Os modelos de anawim que a bíblia
apresenta são inumeráveis. Jó parece o protótipo, simbolizando o mesmo povo de
Israel, o anav por excelência. Todavia o texto sagrado, que relata o encontro
entre Davi e Golias, é sem dúvida uma das apresentações mais felizes de toda a
literatura bíblica sobre os anawim (1Sm 17).
Temos aqui o encontro frente a frente:
Do anav – insuficiente, fraco,
desprotegido e
Do auto-suficiente, forte e
superarmado.
O hagiógrafo parece demorar nos
pormenores, até cômicos, para realçar a cândida figura do anav Davi.
Saul força Davi a vestir a equipagem
real completa do guerreiro prudente, e Davi aceita. Sob o peso da couraça, do
capacete e das armas. Davi ainda adolescente, ingenuamente confessa;
“Deste jeito eu não posso nem andar...
como poderei combater?”
Davi volta a ser ele mesmo, o pastor
armado apenas do , cajado, da funda e das pedras.
Golias avança precedido por seu
escudeiro, carregando armas tão desproporcionadas para matar o pequeno inimigo.
Antes da luta há o rito do desafio.
Do confronto aparecem dois estilos
diametralmente opostos.
Diz Golias:
“Sou EU porventura um cão, para vires a
min com um cajado?”
E amaldiçoou-o em nome dos seus deuses
e continuou: “Vem, e EU darei a tu carne às aves do céu e aos animais da terra”
(1Sm 17,45-47),
O duelo durou pouco: uma simples pedrinha de
Davi feriu o gigante que caiu com o rosto por terra. Foi logo degolado pelo
pastor com a mesma espada que Golias carregava.
2. Do Senhor é a vitória
O anav é ao mesmo tempo frágil e forte:
senten-se desproporcionadamente fraco diante das batalhas da vida, mas sente no
seu íntimo uma confiança ilimitada no poder de Deus. Um peqeno versículo do
livro dos provérbios nos alerta com estilo incisivo:
“Prepare-se o cavalo para a batalha a,
contudo a vitória pertence ao senhor” (Pr 21,31).
Na vida do anav não pode haver nem a
sombra de qualquer vaidade ou orgulho.
E nós todos estamos encharcados de
soberba...
Temos uma doença crônica: onde passamos
queremos deixar a nossa assinatura. Consideramos uma propriedade as boas obras
que fazemos e, o que é pior, tentamos divulga-las para ser elogiados. ”Eu
fiz... Foi por meu intermédio que... Se ele conseguiu é porque eu ajudei...
Graças ao meu trabalho foi feito...”
O anav não se sente proprietário do bem
que fez, jamais carrega consigo as boas obras feitas. Alias parece ter uma
esquisita amnésia: a mão direita esquece o bem feito pela mão esquerda.
“A vitória pertence ao Senhor”.
3. Misteriosa pedagogia do fracasso
Davi venceu, mas nem sempre nós
vencemos. O anav também fracassa. O fracasso não é a meta do homem. Seria
frustrante se o nosso ponto final fosse a derrota; contudo o fracasso parece
ter uma misteriosa pedagogia: o sofrimento nos interioriza, paramos e
cavoucamos para procurar respostas.
Quem não sofre geralmente fica criança.
Ai dos pais que se angustiam:
“Não quero que meu filho sofra, não
admito que meu filho seja humilhado”.
Sofrimento, fracasso, humilhação no
projeto de Deus têm uma finalidade. O fracasso sempre nos obriga a descobrir e
assumir a nossa identidade.
O sucesso nos leva à beira do perigoso
abismo do orgulho. É difícil resistir à tentação do orgulho; o sucesso entulha
a mente e o coração. É necessária uma constante desintoxicação. No inicio do
século Péguy escreveu um texto famoso: “Nous sommes des vaincus” ( somos uns
vencidos).
Analisa com profunda perspicácia:
“No sucesso há sempre uma certa
impureza...
Na sorte há sempre um resíduo
impuro...”*
(* C. Pégui, Oevres em prose, vol. II, Plêiade, p. 35).
A historia é mestra da vida.
Quantos sucessos foram enfim desembocar
nas piores aberrações. Por isso temos que discernir as nossas atitudes diante
dos êxitos. Quando o sucesso nos faz esquecer a nossa identidade, caímos na
pior alienação. Vimos amigos esquecer a sua identidade e as suas raízes, só por
ter conseguido sucesso.
O anav sabe dos fracassos tirar lições
de sabedoria para descobrir a assumir a própria identidade.
Homem,
eis a tua
identidade
Quem encontra a própria identidade
encontrou a pátria.
Quem não encontrou o próprio Eu, sempre
será um deslocado.
Vendo tantos jovens angustiados só
temos que concluir: “Ainda não se encontram”.
A bíblia nos apresenta dois caminhos
para descobrir a própria identidade.
Era uma vez um quebra-cabeça com duas
imagens.
As pecinhas, montadas, revelam de um
lado a imagem de Jesus e, no verso outra imagem – o rosto de um homem.
Uns admiravam a imagem do homem, outros
preferiam admirar a imagem de Cristo.
Quem descobre o Cristo acaba
descobrindo o homem.
Há quem queira descobrir o homem sem
Cristo, mas torna-se imposivel. Quem é o homem? Quem sou eu?
1.
Eu
sou criatura, dependência essencial
O homem é um ser dependente. A parábola
da pessoa humana revela esta
dependência. O choro do recém-nascido e o gemido do agonizante chamam:
“Eu preciso de ti acode-me”.
O homem é um ser dependente de Deus.
O centro do Universo é o homem, mas o
centro do homem é Deus.
Os povos primitivos queriam expressar a
dependência a Deus oferecendo sacrifícios; queimando os frutos da terra ou até
animais e orando assim:
“TUDO te pertence, Senhor. Obrigado, Senhor.
Somos teus dependentes. Acode-nos, Senhor”.
O homem é um ser pecador.
Nós não somos apenas dependentes, mas,
muitas vezes, rejeitando a nossa identidade, deformamo-nos, assumindo posturas
ridículas; pecamos. O pecado é dizer não ao plano de Amor de Deus.
O pecado é uma deformação. É awon, que,
na língua hebraica significa “esmagamento que deforma”. O pecado é servir às
criaturas em vez do seu Criador.
2. Eu sou filho, grandeza radical
A grandeza do cristão está na raiz,
desde o dia do batismo. O cristão é Filho de Deus. Esta é sua grandeza radical.
DEUS é PAI –- MAE. É um pai diferente,
um pai ternura.
Jesus nos revela o Pai e nos leva ao
Pai.
O Pai é segurança.
O Pai é ternura, bondade.
O Pai é misericórdia e perdão.
O Pai é alarme à responsabilidade.
Os Pais terrenos nem sempre são tudo
isso.
Deus Pai é sempre mais do que estamos
pensando.
Eu sou filho... sou livre.
O Filho tem a mesma vida do Pai.
O filho é livre.
3. Anawim, no equilíbrio de dois
abismos
Quanto mais nos abismamos na humildade,mais
sentimos o amor de Deus. O anav vive como no meio de dois abismos: o abismo do
próprio nada e o abismo do Amor infinito de Deus.
Se analisamos a vida dos santos sempre
descobrimos neles estas duas dimensões: o santo é aquele que sentiu toda a própria
fragilidade e por isso atiro-se com confiança total nos braços do Pai.
Anav: filho no filho
A identidade do homem pode se resumir a
dois aspectos:
como criatura, é dependência essencial,
como Filho de Deus, é grandeza radical.
Mas a identidade do anav ainda foge à
nossa pequena inteligência. O caboclo pergunta a uma missionária leiga perdida
numa aldeia do Acre:
“Mas como você consegue ter tanta
coragem? Vive sozinha e vive pelos outros, gosta de silencio e gosta da festa,
ama e perdoa sempre, não é de ninguém e é de todos... Sobretudo é sempre
alegre”.
Para os caboclos aquela moça era um
mistério que se foi revelando lentamente. Era uma anav.
O anav vive uma intensa experiência:
sente-se amado, perdoado, livre habitado, jubiloso, luminoso... Enfim sente-se
filho de Deus.
1. Sentir-se amado
O bonde teleférico Chmonix-Coumayer
(França—Itália) parou a 4 mil metros no cimo dos Alpes. Um dos seus cabos de
aço tinha arrebentado, e trinta pessoas estavam suspensas no ar, na maior
insegurança; após 10 horas de terrível angustia um helicóptero voando sobre os
abismos, picos e geleiras eternas conseguiu salva-las. Os jornalistas já
estavam esperando para explorar as observações dos turistas. Todos horrorizados
contavam o dramático susto; somente um menino discordou de todos:
“Eu não estava com medo... papai e
mamãe estavam comigo”.
O anav sente-se profundamente amado por
Deus: vive na presença de Deus.
Quando nos sentimos amados, somos
capazes dos maiores sacrifícios, porque temos no nosso intimo uma segurança
incalculável.
Como explicar o segredo da coragem de
tantos anawim do nosso século: pastores, políticos, jornalistas, escritores,
missionários... que sofreram torturas e o martírio?
2. Sentir-se perdoado
Só sente necessidade do perdão quem se
sente no erro.
Não há perdão para os auto-suficientes
convencidos das próprias virtudes e cronicamente cegos às próprias falhas.
A nossa geração perdeu o sentido do
pecado? Não.
Não podemos generalizar.
A nossa geração também se sente
pecadora e infiel, incorreta e angustiada.
O mais difícil é sentir que podemos ser
perdoados, que podemos ainda ter chance e vez.
O anav não só descobriu um Deus-amor,
mas encontro-se com um Deus-misericórdia.
Onde houve muito pecado, excedeu-se a
Graça.
O anav sente-se sete vezes pecador e...
setenta vezes perdoado.
3. Sentir-se livre
A liberdade é uma das aspirações mis
profundas do homem:é o poder de autodeterminar-se sem coação externa ou
interna; é um dom e uma tarefa.
O anav, sentindo-se libertado das
amarras e das mascaras, sabe discernir a “liberdade de” como algo pessoal e
intimo, e a “liberdade para” como um serviço a comunidade.
Todo o anav, sentindo-se livre, até na
prisão, ainda sabe cantar, como o preso político Cubano Armando Valadares:
“mais reduzem os espaços
e mais se ampliam os horizontes.
Mais me encolhem e mais vejo”.
4. Sentir-se habituado
Uma das mais terríveis torturas é o
isolamento, a falta de comunicação com outros semelhantes: martírio para os
animais e ainda mais para os homens.
O anav não tem medo da solidão, pois sente-se
habituado. Nunca se sente sozinho, até gosta periodicamente de recolher-se com
Deus. Acreditando na palavra do mestre: “A ele viremos e nele estabeleceremos
morada” (Jo. 14,23),
sente-se “templo do Espírito Santo”
(2Tm.1,14), morada das três pessoas da Santíssima Trindade.
Foi esta a cândida descoberta da Irmã
Elizabete da Trindade:
“Encontrei o céu na terra, pois o céu é
Deus,
e Deus está em mim”.
Santo Agostinho já tinha escrito:
“Eis que habitavas, senhor, dentro de
mim,
e eu te procurava do lado de fora!”
Assim podemos entender a confissão de
Lacordaire:
“A solidão é a pátria das grandes
almas”.
Quem se sente morada de Deus, não se
fecha em si mesmo, mas abre aos irmãos para repartir o Dom – Presença – Graça.
5. Sentir-se Jubiloso
Alegria verdadeira e profunda só é
aquela que ninguém pode furtar. É aquela do cristão que, sentindo-se amado e
perdoado, livre e habituado, medita dia
e noite a palavra de Deus.
“Que a minha alegria esteja em vós e a
vossa alegria seja plena” (Jo. 15,11).
“O Reino de Deus não é comida nem
bebida, mas justiça,paz e alegria no Espírito Santo” (Rm. 14, 17).
“Alegrai-vos sempre no Senhor: repito,
alegrai-vos” (Fl. 4,4).
6. Sentir-se luminoso
Os primeiros cristãos chamavam-se fotismoi,
ou seja, iluminados, ou, luminosos.
A psicologia está redescobrindo o que
os antigos com outra linguagem diziam.
Quem ama irradia luz. É por isso que os
pintores colocam a auréola em redor do Santo.
A mão que dá, é luminosa. O anav
medita:
“Cristo é luz eu veio iluminar o homem”
(Jo. 1,9).
“Quem ama a verdade aproxima-se da luz”
(Jo. 3,21).
“Andai como filhos da luz” (Ef. 5,8).
“Sejais astros celeste que iluminam o
mundo” (Fl. 2,15).
“Brilhe a vossa luz diante dos
homens...” (Mt. 5,16).
7. Sentir-se filho no filho
Para sentir-se filho é preciso sentir a
necessidade do Pai. Talvez a nossa geração sofra a falta de paternidade:
assumir uma paternidade é um grande risco.
Após ser acusado de paternalismo, todo
o pai tema esta doença e acaba omitindo o seu papel de educador.
Se os pais não querem mais ser pais,
menos ainda os filhos querem ser filhos, pois a filiação seria dependência que
limita a personalidade.
O anav, encontra sua segurança na
paternidade de Deus, por isso sente-se filho de Deus.
S. Paulo usa uma expressão original e
feliz:
O cristão é “filho no filho”.
O anav é filho de Deus no filho Jesus
Cristo.
Por ele, com ele e nEle somos amados e
libertados.
TRÊS TALENTOS, TRÊS DONS
Tudo vem de Deus. Tudo é dádiva.
O verdadeiro anav parece ter em grau
eminente três dons ou talentos. São como que as ferramentas necessárias para
ser um forjador da história.
1. Discernimento
Antes de qualquer atividade ou projeto
é necessário enxergar com clareza: é a consciência crítica que vê os
pormenores, e´a sabedoria que contempla a globalidade para depois detectar os
prós e os contras.
Os textos evangélicos são inumeráveis:
-
“Discernis
os sinais dos céus... porque não discernis os
Sinais dos tempos?... cuidado com o
fermento dos farizeus” (Mt.16,1-2.6).
-
“Cuidado
com os falsos profetas” (Mt. 7, 15-20).
-
“O
que contamina é o que saí de dentro da boca do homem”(Mt. 7,14-23).
-
“Se
teu olho direito... ou a mão direita for ocasião de escândalo, arranca-o...
porque é preferível...” (Mt 5,29-30).
É importante discernir o que estorva, e
arranca-lo.
ü
“...o
Verbo era luz... mas o mundo não o reconheceu” (Jo 1, 1-18).
ü
“Os
homens preferiram as trevas...” (Jo 3,19).
ü “Não é este o filho de José?...” (Lc 4,16-30).
A inveja não deixa reconhecer em Jesus
Cristo o filho de Deus.
ü “De quem é a imagem e o nome gravados?
Daí pois a Cezar...” (Mc 12,13-17).
Jesus parece irônico, mas é apenas
pedagogo que ensina a discernir.
ü
Na
parábola do administrador infiel, Jesus elogia a sagacidade, ou seja, a
capacidade de discernir (Lc 16, 1-12).
ü
Bartimeu
grita: “que eu veja” (Mc 10, 46-52).
Os Bartimeus são inumeráveis.
O anav enxerga e abre os olhos aos
cegos.
2.
Humildade
Normalmente os que enxergam bem acham
que os outros não enxergam com a mesma clareza. Então começam a julgar, opinar,
sentenciar... com autoridade e teimosia. Tornam-se freqüentemente orgulhosos e
teimosos nas próprias idéias.
A pregação de Jesus sobre a humildade
foi fecunda.
Já o precursor tinha um grande
testemunho:
“Que Ele cresça e eu diminua... Esta é
minha alegria” (Jo 3, 27-30).
João Batista é o amigo do esposo, não é
o esposo.
--Jesus obrigou os discípulos a subirem
na barca (Mt 14, 22)
Os apóstolos queriam ficar para receber
os elogios do povo!
ü
“Quem
quiser ser o maior... seja o menor, quem quiser ser o primeiro, seja o escravo”
(Mt 20, 24-28).
ü
“Quem
se exalta será humilhado e que se humilha...” (Lc 14, 7-11).
ü
“Obrigado,
Senhor, porque ocultaste estas coisas aos grandes e as revelaste aos humildes”
(Mt 11,25-27).
ü
“Abstende-vos
de praticar boas obras para serdes vistos pelos homens... Não saiba a tua mão
esquerda o que faz a direita” (Mt 6,1-4).
ü
“Após
ter feito tudo, dizei: somos servos inúteis” (Lc 17,10)
ü
“O
publicano nem ousava levantar os olhos, mas batia no peito e dizia: Sou
pecador...”(Lc 18, 9-14).
ü
Jesus
lava os pés... sinal de serviço e de humildade (Jo 13, 1-17).
ü
Toda
a paixão: “...cuspiran-lhe no rosto e deram-lhe bofetadas” (Mt 27,30).
ü
“Aprendei
de min, que sou manso e humilde” (Mt11,28-30).
3. Ousadia
Ao longo da historia, a “humildade”
tinha-se tornado a arma dos superiores opressores para abusar da própria
autoridade.
Humildade não é submissão passiva
aceitando a opressão.
Junto à humildade deve haver a
ousadia-coragem de anunciar — denunciar –- testemunhar.
ü
Na
festa da dedicação do templo, Jesus ousa denunciar a hipocrisia do seu povo (Jo
10, 22-42).
ü
“Jesus
fez um chicote e derrubou as mesas...” (Jo 2, 13-22).
ü
Jesus
recrimina Pedro: “Homem vacilante na fé por que duvidaste?” (Mt 14, 22-32).
ü
“Não
se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, credes em Mim. Assim fareis obras
maiores do que as minhas” (Jo 14, 1-12).
ü
“Tende
fé... Para quem crê, sem hesitar em se4u coração, tudo se realizará” (Mc 11,
20-25).
Três são os dons dos anawim:
Discernimento
Humildade
Ousadia.
Um diferente estilo de vida
Há um conformismo geral. Muitos
cristãos cruzam os braços e repetem um velho estribilho: ”Temos que aceitar”. E
assim vivemos condicionados pela opinião-imposiçao dos meios de comunicação e
estamos escravizados pela sociedade consumista.
O anav assume um estilo de vida
diferente, procurando no Evangelho luzes e forças.
1.
Simplicidade
O estilo de Jesus é assumido pelos
anawim: é caracterizado fundamentalmente pela simplicidade e sobriedade.
ü
“Eis
o sinal... Encontrareis um menino numa manjedoura” (Lc 2, 12).
ü
“Se
não vos tornardes como criancinhas (simples, sem artifícios) não entrarão no
Reino” (Mt 18, 1-10).
ü
Jesus
falava em parábolas para que os simples entendessem e os grandes ficassem
confundidos (Mc 4,33).
ü
“Obrigado
Pai porque revelaste estas coisas aos simples” (Mt 11, 25-27).
ü
“Seja
vossa linguagem: sim, quando é sim, e não, quando é não”.
ü
Zaqueu
se converte após um gesto de grande simplicidade: subiu num sicômoro para ver
Jesus (Lc 19, 1-10).
2. Sobriedade
A sociedade consumista nos obriga
roupas, sapatos e mil produtos que não precisamos.
É preciso gastar. Deixamos apodrecer ou
não cuidamos das frutas do nosso quintal e compramos refrigerante ou frutas
enlatadas.
Em vez de avaliar constantemente o que
sobra, sempre nos questionamos: “O que falta?”
O consumismo nos levou a muito absurdos
e monstruosidades.
Ninguém pensa, ninguém questiona. O
anav segue o mestre.
ü
“As
raposas tem covas, as aves tem ninhos, mas o Filho do homem não tem onde
reclinar a cabeça” (Lc 9, 57-62).
ü
“Envolveu-o
em faixas, reclino-o numa manjedoura, pois não havia lugar para eles na
hospedaria” (Lc 2, 1-20).
ü
“Quem
não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33).
ü
Ao
jovem rico, Jesus diz: ”Ainda te falta uma coisa” (Mc 10, 17-27).
O apelo de Jesus –- “Ainda falta” –
pode bem ser traduzido assim: “Ainda te sobra muita coisa, por isso não pode
ser livre”.
A sobriedade é um estilo de vida necessário
para quem quer a liberdade dos filhos de Deus:
sobriedade na comida... na gula,
sobriedade nos pensamentos,
sobriedade na casa, roupas, leituras.
Enfim, sobriedade não é privar-se do
necessário ou útil, mas é procurar só o que é necessário para viver com mais
intensidade as lutas do cotidiano.
3. Laboriosidade
Todas as gerações declaram morte aos
parasitas que, como nunca, hoje vivem em nosso redor.
Não trabalham, mas vivem de rendas: dos
produtos da fazenda (que eles não trabalham, mas produz pelo suor dos escravos
bóias-frias); das fabricas, das cadernetas de poupança, de alugueis...
Entidades filantrópicas (hospitais,
orfanatos, creches, escolas gratuitas...) podem ter suas rendas fixas, mas como
podemos hoje ter um exército de parasitas que não trabalham e ,contudo comem e
bebem? Jesus elogia o trabalho e condena o palavrório e a ociosidade.
ü
Parábola
dos operários da vinha (Mt 20, 1-16).
ü
Parábola
dos talentos (ou minas) (Mt 25, 14-20;
Lc 19, 11-27).
ü
Parábola
da figueira estéril (Lc 13, 6-9).
ü
Figueira
amaldiçoada (Mc 11, 12-25).
ü
Vós
sois sal e luz (Mt 5, 13-16).
ü
Não
quem diz Senhor, Senhor (Mt 7, 21-23).
ü
Parábola
dos dois filhos (Mt 21, 28-32).
E após ter evitado toda ociosidade
podemos também viver a mensagem da providência: “Não vos preocupeis com a
comida e com as roupas” (Mt 6,25).
O estilo de vida dos ANAWIM
é um tripé sólido:
Simplicidade,
Sobriedade,
Laboriosidade.
Amém: agarrado a ti, senhor
1. Era uma vez...
Era uma vez uma palavra tão, tão
incisiva e tão intraduzível que decidiu ser... eterna.
Ao longo da historia, das gerações e
das línguas conseguiu passar através das finas peneira e chegar até nós.
Quando a comunidade crista decidiu
traduzir os textos litúrgicos do hebraico para o grego, ela não gostou e disse:
“Não podeis encontrar no grego uma palavra correspondente”. E assim a
palavrinha passou.
Séculos depois, quando a língua
litúrgica dos ocidentais passou a ser o latim, a palavra escondida ficou. E
agora, após o Concílio, quando todos os povos traduziram para a própria língua
os textos litúrgicos, a palavrinha venceu a ultima batalha.
Todos os povos louvam ao senhor em
todas as línguas, mas no final sempre concluem com a... mesma palavra: bonita,
incisiva, intraduzível. Da capela mais minúscula do interior ate a grandiosa
Basílica de S. Pedro todos terminam com a palavra: “AMÉM”.
2. Amém: me grudo em ti, Senhor
Os hebreus, para significar o gesto da
criança no colo da mãe, usavam o verbo “heemim”.
O verbo heemim significa:
ü
Grudar-se
com segurança num apoio sólido.
ü
Agarrar-se
em alguém mais forte.
ü
Sossegar
tranqüilamente sem nenhum medo, porque o apoio é sólido.
É esta a experiência que vive a
criança.
Quando está cansada, ou finge estar
cansada, pede: “Mãe... colo, mãe!” E a mãe se abaixa e pega o filho nos braços
junto a seu peito ou o senta no colo.
Podemos beliscar a criança, ela esta
segura, sem medo, sentada nos braços da mãe e ainda... olha para baixo como um
rei sentado em seu trono.
“Como a criança bem tranqüila,
amamentada no colo acolhedor de sua mãe” (Sl 131).
O anav é esta criança que se sente
amada e segura.
3.anav, o homem de uma só peça
O valor dos monumentos egípcios está
nisto: são blocos de pedra de uma só peça. Chamam-se obeliscos.
O anav é um homem de uma só peça.
Mergulhado no amor de Deus, sente-se seguro, nada teme: como no colo da mãe.
ü
“Como
a árvore plantada à beira da água” (Sl 1,3).
ü
“Sois
escudo para mim...” (Sl 3,4).
ü
“Tranqüilo
me deito... só vós sois minha segurança” (Sl 3,6).
ü
“Senhor,
minha força, minha rocha, meu abrigo” (Sl 18,3).
ü
“O
Senhor é meu pastor, NADA me falta” (Sl 23,7).
ü
“É
no Senhor que eu confio” (Sl 31,7).
ü
“Ele
é meu rochedo... não vacilarei jamais” (Sl 62,3).
ü
“Minha
ajuda e meu salvador sois vós, não tardeis, Senhor” (Sl 70,6).
ü
“A
minha ventura é viver junta de Deus” (Sl 42,6).
ü
“Ele
me livra do laço do caçador” (Sl 31,5).
4. Como o Pai é uno, o filho também é
uno
Nós vivemos despedaçados... sempre
distraídos.
Quantas vezes o corpo está ali... mas o
pensamento está muito longe.
O nosso cansaço não é pelo trabalho,
mas pela tensão da mente por estar
ocupada em mil preocupações.
O eu está quebrado em pedaços. Ser
uno... eis a meta do cristão. Canalizar todo o próprio Eu com todas as
potencialidades ba mesma direção, eis o ideal que não cansa.
Como Deus Pai é todo Unidade-harmonia,
assim o cristão-filho de Deus deve ser uma pessoa harmoniosa.
Religiões e filosofias nos ensinam uma
lei descoberta desde o inicio da humanidade. Forças negativas, que alguma
personificam em espíritos malignos, estão dentro de nós.
Os psicólogos falam de pensamentos
negativos.
Há uma convergência entre todas estas
filosofias: é preciso esquecer tudo o que nos destrói por dentro.
Um convertido ao cristianismo escreveu:
“Percebi que em mim havia duas pessoas: atirei uma pela janela e fiquei com a
outra”. Dupla personalidade não pode existir: gera conflitos e frustrações.
Para um homem de uma só péça não há outra escolha.
EM COMUNIDADE: AGARRADO À IGRJA
1. Deus-comunidade, igreja-comunidade
O nosso Deus é uma comunidade:
comunhão, participação, diálogo.
Na doação mútua das três pessoas o amor
reina.
A fonte da nossa vivência cristã é o Ministério
Trinitário.
Só na vivência comunitária podemos
encontrar a resposta. Cristão... isolado é uma contradição.
Quem não vive em comunidade, morre...
A igreja é a comunidade que torna
visível o Deus-comunidade.
Ao longo da historia da Igreja vimos e
vemos o modelo da Igreja-sociedade, onde os cristãos vivem como ilhas sem
participação nem comunhão.
Quantas paróquias são autênticos
clubes-sociedade, onde os relacionamentos imediatos não acontecem: é anonimato,
massificação, passividade.
Quantos católicos procuram a igreja
onde não são conhecidos para... não tomarem parte, mas apenas para se
refugiarem, amedrontados pelos problemas; ou para se conformarem com o
fracasso.
Em vez de ser uma escola de forjadores
da História, as nossas igrejas tornam-se refúgios dos tímidos e medrosos, que
não querem nenhuma mudança: os ricos têm medo de mudança e os pobres se
acomodam.
2. Eu sou a igreja
Célebre tornou-se um fato acontecido na
Polônia durante a ocupação alemã: os novos mapas geográficos já não marcavam mais
o território polonês. O professor tinha apresentado ao aluno o novo mapa
pedindo que indicasse o lugar da Polônia. O menino ficou perdido... Indicou
vários pontos, mas sempre o professor respondia: “Aqui não... Aqui é a Rússia,
aqui é a Alemanha...” Enfim o pequeno patriota indicou o próprio peito: “A
Polônia está aqui no meu peito”.
Todo cristão deve sentir-se Igreja,
deve confessar: ”Eu sou Igreja. Eu quero ser igreja”.
É tão fácil deixar os outros apontar as
falhas da Igreja, sem nunca se comprometer plenamente.
A Igreja é este mistério de Graça e de
pecado, de trigo e de joio.
Escandalizamo-nos pelas grandes
infidelidades da Igreja e queremos encobrir as nossas: sempre prontos para
sempre pronto para apontar as manchas no rosto da mãe-Igreja, quando na verdade
deveríamos começar a lavar o nosso rosto.
Dizia o Cardeal Feltin: ”Jovens,
quereis uma Igreja pura? Começai a lavar o vosso rosto”.
3. Fora da Igreja, morro de fome
Em todos os vintes séculos de história
houve o testemunho dos santos e escândalos de pecadores. Hoje a Igreja não esta num estado pior. Santo Agostinho, já
no século V, dizia:
“Vejo tantas falhas nesta Igreja... Mas
é minha Mãe...
Sem ela, ou fora dela, irei morrer...
Onde poder mamar?”
Vimos grandes gênios que saíram da Igreja por
acha-la tão pobre e infiel, mas o gesto foi infeliz: tiveram que passar fome e
mendigar a vida inteira.
A exortação de Santo Agostinho é
incisiva e válida:
Eu vos peço com veemência:
Amai esta Igreja.
Fora de suas mamas...
Vocês irão morrer de fome.
Todos nós sonhamos alto... bonito.
A realidade é sempre outra: o sonho não
se realiza.
As estruturas são tão falhas que nos
escandalizamos.
Ficar dentro da Igreja, mas onde?
“A paróquia é grande demais e a CEB é
pequena demais”, dizia um jovem à procura de um espaço. Na verdade é preciso
encarnar-se em algum lugar e entrar em alguma estrutura.
Quantos jovens querem viver isolados,
desprezando as estruturas pastorais.
Ou grudado à frágil embarcação,
Ou naufrágio fatal:
Não há outra escolha.
5. Enfim, morro filha da Igreja
Rica de talentos e enérgica como um
general, Tereza de Ávila é uma das maiores mulheres da historia. Não faltavam
oposições dentro da Igreja contra seu zelo, julgado exagerado. Obstaculizada de
mil formas, contudo perseverou.
No seu testamento conclui com uma
oração singela:
“Obrigada, Senhor... Enfim morro filha
da Igreja”.
Muitos gênios morreram fora da Igreja:
inteligentes demais para suportar as contradições, e sábios demais, para não saber
também aproveitar os benefícios.
ÚLTIMO PARA OS ÚLTIMOS
1. Ultimo lugar: liderança esquecida
Célebre torno-se uma simples frase de
um pregador:
“Jesus assumiu o último lugar, tão
último que até hoje ninguém conseguiu toma-lo”. E explicava como o último lugar
é o serviço mais humilde aos irmãos.
A mensagem foi como um desafio para um
jovem que estava ouvindo. “E por que eu na posso ser como o Mestre? Tomar
também o último lugar para servir aos irmãos?”
Como numa convergência de relâmpagos o
jovem lembrou os textos evangélicos sobre o “último lugar”.
ü
“Que
quiser ser o primeiro... seja o vosso servo” (Mt 20, 27).
ü
“Aquele
que é o maior entre vós, faça como o menor” (Lc 22, 26).
ü
“Quando
fores convidado, vai ocupar o último lugar” (Lc 14, 10).
A conversão do jovem par o último lugar
desencadeou uma energia prodigiosa na Igreja.
Tornou-se pobre para os pobres,
assumindo o serviço mais difícil e mais ingrato no meio de uma tribo tuareg da
Argélia. Após anos de presença silenciosa e de testemunho humilde, não
conseguiu formar uma comunidade cristã. O semeador tornou-se semente:
assassinado barbaramente, sua vida pareceu um fracasso. Anos depois, um grupo
de padres franceses retomou o caminho traçado e surgiu um novo tipo de
evangelizadores: “Gritar o eangelho com a vida mais do que com palavras”.
Deste testemunho brotaram outras
experiências fecundas: padres-operários, atenção aos últimos, operação
preferencial pelos pobres...
Carlos De Foucauld, este era o nome do
jovem convertido, foi e é hoje o irmão universal, que mais quis assumir a
liderança esquecida, o ultimo lugar.
2. Foi a Min que o fizeste
Quem são os últimos? O Mestre responde:
ü
“Quando
preparares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os
cegos. Seras feliz, porque não tem com que
te retribuir” (Lc 14, 13-14).
ü
“Tive
fome, e vós me deste de comer... Tive sede... Estive nu... Estive doente...
Estive no cárcere e viestes visitar-me” (Mt 25, 35-36).
Últimos são os que tem vez: precisam de
tudo, mas “não tendo como retribuir” não são atendidos.
Os últimos acabam também sendo os excluídos.
Para eles não há lugar na escola, nem no hospital... Para eles não há vagas nem
par trabalhar.
Anos atrás, numa capital, aconteceu um
fato trágico: Um menino foi atropelado por um carro. O motorista, tomado de
medo, fugiu e ficou no anonimato.
Naquele momento um taxista atendeu o
menino gravemente ferido levando-o ao pronto-socorro.
Por não poder pagar uma pequena
importância, o caso não foi logo atendido. Só após uma longa insistência é que
o menino foi atendido... mas qual não foi a triste surpresa do medico: pois o
paciente era o seu próprio filho. O atraso foi prejudicial: o menino morreu
logo após.
A palavra de Jesus ecoa exigente;
“Foi a min que o fizeste”.
Quem atende o anônimo, o pequeno, o pobre,
aquele que nunca poderá retribuir, atende o mesmo Cristo.
Os últimos chamam. Quem os atende?
Severamente julgados pelos burgueses,
os últimos não tem voz para chamar.
A criancinha faminta chorou noites e
noites... Os pais favelados não puderam acudi-la. E assim a criancinha sossega
e acostuma-se a aceitar tudo, cronicamente sem forças, nem reage mais. O que é
apenas indolência inata é condenado como preguiça.
As outras crianças são atendidas...
Quando choram, alguém reage e atende,
seja com comida ou com fraldas limpas...
Os últimos e... os filhos dos
últimos... até o jeito de chorar é tão frágil que mais os escuta.
3.
Último
para os últimos
Na casa de meu pai há muitas mansões,
muitos serviços, muitos espaços.
Em vinte séculos de história da Igreja
, surgiram as vocações mais diversificadas. Todos descobriram um espaço
conforme as próprias capacidades.
Estes serviços podem ser divididos em
dois grandes campos apostólicos: a evangelização das elites e a evangelização
das bases.
A primeira procura atingir mais a ponta
da pirâmide social: as classes influentes, chamados grupos de influência. Por
isso surgiram colégios para os nobres, hoje para as classes médio-burguesas.
A estratégia era evidente:
evangelizando um “provável” futuro político, governador, advogado, medico,
pensa-se transformar a sociedade.
A segunda, por sua vez, partiu com
outra estratégia: evangelizando a base, a sociedade será renovada.
Mas os anawim perceberam que há um
caminho ainda melhor, uma estratégia mais eficaz: foi a estratégia de Jesus.
O anav quer ser um sinal do
amor-gratuidade de Deus. Um exemplo ilustra mais do que qualquer reflexão.
Visitei um conjunto de vilas e favelas de grande cidade e vi um... grande
“escândalo”.
Uma comunidade irmãs vive no meio do
povo na extrema pobreza caminhando, sofrendo, crescendo, esperando som o povo.
Os elementos da comunidade são excepcionalmente ricos de talentos: professoras
universitárias, cultas, comunicativas e capaz de cativar a juventude
estudantil.
Espontaneamente já no primeiro encontro
observei:
--Vocês aqui são grandes
evangelizadores, porem vocês são muito mais necessários nos ambientes dos
jovens universitários... nos grupos de influência.
A mais nova das irmãs com toda
paciência explicou:
-- O carisma da nossa congregação era
mesmo os grupos de influência, mas nós agora mudamos... por um século educamos
a alta sociedade, os frutos foram muitos duvidosos.
Ainda quis insistir com teimosia na
minha lógica eficientista:
-- Mas não é este um desperdício de
cultura? Aqui irmãs menos preparadas culturalmente, poderiam fazer vosso
trabalho, enquanto os jovens universitários não tem evangelizadores.
A resposta veio lúcida:
-- Em primeiro lugar, não é fácil que
venham outras irmãs, e nós temos que ser fiéis ao apelo de Deus. Não estamos
aqui para fazer ou pregar, mas para ser as testemunhas. Aqui temos também que
aprender do povo.
O anav dos anawim não foi se esconder
na pequena aldeia de Nazaré? E por que não foi para os centros culturais e
políticos da época? E por que não foi para Alexandria, Atenas, ou Roma?
Hoje, o “escândalo” realmente
escandalizou centenas de jovens universitários que visitam a favela e ate
alguns foram morar no meio dos pobres para servir e também para sentir o cheiro
carismático do povo.
NA TEOLOGIA DO... ESCONDERIJO
1. Um esconderijo para o tesouro
Ninguém coloca o tesouro à vista de
todos. O que é precioso deve ser bem guardado e protegido, pois poderia ser
roubado ou estragado. Deus esconde os tesouros para que o homem o encontre após
longa e cansativa procura. Deus é um bom educador, não dá tudo “na boca”, mas
quer que o homem procure, lute para alcançar o tesouro e uma vez encontrado use
todos os cuidados para guardá-lo.
Os minerais preciosos estão escondidos
no ventre da terra. É preciso procura-los com extenuantes fadigas, até com
perigo de vida. As águas mais cristalinas estão debaixo da terra, correm
escondidas à espera de ser encontradas.
Também os homens aprenderam a esconder
os tesouros. Mas há um abismo entre a pedagogia de Deus e a astúcia do homem.
Deus esconde o tesouro para que o homem, num esforço mental e corporal, o
alcance. Bem outra é a finalidade dos homens ao esconder os tesouros: é o medo
que outros homens os encontrem.
Deus esconde o tesouro, mas deixa
pistas para procura-lo e encontra-lo, os homens escondem seus tesouros para que
ninguém os procure e menos ainda os encontre.
O lugar do tesouro é o esconderijo.
2. Deus se esconde... o homem se exibe
Confrontando a atitude do homem e de
Deus, aparece mais uma diferença abissal. Deus deixa seus tesouros a serviço do
homem, mas parece sempre esconder-se.
É verdade que as vezes em momentos de
relâmpagos de intuições sentimos a presença de Deus tão viva e tão próxima que
confessamos com jubilo: ”Encontrei a Deus”. São relâmpagos apenas. A pedagogia
de Deus continua a mesma: ele teima na pedagogia do esconderijo. Deus esconde
seus tesouros, mas sobretudo Deus se esconde. Sentimos que não é para não ser
encontrado, mas para que o homem lute para procura-lo. E o homem?
O homem não se esconde: parece ter a
mania crônica de aparecer. O homem se exibe. A exibição é uma velha doença da
humanidade: é a sede de ser visto, admirado e elogiado. Não é a pedagogia do
esconderijo, mas do pedestal.
3.O tesouro dos tesouros
O anav é aquele que encontrou na
pedagogia do esconderijo: entendeu que o tesouro dos tesouros está no
esconderijo mais profundo. Procura noite e dia sem cansar e, quando encontra o
tesouro precioso, sacrifica tudo, vende tudo o que tem para adquiri-lo. As
amigos e parentes não entendem certos gastos do anav, porque não sabem o que o
anav sabe. Assim acontece o diálogo sem saída:
-- “Você não sabe o que faz... deixando
estes bens, esta profissão, esta oportunidade... Nunca mais terá chance...” eis
o apelo dos amigos.
Mas o anav, por sua vez, com uma vista
que vai alem das aparências, retruca:
-- “São vocês que não sabem o q1ue
dizem... pois eu encontrei o que procurava”.
No esplendido texto franciscano: Sacrum
comercium, são relatadas as simbólicas núpcias de Francisco de Assis com Dona Pobreza.
O livreto pertence à mais singela
literatura universal. Francisco é o anav que relativiza tudo e absolutiza só
uma coisa: o Reino de Deus, o tesouro dos tesouros.
Santo Agostinho por sua vez também
tinha procurado e tinha concluído: “procurava fora e longe o que estava perto e
dentro”.
O tesouro dos tesouros é o mesmo
Dom—Pesença—Graça das três pessoas Divinas.
O anav sente-se amado, perdoado,
libertado, mas sente-se sobretudo habitado...
4. O anav também no esconderijo
O anav à procura do tesouro encontra o
esconderijo e acaba também se escondendo.
Para encontrar o tesouro é preciso
entrar no esconderijo e, assim, também o anav fica escondido.
O anav é frontalmente o contrario do
exibido: é o escândalo de todas as épocas.
Os homens meneiam a cabeça e dizem:
“Vida perdida... coitado, não sabe aproveitar a vida”.
Como o grão de mostarda, escondido na
terra, o anav dança de alegria: ele sabe que só haverá fecundidade na medida em
que sabe ficar no seu esconderijo.
Mas, afinal, o que é esconderijo?
n É assumir com humildade e ousadia a
própria missão.
n
É
ocultar-se não por timidez, mas para evitar toda publicidade que prejudicaria o
crescimento.
n
É
seguir o exemplo de Jesus de Nazaré.
n
É
trabalhar na humildade sem nunca omitir-se, mas também sem exibir-se.
O anav tem medo da publicidade, o
veneno capaz de intoxicar as comidas mais genuínas.
5. Quando sair do esconderijo?
Todo anav tem um caminho a seguir.
Há anawim que passaram uma vida inteira
no esconderijo. Foi o ideal de Carlos de Foucauld.
“Quero passar neste mundo como um
peregrino na noite escura”.
Há outros anawim chamados logo a sair
do esconderijo para revelar aos homens o grande tesouro.
Há anawim que são descobertos só após a
morte; o tumulo torna-se centro de romarias. Estes anawim são como aquelas
flores perfumadas pequenas demais, quase mimetizadas, para serem descobertas,
mas ricas de forte perfume.
Todos se beneficiam do perfume, mas não
procuram a fonte, a flor que emana.
Hoje há muitos anawim nos esconderijos:
presentes no mundo como o fermento.
Onde está o fermento, onde está a
massa?
São os cristãos nas comunidades de
base, nas associações de bairro, nos serviços do “chão”... tijolos escondidos
nos alicerces desta nova igreja e desta nova sociedade: cristãos do “chão”.
No cais de Marselha um operário ficou
totalmente esmagado por um gigantesco guindaste. Ninguém mais o reconhecia.
“Tão desfigurado estava o seu rosto, e
seu aspecto era menos que de homem”. (Is 52,14)
Quando foi identificado, todos os
operários ficaram profundamente comovidos. Era o operário mais querido e mais
solidário: era um padre-operário que, pelo Evangelho, tinha assumido a condição
mais dura dos estivadores do porto.
Após aquela morte, a opinião publica
tomou consciência da situação dos operários. O anav saiu do esconderijo no
momento da morte, mas daquela morte nasceu um fecundo broto de esperança.
O testemunho dos padres-operários
quanta generosidade desencadeou na igreja: direta ou indiretamente, as
conclusões de Medellín e de Puebla são as flores mais lindas... desta raizinha
que veio de lá... do cais do porto de Marselha.
O anav sai do esconderijo quando for
chamado por Deus.
Maria de Nazaré...
Não foi o esconderijo de Deus?
III
Parte
NO RIO DA
AFETIVIDADE
Mundo de violência
Com sede de ternura
1. Entre violência e covardia, o
terceiro caminho
Olhando o mapa político mundial
descobrimos logo os focos mais trágicos da violência: América Central, Oriente
Médio, Extremo Oriente, África do Sul. Focos de violência existem,
infelizmente, no coração de cada raça, de cada povo, de cada nação. Na América
do Central como no Oriente Médio, na etnia basca, como nas castas indianas, em
todo lugar a violência gera violência.
A sede do homem é sede de contradições:
hoje quer a violência da vingança, amanhã dispõem-se à ternura do perdão. Os
guerrilheiros da América Central querem negociar com os governos para uma paz
de ternura, mas não querem omitir-se ao ideal de justiça. O pacifista Gandhi,
que nunca incentivou a violência, par desmascarar toda manipulação de sua vida,
escreveu: “Entre a violência e a covardia prefiro, a violência”. O profeta
indiano queria apenas acordar os que ficavam sempre sentados no muro da
neutralidade e da omissão; nunca provocou a violência, mas também nunca pecou
por covardia e por omissão.
Entre a violência e a covardia existe o
terceiro caminho: o assumir ousado diante das injustiças e o agir concreto para
a transformação da sociedade.
Não há duvida, os cristãos da América
Latina pecam muito mais por covardia do que por violência. O numero dos
guerrilheiros subversivos ou dos grupos engajados até a violência, é bem
pequeno diante das massas indiferentes e covardes, omissas e cronicamente
indolentes.
Quantos cristãos apenas desaprovam as
atitudes violentas, mas nada fazem para desencadear um processo de
transformação.
Quantos cristãos, querendo fechar a
porta a todos os erros da violência, acabam também excluindo a força
transformadora da verdade.
2. Raízes da violência
Quem gerou este mundo de violência?
Quais são as raízes da violência?
As causas da fome identificam-se com as
causas da violência.
Estamos num circulo vicioso: violência
gera violência.
A violência nos cerca de todos os
lados, construída por nós mesmos. Os nossos agricultores fora expulsos de suas
terras e, hoje, estão nas cidades, armados uns contra os outros.
Um simples fato significativo esclarece
uma dramática realidade. Houve um assalto na periferia da cidade de Curitiba. O
guarda noturno atirou no ladrão ferindo-o, porem não gravemente. Os dois se
encontraram; eram velhos amigo, dois colonos do interior. Anos atrás
trabalhavam suas lavouras, vizinhos de roça. Hoje estão ai se defrontando numa
luta armada: o primeiro largou a enxada... para vir aqui à cidade e cuidar da
casa dos ricos...; O segundo, com menos sorte...; não encontrando trabalho,
tornou-se marginal.
A industria, a agricultura e o mundo
terciário dos serviços (comercio, serviço sanitário, escola...) estão
intoxicados de violência.
A pequena propriedade deixou o lugar
aos latifúndios, e o ARTESANATO às multinacionais; ainda ficava o terciário...
mas a violência o engoliu.
O cristão propõe a utopia evangélica,
uma alternativa revolucionaria, aos ídolos da violência propõe um Deus ternura.
3. Fome de pão, fome de ternura
Agredidos pelos meios de comunicação que
nos apresentam cenas pornográficas com a ambígua representação de “ternura”,
ficamos perturbados e confusos.
Ternura não é sensação epidérmica.
Ternura não é sentir um prazer
passageiro, que muitas vezes escraviza e aliena da vida.
Ternura é gesto concreto de amor.
Ternura é doação.
Ternura é delicadeza.
Ternura é disponibilidade em doar o que
temos sem esperar nada em troca.
Ternura é adivinhar o que o outro
precisa e doar antes que o peça.
Ternura é gratuidade.
Ternura é morte do verbo “cobrar” com juros
e correção monetária, porque é dar sem a mínima esperança de retribuição.
“Não só de pão vive o homem”, disse o
Mestre.
A nossa é uma fome de ternura.
É esta a confissão de um discípulo de
Tereza de Calcutá.
Em vinte anos de vida como mendigo
nunca tinha recebido um olhar amigo: foram vinte anos de pão recebido de tantas
pessoas. Nunca passou fome de pão, mas sempre a sede de ternura estava ardendo.
Foi suficiente um gesto de ternura de Tereza de Calcutá para desencadear uma
nova vida. Outros lhe deram toneladas de pão, só Tereza ofertou-lhe um carinho
de mãe. Hoje o mendigo é um colaborador de uma colossal obra de caridade.
O EU A PROCURA DO TU-TERNURA
1. Vasculhando no Eu
No intimo mais intimo de cada homem há
uma sede insaciável de uma abertura, de uma janela, de um horizonte infinito,
que chamamos aqui de tu.
Cada pessoa humana sonha um dia poder
mergulhar num tu: é uma sede cheia de ambigüidades, manifesta-se como desejo de
amar e doar, mas esconde muito anseio de ter, querer, possuir e de receber.
Às vezes idealizamos este tu até
tornar-se um tu utópico, um tu que não existe e não pode existir.
É o adolescente ou o jovem que sonha a
comunhão plena com o tu heterossexuado para uma complementação global, desde o
plano sexual-genital até o mais sentimental-espiritual, com a comunhão de
ideais. Não só os jovens sonham; também os adultos e até os idosos sempre
idealizam um tu. Casados, desquitados, divorciados várias vezes, sempre
sonharam um dia encontrar o tu, aquela metade que seria a resposta que sacia.
É fundamental orientar jovens e
adolescentes e até adultos, para prevenir incalculáveis decepções e fracassos.
É preciso apresentar esta sede do tu heterossexuado no grande conjunto da
Ternura. Sören Kierkegaard, o filosofo e místico existencialista, após uma
feliz experiência de namoro, optou pelo celibato, pois mesmo prevendo todo o
encanto da vida matrimonial, preferiu canalizar o próprio eu para outros
horizontes.
O que os amigos absolutizavam, um amor
humano, foi relativizado por Kierkegaard.
Idealizar o relativo... sim,
absolutizá-lo... não... pois um só é o TU absoluto.
2. Três níveis do tu
Viver significa relacionar-se, pois a
vida é um nó de relações, um tecido de fios que se comunicam com outros
seres-pessoas humanas.
O eu, na longa caminhada, descobrirá
nitidamente três níveis do tu.
a) O Tu absoluto ou o Tu-tudo
Cronologicamente não é o primeiro, mas
é a fonte e o centro de tudo.
O Tu absoluto é o próprio Deus.
“Eu sou o Único”, assim se revela no
Antigo Testamento.
“Sem Min nada podeis fazer”, concluiu
Jesus.
Nas reflexões anteriores já nos
demoramos bastante a comentar o Tu, Tudo, Deus — até definir o homem como
“Saudade de Deus”.
Se por “místico” entendemos o homem que
procura mergulhar em Deus, então podemos também deduzir que, consciente ou
inconscientemente, todos os homens são místicos. Há quem chega antes ao poço de
água viva, quem chega depois, e há quem teima em tomar a água “das cisternas
rachadas” que Jeremias duramente recriminou.
Santo Agostinho só lamentava: “Tarde te
amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei”. (santo
agostinho, confissões, op. Cit., livro X, n. 27, p. 277)
Feliz o jovem que encontrou logo
Ananias para descobrir a Água Viva.
b) Tu relativo
O tu relativo é cronologicamente o
primeiro.
A criança recém-nascida procura a mãe,
o primeiro tu.
Saindo do circulo familiar, criança faz
as primeiras amizades: são os Tu relativos. Um só é o Tu tudo; por ser um só,
ele é Absoluto e Único. Os outros tu, por serem muitos, os chamamos de relativos,
o que não significa serem de menor importância.
A vida comunitária não é outra coisa
que a comunhão harmônica de muitos tu relativos.
c) O Tu exclusivo
No meio dos tu relativos, há um tu que
é diferente dos outros; chamamos de tu exclusivo. É o tu relativo
heterossexuado (de sexo contrário ao eu) com o qual se estabelece uma comunhão
de vida tão intima (da esfera corporal, sexual, afetiva, intelectual,
espiritual) que não é possível admitir outra pessoa, sem prejudicar ou destruir
o relacionamento com a primeira.
A bigamia é inconcebível: não é
possível ter dois “Tu” exclusivos. O relacionamento típico do eu com o tu
exclusivo é chamado de relacionamento “conjugal”, e realiza-se no casamento.
Ambos andam sempre juntos com o mesmo “jugo”, que se torna menos pesado. A vida
torna-se uma aventura cheia de surpresas desde que entre os dois exista
comunhão plena de ideais.
O casamento é uma aliança de amor,
caminho de libertação. O tu exclusivo deve constantemente desentocar o eu, para
que saiba amar mais e conquistar mais espaço de liberdade: nunca o tu exclusivo
pode prender, possuir, amarrar o “cônjuge”; isso o tornaria então tu-tumulo.
3. Vai além... sempre além
O tu relativo e o tu exclusivo nuca
podem segurar o eu, devem só insinuar:
“Não pares em min, eu não sou o ponto
final...Vai além, até o Tu absoluto”.
Quando os pais prendem os filhos,
quando os namorados se endeusam a tal ponto que “um não pode mais viver sem o
outro”, quando os amigos se tornam iguais a tal ponto que a amizade não é mais
estimulo para crescer, mas apenas comodismo..., quando..., quando..., então é
preciso questionar-se.
Os parentes..., o pai, a mãe, o
irmão..., os cônjuges..., o marido ou a mulher, os amigos de todas as
graduações são pessoas libertadoras quando nos introduzem cada vez mais no
infinito horizonte da liberdade, na direção do Tu absoluto, no rio do
Deus-Amor-Verdade-Beleza.
O tu relativo e o tu exclusivo são
espelhos ou miniaturas do tu absoluto e, portanto, devem aumentar em nós a
saudade do Tudo.
“Vai além, vai mais e mais além...
Encontrarás o que teu intimo procura”.
Não foi isto que Francisco de Assis
instituiu a Clara?
Não foi isto que todo santo ensinou aos
admiradores?
O NOSSO DEUS: O TRES VEZES TERNURA
1. Gestos de ternura
Toda bíblia é a revelação gradual da
ternura de Deus.
Os gestos concretos são inumeráveis:
desde a criação do homem, feito com barro pela mão carinhosa de Deus, até a
última palavra de Jesus na CRUZ: “Eis a tua mãe...”.
Algumas citações podem abrir este
horizonte inefável do amor de Deus como uma sinfonia de luzes e de cores.
Após o pecado a ternura de Deus
continua.
“E o Senhor Deus fez para Adão e sua
mulher túnicas de peles com as quais os vestiu” (Gn 3,21).
É sempre comovente ver a mãe que veste
o filho com carinho. João XXIII, no dia da eleição ao Sumo Pontificado, também
foi vestido com as vestes brancas papais. Comovido até as lagrimas, o novo Papa
sentou-se cobrindo rosto com as mãos. Logo os cardeais alertaram-no:
“Santidade, o povo espera na praça. Vamos logo”. O sábio ancião respondeu:
“Quando vocês me vestiam eu me senti todo comovido... pois há setenta anos
atrás também minha mãe me vestia de branco par a primeira comunhão”.
A ternura de Deus ao longo dos livros
bíblicos se revela com gestos cada vez mais intensos.
Os diálogos com Abraão são de uma
vivacidade e calor inesquecíveis. A ternura reveste-se até de momentos cômicos,
outras vezes dramáticos, mas sempre a aliança aumenta. Patriarcas, profetas,
juizes, reis, camponeses, comerciantes... passam no palco da ternura de Deus.
No Novo Testamento a ternura de Jesus
mereceria uma longa meditação: Como Jesus tratava as pessoas?
Os grandes lideres podem levantar
impérios e obras faraônicas, mas só é grande quem sabe tratar com ternura as
pessoas que o rodeiam.
A ternura de Jesus com Nicodemos, a
Samaritana, Zaqueu, Jairo a adúltera, Lázaro, Marta e Maria, e uma infinidade
de doentes e pobres, é uma característica do Evangelho.
Dele emanava uma força que curava a todos.
Qual foi esta força... a não ser a
ternura?
2. Três vezes ternura
Vimos que o nosso Deus é uma
comunidade: um só Deus em três pessoas iguais.
Entre duas pessoas pode haver dialogo e
permuta de bens, mas nunca haverá verdadeira comunhão de gratuidade se não
houver entre as duas quase que uma terceira pessoa, o invisível mas necessário,
o inefável mas insubstituível. É o amor.
Sem amor todos os relacionamentos são
comercio. O nosso Deus é esta comunhão de três pessoas numa plena unidade e uma
doação mútua.
a) Pai-Mãe ternura: a bondade
É o filho que nos revela a ternura do
Pai-Mãe.
As parábolas de Jesus são profundamente
comovedoras.
Pai-ternura é aquele sempre dá chance,
sempre sabe recomeçar.
Mãe-ternura é aquela que sempre confia
no filho, sempre espera o inesperado até o impossível.
Deus é Pai-Mãe de ternura que até
desabafa amargurado:
“Jerusalém, Jerusalém... quantas vezes
quis reunir os teus filhos, como a galinha os seus pintainhos debaixo das asas,
e tu nao o... permitiste” (Lc 13, 34).
b) Filho-ternura: a Verdade
O filho responde com ternura ao Pai:
“Eis-me aqui para fazer a tua vontade”. Ele é a verdade, o caminho, a luz que
ilumina os homens.
Ele é o Primogênito, o Modelo.
“Aprendei de mim...” Ele armou sua
tenda no nosso meio para reconciliar a humanidade com o Pai.
Ele foi para nós “como alguém que leva
uma criança no colo” ou mais ainda como alguém que “inclina-se para dar
alimento” (Os 11,4).
O filho, no mistério da Encarnação e da
Páscoa, torna-se nosso “Pão”.
c) Consolador-ternura: a beleza-júbilo
O filho revela o pai e nos envia o
Espírito Consolador.
Ele é a Beleza-júbilo que nos dá
sabedoria, fortaleza, ousadia.
Mais de 400 vezes a Bíblia fala do
Espírito Santo, das quais mais da metade são textos de S. Paulo.
Na Historia da Salvação aparecem três
pessoas.
No Evangelho três fatos testemunham o
Deus três vezes ternura: a Anunciação (Lc 1,26ss), o Batismo de Jesus (Mt 3,
16s) e a Transfiguração (Mt 17,1-8).
3. Por que três?
Vimos que mistério não é algo que não
pode ser compreendido, mas algo que nunca acabamos de compreender.
O mistério de Deus, três vezes ternura,
não pode ser compreendido plenamente pela nossa razão: por que três?
A bíblia revela as três pessoas divinas
e a nossa razão quer saber o porquê.
Não queremos explicar, mas apenas
penetrar mais no mistério a tal ponto que tudo o que a bíblia revela sintonize
com a nossa razão. Por que então três?
Eis uma reflexão contemplação.
ü
O um
é solidão. Ninguém gosta de ficar sozinho. Se o eu é fome do tu,
então podemos realmente concluir que o Um é triste solidão.
ü
O dois
é separação. O dialogo entre duas pessoas logo se transforma em estéril
competição. O casal sem filhos, os dois amigos a circuito fechado, se não
abrirem o leque a outras pessoas, morrem asfixiados e atrofiados.
ü
O três
é comunhão: o diálogo, a vida, a família circula. Dois dialogam, o terceiro
escuta e enfim completa, abrindo novo leque.
4. O sonho dos sonhos: uma realidade
Quem de nós não sonhou estar
inteiramente presente à pessoa que ama, identificar-se com ela, tornando-se
cada vez mais o que deve ser?
Todos sonham um amor que seja só fogo.
Um beijo cuja queimadura nunca cicatrize, um amar e ser amado sem média.
Eis o sonho: já realidade.
Eis o sonho: é o mistério da Trindade.
Eis o sonho: o Deus três vezes ternura.
O cristão não só carrega este sonho,
mas já carrega a realidade.
“Viremos a Ele e nele faremos nossa
morada”.
É este sem duvida o inicio de tudo,
o começo do rio da vida,
a concelebração do jubilo sem fim,
o oceano de luz e de paz,
a dança do eterno movimento,
o estar um no outro.
O Pai no filho pelo Espírito.
O cristão nos Três.
Os Três no cristão.
Este sonho que nós carregamos pode
tornar-se realidade aqui e agora.
“por isso... abre a porta” (Ap 3,20).
O ANAV, O HOMEM TERNURA
1. Anawim, encarnação da ternura
Uma infeliz literatura e uma horrível
arte pictório-escultórica nos apresentam os santos sem humanidade, sem
sentimentos, como pessoas “rígidas”, quando de fato foram exatamente o
contrario: eram pessoas de charme, sem rigidez e encharcadas de ternura.
O biografo do Cura d’Ars, Trochu, o
eminente escritor da Academia Francesa, após ter vasculhado a vida do padre
Vianney, dedica uma pagina para responder à nossa curiosidade: “o que apareci
de típico no santo Cura?” Trochu responde: ”foi uma inefável doçura-ternura”. E
compara o Cura, já ancião, a uma criança.
Antes de tomar consciência do
anfiteatro dos admiradores, a criança entre 3 e 6 anos é extremamente graciosa,
sem rigidez... não percebe que os que a rodeiam “acham graça nela”: ela é toda
charmosa nos gestos, nos movimentos, nos sorrisos, nas palavras... quando mais
tarde toma consciência de ser objeto de admiração, então deixa de ser criança e
começa a escalada rumo a exibição, imitando os adultos: inicia a rigidez e
perde a... “graça”. O santo, o anav, é aquele que se tornou como uma criança:
foi uma conquista sofrida, gradual, passando por mil derrotas.
Os anawim são a encarnação da ternura.
Poderíamos apresentar aqui um
riquíssimo mosaico de anawim de todas as épocas e de todos os povos: todos
originais e irrepetíveis e todos tão semelhante pela ternura conquistada e
vivenciada: preferimos contemplar um grande educador... a maravilha-ternura.
2. Um educador-ternura: Dom Bosco
Poucos educadores foram tão amados como
o padre João Bosco, popularmente chamado Dom Bosco.
Órfão de pai aos 4 anos, teve na mãe
uma excepcional educadora, cheia de ternura e de energia. Jovem, dotado de
talentos extraordinários, soube através de uma longa caminhada chegar ao
sacerdócio. Fez a opção preferencial pelos adolescentes e jovem pobres da
periferia de uma cidade em vertiginoso crescimento: Turim, que se tornara, por
um tempo, capital da Itália.
Dom Bosco soube amar com ternura e foi
amado.
O seu lema, que repetiu aos
colaboradores, chegou a fascinar os cultos pedagogos ingleses que foram
visitá-lo.
“Não é suficiente amar os jovens, é
preciso que eles mesmos se sintam amados”.
E ainda sugeria o segredo para o
sucesso:
“Amem o que os jovens amam e assim os
jovens amarão o que vocês educadores querem propor”.
Comovedoras são as paginas dos
biógrafos que relaram as duas primeiras décadas do oratório de D. Bosco. Mais
tarde o educador turinês tornou-0se uma personalidade de uma fama mundial:
fundador operosa Congregação e sábio conselheiro de papas e reis. D Bosco é
grande, original, cheio de charme mais educador do que como diretor espiritual.
Ei-lo na ação do dia-a-dia com seus
garotos: ora na cozinha mexendo nas panelas, ora cortando os cabelos, ora
remendando uma calça... ora dando uma lição de matemática ao mais atrasado no
estudo, ora improvisado maestro dirigindo o coral com uma concha quebrada, mas
sobretudo eminente orientador naquelas conversas individuais onde o adolescente
encontrava respostas às perguntas da vida...
Dom Bosco foi um educador-ternura: foi
pai e mãe, ao mesmo tempo, de tantos órfãos.
Conteúdos e métodos estão sujeitos a
mediações culturais: podem passar, mas o testemunho da ternura sempre fica como
perene estimulo aos pais e educadores.
O texto proposto por Dom Bosco: “quais
são as 7 maravilhas do mundo?” foi seguido por um momento de silencio, mas logo
um menino respondeu: “A primeira maravilha do mundo é Dom Bosco”.
Hoje é oportuno olhar para este mestre
de ternura.
O que nós fazemos do Dom da palavra?
A palavra que deveria irradiar a
ternura guardada, revelar o amor escondido, abrir o tesouro precioso?
Palavra-pedra? Palavra-pacote?
Palavra-ponte?
Palavra-pedra: palavra que fere e
machuca.
Palavra-pacote: palavra que confunde e
ironiza.
Palavra-ponte: esta é a verdadeira
palavra, palavra que comunica e constrói.
Só esta é palavra-ternura porque une.
É a palavra da verdade temperada pelo
sol da caridade.
É a palavra que dissipa as trevas.
Quantas pessoas precisam da palavra
certa na hora certa!
Nem sempre encontramos a pessoa certa
que nos diga a palavra que mais precisamos.
Para não perder o amigo, nos tornamos
inimigos da verdade.
O falso amigo bajula apenas e acaricia
os nossos vícios.
Só é amigo aquele que nos diz a verdade
com ternura.
A verdade sempre dói, mas o óleo da
ternura sabe cura as cicatrizes dos nossos erros.
Seja
vossa linguagem sim, quando é sim e não, quando é não, mas tudo seja feito com
ternura.
4.O gesto de ternura
O primeiro gesto está no coração.
Às vezes todos os gestos soa feitos com
ternura...
O olhar carinhoso dos olhos sorridentes,
o ouvir atento inclinando até os lábios do amigo, o acenar ou apertar com a mão
aberta e livre, mas quando o coração está fechado, todos os gestos se tornam
rígidos e falsos.
Só pode dar ternura quem ama com todo o
coração.
Triste é o mundo de artifícios e
rigidez, que vomitas palavras e gestos com aparência de ternura, mas que deixam
maior vazio e frustração.
Quando o intimo não acolheu, de nada
adianta multiplicar os gestos exteriores que irritam mais ainda a sede de
ternura.
A
ternura passa por três canais:
Sai
de um coração magnânimo
Anuncia-se
pelo gesto gracioso
Explicita-se
pela palavra sincera.
A fonte de ternura, a Santíssima
Trindade é o grande rio que chegou até nós:
·
Pela
palavra do Evangelho do Filho
·
Pelos
gestos e sinais do Espírito consolador
·
Pelo
coração bondoso do Pai.
O inicio de tudo está no coração:
Dele tudo sai – e a Ele tudo volta.
A palavra (o Filho) leva ao Coração (o
Pai) e se completa no gesto (o Espírito).
Eis
o programa de vida do anav:
coração bondoso
palavra sincera
gesto gracioso.
5. O poder milagroso da ternura
Quem se sente amado é capaz das maiores
transformações. A ternura tem um poder milagroso. Jeam Vanier com as suas
“Arches” espalhadas pelo mundo, quer semear sinais do AMOR de Deus irradiando a
ternura para com os deficientes físicos e psíquicos, isto hoje, como ontem na
Idade Média.
Hermano era um monstro humano,
deficiente físico, gago, aleijado, coxo e até considerado deficiente psíquico.
Jogado num mosteiro foi tratado com ternura. E o mostro transformo-se:
tornou-se cientista, astrônomo, músico,escritor... Também seu corpo tinha
ficado normal. Todos precisam de ternura. Vida sem ternura não é vida. As
sensações epidérmicas, sensitivas, sexuais, são tão vazias quando não há
amor-doação! Amarram e escravizam em vez de libertar.
6. Vida: maravilhosa chance de
ternura
O nosso dia-a-dia nos oferece mil
chances de ternura. Na vida familiar e na vida de comunidade podemos expressar
nosso amor-ternura aos irmãos, começando pelas pequenas coisas: baixar o volume
do radio ou televisão quando um irmão esta descansando ou lendo, lavar uma
xícara, esquentar comida para o retardatário, dar um sorriso, uma palavra, uma
atenção ao mais esquecido, telefonar a quem tenta fechar-se e marginalizar-se.
“O
anav é um universo de ternura que sabe no dia-a-dia descobrir as frestas para
penetrar no coração dos irmãos. João XXIII, o papa Ternura, foi um rio de
bondade par todos os homens: entrou no coração de todos”.
NO
RIO DA AFETIVIDADE
No complexo
universo da pessoa humana há quatro leques que se abrem para o infinito: o
conhecer, o sentir, o querer, o agir (vida intelectiva, afetiva, volitiva e
ativa).
O mundo do
sentir ou das emoções (aqui tomado como sinônimo de afetividade) é hoje muito
enfatizado. Anos atrás, o conhecer e o querer eram os pilares da educação,
quase desprezando os sentimentos. Felizmente os educadores redescobriram o
benéfico rio dos sentimentos.
1.
Afetividade: prodigiosa energia
A afetividade
é o dinamismo psíquico ordenado a levar o homem a sentir. É um rio de mistério:
de aventuras e surpresas, de maravilhas e de riscos, de encontros e decepções.
A experiência do sentir é algo incomunicável.
A emoção tem
função fundamental na vida humana:
·
Levar o homem a sentir, perceber, tomar consciência:
do mundo, dos outros, de si mesmo (corpo, potencialidades, sentimentos,
reações...)
·
Criar um comportamento universal e individual. Todos
os homens reagem quase sempre da mesma forma com intensidade diferente: o
inglês terá sentimentos externos mais contidos do que o brasileiro, mas ambos
“sentem” diante de um estimulo.
·
Possibilitar uma forma de compreensão simpáticas.
Tudo serve... até a “raiva” ajuda a compreender. A reação de Jesus com os
comerciantes do templo aconteceu em forte estado emocional.
2. Parábola
das emoções
Temos quatro
etapas no processo das emoções.
·
Estimulo – É o tu (coisa ou pessoa) que chama,
provoca, incomoda o nosso eu.
·
Ativação – O eu “sai de casa”, sai do ninho onde
estava entocado para responder ao tu.
·
Modificações – Na pessoa em estado emocional
verificam-se alterações somáticas e psíquicas. (Ex.: ficar pálido e ficar
desanimado).
·
Extinção – A emoção não dura sempre. há momentos de
maior intensidade até extinguir-se para deixar lugar a outro tipo de emoção ou
simplesmente à indiferença da quietude.
Os orientais
falam do nirvana, S. Inácio aponta a indiferença como um ideal (não no sentido
de rejeitar ou massacrar os sentimentos) e S. Teresa sugere: “Nada te
perturbe”.
3. O
termômetro das graduações
o rio da
afetividade ou das emoções tem três graus facilmente distinguíveis.
·
Emoção-choque: É uma perturbação brusca e profunda
da vida psíquica e fisiológica que se expressa exteriormente com excesso. Neste
estado não podemos dialogar, nem decidir, nem agir...
·
Emoção-sentimento: É um fenômeno emotivo sereno e
moderado com maior ou menor expressão externa. É a nossa vida normal com altos
e baixos.
·
Emoção-paixão: É um sentimento prevalente e
exclusivo que monopoliza toda a psique.
A paixão
orgulho pode criar ditadores,
a paixão
erótica pode criar tarados.
4. Condições
para a emoção ficar na moderaçao
a)
Fator somático: A saúde física é fundamental para o
equilíbrio psíquico.
b)
Fator psíquico: A razão e a vontade (conhecer a
realidade objetiva e querer assumi-la) devem acompanhar todos os nossos
sentimentos. Esta talvez seja uma falha em muitas escolas ou teorias
pedagógicas onde não mais prevalecem o conhecer e o querer, mas o... sentir, o
gostar.
c)
Fatores ambientais: É importante que os ambientes
sejam sadios para não exasperar os nossos sentimentos. Os meios de comunicação
podem ajudar ou prejudicar a humanidade.
4. A reação pode
ser tríplice
a) Rejeição:
Cria pessoas duras e frias
b) Cultivo
exagerado: Cria pessoas “sentimentais”, desequilibradas e eternamente imaturas.
c) Equilíbrio: É
o caminho daqueles que assumem a própria afetividade, educando-a até chegar à
própria maturidade ou equilíbrio.
Enfim só dois podem ser os
efeitos-resposta:
-
Dança de júbilo... é a simpatia ou o bem-estar.
-
Grito de raiva... é a antipatia ou mal-estar.
O cristão, pelo poder de Deus, assume a
antipatia e sabe dar respostas, conforme os sentimentos de Cristo (Fl 2,1-5).
AFETIVIDADE E
SEXUALIDADE
1.
“Criou-os
homem e mulher”
A
pessoa humana é bipolar, ou seja, manifesta-se em dois pólos complementares.
“Deus
criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele os criou; criou-os homem e
mulher” (Gn 1,27).
O
homem se revela em duas formas que se complementam. A bissexualidade do homem é
obra da sabedoria de Deus. Homem e mulher na reciprocidade e complementaridade
revelam e levam ao cume do amor: a SS. Trindade, onde o relacionamento do Amor
entre três pessoas é tão pleno que formam UM SÓ DEUS. Homem e mulher são imagem
e semelhança da SS. Trindade.
2.
Afetividade
e sexualidade
Podemos
agora fazer um confronto. “Afetividade” é o dinamismo psíquico ordenado a levar
o homem a sentir.
“Sexualidade”
é “uma modalidade de relacionamento” (Haering) e, mais especificamente, o
relacionamento entre o homem e a mulher é um aspecto de afetividade. Todo
relacionamento “homem-mulher” é sexuado, pois cada célula do ser humano (corpo,
psique) tem o sinal da sexualidade.
A
afirmação pode parecer estranha para quem ainda continua confundindo o plano
genital com o sexual. Infelizmente muitos confundem “sexual” com “genital”,
ficando assim reduzida a esfera do relacionamento corporal-biológico.
Todo
relacionamento maduro entre homem-mulher é enriquecedor, pois na
complementaridade há permuta de valores. Não apenas no matrimônio, mas em todas
as relações e setores humanos, há uma verdadeira integração de dons, carismas,
talentos entre o homem e a mulher.
3.
Maturidade
sexual: um longo caminho
Vendo
o instinto sexual nos seus impulsos quase irresistíveis, parece impossível ao
homem harmonizá-lo no conjunto da pessoa. Quantas vezes o instinto sexual nos
leva a “fazer o que não queremos”. A maturidade sexual passa por um longo
caminho, como um rio, repleto de aventuras e riscos. Quantas pessoas, por falta
de orientação ou até de uma ótima formação, se sentem escravizadas pelo
instinto sexual: percebem o próprio erro mas não tem forças para recuar: no
inicio fios de aranha, depois cabos de aço”.
A
sexualidade deve sempre ser vista no conjunto do homem todo.
A
sexualidade é uma potencialidade positiva: não se trata de reprimi-la,
rejeitá-la, anestesiá-la, mas de canalizá-la, discipliná-la, subordiná-la à
razão. Afinal, somos seres humanos.
A
orientação periódica de um irmão mais velho (orientador espiritual) pode
desdramatizar situações ou alertar nossa inexperiência.
Educação
sexual não é apenas conhecimentos biopsíquicos, mas é sobretudo um longo
caminho de ascese, fruto de esforço e de Graça, da nossa vontade e mais ainda
do amor misericordioso de Deus.
Normalmente
todas as pessoas por toda a vida se sentem mais ou menos violentamente o
instinto sexual: isto nos mantém num equilíbrio humano (somos seres humanos,
não angélicos) feito de constante treinamento, de oração, penitencia,
mortificação (gula, vista, ouvido, curiosidade...), sobriedade, humildade,
solidariedade... Isto nos dá equilíbrio e bom senso.
RELACIONAMENTO AFETIVO
1.
Ou
júbilo ou raiva
As
escolas psicológicas tentam estudar o potencial afetivo do homem: analisando as
causas e os efeitos, discordando em mil interpretações. Porém, todos concordam
nesta tese: todo relacionamento humano é afetivo.
Lapidar
é a conclusão do célebre psicólogo alemão Arnold Wilhelm*:
“Toda
emoção ecoa numa dança de jubilo ou num grito de raiva”.
É
sintomático como, no relacionamento com pessoas, a nossa atitude raramente fica
indiferente.
Diante
das coisas, podemos ficar neutros, mas diante das pessoas já nos posicionamos:
ou a favor ou contra.
Às
vezes quem esta na nossa frente ainda não abriu a boca e nossa emoção já reagiu
e julgou: “Este cara é simpático”. “Este é antipático”. Para modificar a
primeira emoção injustificada, às vezes é preciso um longo tempo. Nós sempre
vemos no outro um competidor: se podemos dominá-lo será um oprimido nosso se
não podemos, será um inimigo ou um opressor. O filósofo L. Lavelle* afirma que
o caminho é a convergência: nem o complexo de superioridade: querer dominar;
nem o complexo de inferioridade: deixar-se dominar; mas a convergência: duas
pessoas que dialogam.
2.
Relacionamento
entre parentes
Quem
não sabe ou não pode mergulhar no rio da afetividade familiar terá maiores
dificuldades para mergulhar no oceano da sociedade. Há gerações de famílias
desajustadas (desquitados, divorciados). Por quê? Avô desquitado, pai
desquitado, filho desquitado... Mas todos, sempre, podem ter chance.
O
Evangelho oferece pistas: todos, sempre, podem ter vez.
Eis
umas pistas: assumir nossas raízes; aceitar os pais que temos; assumir os
irmãos. Pais e irmãos não se escolhem, mas simplesmente se aceitam e se amam.
Será que quando escolhemos os amigos, nunca tivéssemos decepções? Assumir com
ternura os parentes é fundamental antes de sair da toca e abrir-se a outras
pessoas.
3.
Relacionamento
com outras pessoas
Podemos distinguir dois
relacionamentos:
a)
Com
pessoas do mesmo sexo
Neste
relacionamento há uma imensa diferença entre o mundo masculino e o feminino. Os
homens expressam a própria afetividade com modos às vezes grosseiros, sem ligar
aos pormenores ou até disfarçam por um pudor quase inato.
O
homem não quer parecer sentimental, esconde seus sentimentos, quer bancar o
durão. A mulher já aparece mais sentimental, atenta aos pormenores, a todas as
palavras, não esconde seus sentimentos.
b)
Com
pessoas de outro sexo
Entre
o homem e a mulher há uma reciprocidade desde a esfera corporal até a mais
espiritual. O relacionamento afetivo (amizade) entre o homem e a mulher
necessita de constante avaliação. A atração natural, que nasce às vezes
relâmpago (simpatia) ou até lentamente pela admiração gradual dos valores do
outro, necessita de equilíbrio: nem rejeição, nem excesso em multiplicar os
encontros.
Quando
a amizade amarra tirando a liberdade e absorve o coração deixando-o partido,
será oportuno “colocar parapeitos aqui e ali à beira dos precipícios que
provocam em nós vertigem” (Raguin). Sentir forte simpatia, que se transformam
em paixão pelo ser heterossexuado, é algo normal que “não devemos dramatizar,
mas é necessário rever sempre os nossos compromissos assumidos
(casado-consagrado) e sermos fiéis” (Haering).
AFETIVIDADE é comunhão de pessoas
O UM é solidão
O DOIS é separação
O TRÊS é comunhão
O NOSSO DEUS É TRINDADE.
DESVIOS DA
AFETIVIDADE-SEXUALIDADE
Pela vastidão do problema restringimos
os desvios emotivos ao plano propriamente afetivo-sexual.
1.
Auto-erotismo
Vimos
que o ser heterossexuado é um chamariz para sairmos de nossa “toca”. Na sede de
reciprocidade a pessoa humana procura uma abertura. Muitas são as razoes do
fechamento aos outros: temperamento, raízes familiares, educação recebida,
circunstâncias ambientais... O auto-erotismo ou masturbação é a procura
consciente obtida com excitação para “sentir” o prazer sexual: chama-se
auto-erotismo porque é encontrado na própria pessoa. Após os esclarecimentos
anteriores, é evidente que se trata de um desvio, sinal de outros
desequilíbrios e imaturidades.
A terapia cristã prevê uma abertura cada
vez maior aos irmãos, uma disciplina assumida e a orientação individual de um
padre no Sacramento da Reconciliação.
2.
Homossexualismo
ou lesbianismo
Quem
tem medo de outro sexo e é incapaz de aceitar e apreciar a diversidade sexual,
de dialogar, acolher e assumir, pode cair num desvio que se chama
homossexualismo ou lesbianismo. As tendências, mesmo mínimas, devem, num
prudente esquema educativo, ser prevenidas, analisadas e curadas.
Em
ambientes fechados (colégios, educandários, quartéis), pela falta do ser
heterossexuado, podem aparecer estas tendências. Isto não deve perturbar. Uma
avaliação constante da nossa afetividade e maior abertura no mundo externo
podem curar estas tendências, antes que tomem conta de nossa vida.
A
terapia deste desvio afetivo só pode ser indireta. É oportuno desdramatizar e
abrir outros horizontes, com um paciente trabalho de recomposição.
3.
Outros
desvios
Os manuais clássicos de moral enumeram
uma longa serie de desvios: da fornicação ao masoquismo. Podemos aqui apenas
frisar um duplo efeito da sexualidade não assumida: trata-se da agressividade e
da alienação-agitação.
a)
agressividade
A incapacidade do dialogo, o medo de
ser derrotado, o ciúme ou doença crônica de ver sempre no próximo um competidor
e não um irmão, o orgulho ou exagerada auto-estima, a vaidade ou exaltar-se por
sucessos secundários, o próprio fracasso, podem levar-nos à agressividade. É o
mecanismo de defesa dos covardes: lançar mão de todos os recursos para
auto-afirmar-se. Normalmente esta falta de serenidade leva ao auto-erotismo
(masturbação) ou outros desvios.
b)
Alienação-agitação
Existem pessoas superativas, lideres que sabem trabalhar, sabem fazer
trabalhar, sabem deixar os outros trabalhar. Mas existem pessoas que são
superagitadas. Se não tiverem mil projetos em obras, não se sentem realizadas.
A atividade é tóxico. Vivem sempre fora de si. Nunca tem tempo para refletir,
parar, encontrar-se com o próprio eu e os próprios problemas. A atividade
torna-se anestesia. Em geral são pessoas honestas, bem intencionadas ou até
idealistas, pensam agir para a Glória de Deus, mas são pessoas desequilibradas,
incapazes de dialogar, de admirar... de viver. Parecem não ter desvios
afetivo-sexuais, mas carecem daquele equilíbrio psíquico que os torne pessoas
humanas.
MATURIDADE OU HARMONIA AFETIVA?
1. É possível a maturidade
afetiva?
A
plena maturidade humana nunca ira acontecer: há sempre alguns desvios. Podemos
todavia admitir que o homem, após uma longa caminhada, possa chegar a uma
harmonia afetiva.
Alem
de todas as dicas, acima citadas, a harmonia afetiva reclama um certo grau de
bem estar físico, em que a ação glandular, de secreção interna, intervem
amplamente. Reclama sobretudo um método (ascese – disciplina – cultivo) de vida
afetiva que tempere, ordene e dirija as manifestações do instinto. E aqui nós
entramos no campo da moral. Para o cristão “tudo é bom” (Gn 1), mas “o mal sai
de dentro do homem” (Mc 7,15): isto significa que o rio dos nossos instintos necessita
de canalização. Só assim podemos ser pessoas livres e libertadoras: um cultivo
metódico.
2. Cultivo da afetividade para com Deus
A nossa piedade (oração pessoal) e a
nossa liturgia tinham-se tornado fria repetição de formulas ou de gestos,
geometricamente determinados. O padre tinha normas rígidas para a Missa. Hoje a
invasão de carismas reabriu espaços aos sentimentos na oração, nem sempre
equilibrados. Quanta rigidez ainda existe na nossa liturgia: gestos, palavras,
abraço de paz. A nossa oração ficou fria reflexão filosófica, precisamos voltar
à oração “do coração”.
3. Cultivo da afetividade para com o
próximo
Queremos frisar aqui a importância das
amizades.
A
amizade é uma eminente experiência de afetividade.
O
risco do fechamento nos espera; mas para nós cristãos o amigo não é o Tu
absoluto: o amigo ama o amigo para amar mais e mais os outros.
A
amizade é feita de palavras, de silencio e de gestos para a comunhão de vida.
O
amigo, longe de possuir, quer o outro livre.
O
amigo é um alarme para o nosso bom crescimento.
Quem
devem ser os nossos amigos? Os primeiros amigos devem ser os parentes ou
aqueles com os quais vivemos diariamente, debaixo do mesmo teto. Quantos
rejeitam o vizinho para fugir para longe e procurar o amigo “fora”, alem dos
vizinhos.
E
após os parentes, é sempre oportuno ou até providencial ter amigos externos
(fora da família ou da comunidade).
Esplendido
é o testemunho de S. Bernardo de Claraval:
“A afetividade entre amigos,
quando temperada pelo sal da sabedoria,
é cheia da unção celestial e faz
saborear
a abundancia das doçuras que estão em
Deus”.
4. Cultivo do Eu na sua identidade
Queremos
aqui apenas apresentar sem comentários uma célebre afirmação que abre
horizontes. P. Hunt escreveu:
“Quem
procura agir em favor dos outros ou do mundo sem
aprofundar
seu conhecimento de si mesmo, a própria liberdade, integridade,
capacidade de amar, nunca dará nada aos outros. Acaba transmitindo nada mais
que as próprias obsessões, agressividade, desilusões, ambições egocêntricas”.
Cultivar-se, é necessário. Parar,
refletir, orar, recuar... são procedimentos necessários para não perdermos a
nossa identidade.
5. Oscilações afetivas, não
instabilidade afetiva
Os
sentimentos sempre se alteram segundo um ritmo tranqüilo e por isso regularizam
o curso da vida psíquica. Se um sentimento se instala e dura com exclusão dos
outros, aparece uma enfermidade (melancolia, exaltação mórbida, mania,
obsessão...). o sentimento deve durar um certo tempo para dar o tom ao conjunto
da vida afetiva, mas acha-se submetido a continuas variações de matiz e
intensidade.
Este
processo de oscilação nada tem de comum com a instabilidade da vida afetiva, em
que “um estado afetivo nunca chega a rematar-se e a influir na conduta antes de
ser substituído por outro sentido contrario. Isto seria um caso patológico”.
6. Enfim livres em ti, Senhor
A
liberdade é uma conquista. Quando chegaremos à meta? Dom Alfred Arcel, o bispo
operário-sapateiro, falecido em setembro de 1984, diz numa entrevista-testamento:
“Aguardo o dia da minha libertação plena... quando verei a face do Senhor
Libertador”. Poucos dias após a entrevista morreu santamente.
A
vida é um mistério... É preciso assumi-la. Mistério é: leque que se abre ao
infinito; paço inesgotável; aventura de descobertas e de novidades.
Afetividade
é “Graça sobre Graça” que torna nossa vida cheia de surpresas inéditas e de
responsabilidades exigentes.
Todos
precisam dar e receber amor e ternura. Precisam de um pai e mais ainda de
afeto. Não só as crianças, mas todos, também os velhos... Olavo Bilac numa
celebre poesia canta o poder do Amor-ternura. A vovó esta envelhecida, triste e
marginalizada... É suficiente que a netinha diga uma palavra e tudo pode mudar:
“Vovó conte uma história!” A velhinha volta à vida, se reanima, rejuvenesce...
torna-se viçosa como uma rosa. O mundo precisa de gestos de ternura: iniciara
assim a civilização do amor, pregada por Paulo VI.
IV
Parte
ANAWIN,
FORJADORES DA HISTORIA
ANAV
SOLIDARIO: IRMAO UNIVERSAL
1. Eis
- me aqui disponível
O anav, seguindo o testemunho do Grande
Anav, é o irmão universal. Assim costumava auto-definir-se Carlos de Foucauld:
ser irmão de todos. A
primeira condição é a disponibilidade total. Os textos evangélicos são
abundantes:
-
Eis aqui
a serva do Senhor... Estou disponível (Lc 1,26-38).
-
Os
primeiros discípulos foram disponíveis ao chamado (Jo 1,35-40).
-
Ainda
te falta uma coisa, a disponibilidade (Mt 19,16-26).
-
Para
o disponível, Deus dá o cêntuplo e a vida eterna (Mc 10,28-31).
-
Alguns
candidatos são rejeitados porque não são disponíveis (Lc 9,57-62).
-
O
Reino precisa de “eunucos”, isto é, de pessoas disponíveis plenamente (Mt
19,10-12).
-
No
grande banquete há lugares, mas poucos são disponíveis: outros afazeres os
prendem (Lc 14,15-33).
-
O
Mestre quer servos disponíveis (Lc 12,35-48).
2.
A
loucura da solidariedade
Solidariedade é dar apoio sólido a quem
mais precisa. Estamos cansados de palavras: queremos gestos concretos e já, não
queremos mais adiar.
Solidário é quem ajuda com atos e não
com papos. No juízo final, o teste será a respeito da solidariedade.
-
Qual
foi o apoio-ajuda ao faminto, ao nu, ao preso? (Mt 25,31-36).
-
O
Mestre teve pena porque eram semelhantes a ovelhas sem pastor (Mc 6,30-44).
-
Jesus
elogia o gesto do bom samaritano (Lc 10,25-37).
-
Aos
banquetes não devemos convidar os grandes, porque podem retribuir, mas os
pobres que precisa, de apoio sólido (Lc 14,12-14).
-
O
rico esbanjador é condenado pela falta de solidariedade ao pobre Lázaro (Lc
16,19-31).
-
Maria louva a Deus e solidariza-se com os
humildes, os famintos, os tementes a Deus. O Magnificat é o canto da
solidariedade (Lc 1,39-56).
-
Os
primeiros cristãos viviam solidariamente num comunismo ético-social que hoje
nos parece utopia inacreditável (At 2,42-47).
A
conversão de S. João de Deus começou com um gesto heróico de solidariedade.
Fingindo-se “louco” entrou num hospício de doentes mentais para tratá-los com
carinho. A direção do hospital verificou, mais tarde, que João de Deus não era
louco, pois dava sinais de lucidez e de inteligência. Mas, posteriormente,
vendo seus atos concluiu: “Este deve ser mais louco do que os outros loucos. O
que esta fazendo não tem lógica. A solidariedade que vive, não tem explicação”.
3.
Enfim,
caridade em tudo
Jesus
pregou a disponibilidade e a solidariedade, mas acima de tudo a caridade. O
“meu” mandamento, o “novo” mandamento, o mandamento sinal dos cristãos
resume-se no amor-solidariedade.
-
Como
quereis ser tratados, tratai os outros (Lc 6,31).
-
Quem
der um copo de água ao menor...(Mc 9,41).
-
Sereis
medidos com as medidas com que medirdes os vossos irmãos (Lc 6,38).
Mas
o cristão vai alem, o cristão perdoa sempre. Perdoar não significa deixar-se
dominar ou oprimir, mas apenas Amar, ou insistir em doar: isto é o que
significa a palavra per-doar.
-
Se
te recordares de que teu irmão tem algo contra ti, vai reconciliar-te (Mt
5,21-26).
-
Perdoar
setenta vezes sete (Mt 18,15-35).
Gestos de perdão continuam hoje como
antes.
O
nicaragüense Tomás Borge é sem duvida um exemplo. Barbaramente torturado no
período somozista, depois ministro do governo sandinista, soube perdoar os seus
torturadores com clemência. Só haverá reconciliação onde houver perdão.
Pecadores sete vezes ao dia, setenta vezes perdoados pelo Pai, temos que nos
perdoar mutuamente como irmãos. Assim podemos orar: “Perdoai as nossas ofensas
como nós temos já perdoado a quem nos tem ofendido”.
FORJADOR DA HISTÓRIA
1.
Forjar
é criar
A
oficina do ferreiro é o reino do artesão criativo: bigorna forja martelo e a
fornalha. Forjar é criar coisas novas. O cristão é um forjador de novidade. A
vida evolui, mas nem sempre os cristãos souberam construir e forjar a História.
Às vezes o termo cristão passa a ser sinônimo de atrasado. Se o Evangelho é
eterna novidade, os cristãos devem ser criadores de novidades. A indústria e a
agricultura eliminaram o artesanato e a pequena propriedade: o trabalho em
série, que as multinacionais exigem para uma produção maior, prejudicou a
criatividade do homem.
Quando o homem não pode mais ser
criativiativo,
Mas reduz-se a simples executor
De trabalho em série,
Torna-se menos humano.

A
História deve ser construída por todos. Forjador da História significam dar à
sociedade o rumo da evolução: humanizar
a terra e divinizar o homem. Repetir, todos sabem fazê-lo, mas o cristão
procura sempre caminhos novos.
2. Forjador da história
Os
manuais de História geralmente enfatizam os líderes institucionais e os
acontecimentos extraordinários, mas a História é construída por todos e
realiza-se na monotonia do ordinário dia-a-dia. Todos podem e devem ser os
forjadores da História. Como pode o povo ser forjador da História? Apresentamos
aqui um processo de três etapas:
a) Conscientização na base
Os
meios de comunicação, as fortes tradições seculares, os interesses de poucos
tentam impedir a conscientização da base. O povo mal informado sobre os
acontecimentos ou reprimido nos seus anseios torna-se passivo: sempre
dependente, sempre sedento de “padrinhos”, nunca chegara à democracia e à
participação. A primeira etapa fundamental para sair da passividade e da
dependência é a conscientização:
todos
devem tomar consciência
da
própria identidade e capacidade,
dos
próprios direitos e deveres,
da
própria dignidade e grandeza.
O
cristianismo tem realizado na América Latina um grande trabalho de
conscientização das bases. Ideologias, partidos políticos e religiões
alienantes tem reagido a este trabalho, obstaculizando-o de todos os modos.
Povo
conscientizado.
Povo
perigoso.
Este
alerta tem sido abusivamente repetido pelos burgueses mais interessados em
defender seus interesses do que os direitos dos injustiçados.

“Semear
uma idéia, significa
desencadear
uma energia.
Conscientizar
é acordar forças escondidas”.
Os
grupos de base, as pequenas comunidades, os movimentos populares só podem
surgir desde que alguém inicie a conscientização. O grande anuncio da
conscientização cristã pode ser resumido na célebre frase de S. Paulo:
“As
próprias criaturas são LIBERTADAS da escravatura da corrupção, para
participarem da gloriosa LIBERTAÇAO dos Filhos de Deus” (Rm 8,21).
Conscientizar
significa entrar no processo de libertação.
b)
Coordenação e convergência
Pessoas livres mais isoladas não
conseguem forjar História. Grupos de pessoas livres, mas isoladas, ainda não
constroem Historia. Só os grupos de base unidos, convergindo à mesma meta e
coordenados entre si, podem ter uma tal força transformadora, por isso já estão
fazendo Historia.
Sem
coordenação e convergência dos grupos de base nada acontece, alias podem
acontecer conflitos. Sempre o diabo (Dia- bulon = aquele que divide) tentou
dividir os grupos de base, jogar um contra o outro.
c)
Planejamento
Fazer
historia não é semear abóboras. É curioso observar como certas sementes brota e
produzem frutos sem cuidados; outras, ao contrario, precisam de mil atenções.
Forjar historia requer planejamento, ação conjunta e revisão periódica... Quem
semear abóboras após alguns meses pode colher, mas quem iniciar uma CEB terá
que aguardar muito tempo com um trabalho cuidadoso e planejado. O método ver,
julgar e agir é fundamental: ferramenta necessária para cultivar a semente.
3. E a Igreja é forjadora da História?
A Igreja escraviza ou liberta? Aliena
ou encarna?
Ouvimos freqüentemente, por parte de
grupos radicais, pesadas acusações à Igreja Católica. Seria uma escola de
alienação, ópio do povo.
É verdade que a Igreja tem sido e é em
muitas ocasiões acomodada, medrosa de mudanças e por isso alienada da
realidade. Todavia é indiscutível o papel profético exercido na Historia. Houve
na Historia uma força transformadora comparável ao cristianismo e em particular
ao catolicismo? O estudo serio e cientifico da Historia da Igreja só pode
confirmar esta tese: nestes vinte séculos o papel da Igreja sempre foi de
libertação e de encarnação. Quem mais do que S. Bento de Núrsia nos ensinou a
voltar ao campo e trabalhar na agricultura, eliminando latifúndios e suas
tristes conseqüências? Quem mais do que Dom Bosco de Turim libertou milhares de
adolescentes da exploração, da ociosidade e do vicio? E sobretudo quem mais do
que tantos de nossos bispos e tantos de nossos lideres lutaram pela
transformação da sociedade brasileira?
E não mais de mil os mártires desta
força conscientizadora e transformadora que é a Igreja Católica na América
Latina?
ANAWIM NA
VOCAÇAO MATRIMONIAL E FAMILIAR
Única é a vocação do cristão: ser um
coração de pobre.
As vocações especificas são muitas.
“Os membros não realizam a mesma
função” (Rm 12,4).
Duas são as vocações principais:
-
Vocação
matrimonial e familiar.
-
Vocação
religiosa (celibato – pobreza – obediência pelo Reino).
Os
anawim assumem sua vocação com plenitude. Descobertos determinados valores, o
cristão se compromete a vivenciá-los. Nem todos os valores podem ser vividos
por todos. Aqui entramos no mistério da vocação matrimonial, outros o da
vocação religiosa.
1. Família: aliança de amor
A
família é uma aliança de pessoas à qual se chega por vocação amorosa do Pai,
que convida os esposos a uma intima comunidade de Vida e de Amor, cujo modelo é
o amor de Cristo pela Igreja.
As
quatro relações fundamentais da pessoa encontram seu pleno desenvolvimento na
vida da família.
Relação
|
Família
(miniatura)
|
Mistério Cristão
(modelo)
|
1)Paternidade
|
Amor paterno ou
materno
|
Experiência de Deus
Como Pai e Mãe
|
2)Filiação
|
Amor filial ao Pai
e à Mãe
|
Experiência de filhos
De Deus em, com e
pelo Filho
|
3)Irmandade
|
Amor fraterno entre
irmãos
|
Experiência de Cristo
como IRMAO e de
outros irmãos
|
4)Nupcialidade
|
Amor conjugal do
casal
|
Experiência de Cristo
como esposo da Igreja
|
A família é miniatura do mistério
cristão.
Só o amor de Cristo pela Igreja pode
ser modelo do Amor que deve reinar numa família.
A
vocação matrimonial e familiar é um longo caminho através do qual o homem e a
mulher, unidos no matrimonio-sacramento, crescem juntos na fé, na esperança e
na caridade e testemunham aos outros, aos filhos e ao mundo, o Amor de Cristo
que salva e liberta.
2.Características da vocação
matrimonial
a)Vivencia a dois
A unidade que se estabelece entre o
casal é exclusiva.
O eu de cada um encontra, no outro, o
tu exclusivo. Não há fechamento a outros amores, mas a comunhão entre o casal é
tão intima, intensa e exclusiva que os dois convivem juntos dia e noite,
“levando os fardos um do outro”(Gl 6,2).
Há pessoas que sentem um desejo de
“vida independente” (não quer dizer auto-suficiente) para as quais a vida a
dois seria uma prisão. Talvez haja uma parte de verdade num velho ditado: “O
matrimonio é o tumulo dos revolucionários”. Esta sede de “vivencia a dois” na
complementaridade afetiva e sexual entre o homem e a mulher é a vocação
ordinária e normal. A vida a dois é normalmente o caminho para uma libertação
gradual da pessoa. O matrimonio é o clima propicio para sair do eu.
b)
Vocação laical
A
vocação matrimonial é tipicamente laical, ou seja, assume os valores das
realidades terrenas (Lúmen Gentium 31).
Infelizmente
pela influencia exagerada dos padres e religiosos (freiras, monges) nem sempre
os casais tem uma vocação laical própria, pois acabam imitando-os e assim são
chamados de “padre” ou de “freira”, quando se destacam na vivencia cristã.
Onde
esta o caminho da espiritualidade matrimonial?
É
o amor conjugal com seus encantos e limitações.
É
o caminho da sexualidade genital.
É
a casa (e não a igreja-templo) o lugar de vivencia intensa.
É
o trabalho e a profissão assumidos como serviços de amor.
É
o jubilo pela vida que se renova através dos filhos.
É
o sofrimento que aparece no cotidiano da vivencia e dos momentos de grande dor
(doença e morte).
c)
Vocação eclesial
Cada
família é uma pequena comunidade eclesial: todos são filhos de Deus, dos avós
aos recém-nascidos. O casa, partindo da vivencia a dois, abre o leque ao
infinito, dos filhos próprios ate os mais pobres.


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NÓS
FILHOS OUTRAS - pobres



ELA
3.Como Deus chama?
Deus
chama através dos valores que mais nos atraem. Há pessoas que tem vocação para
tudo, de tudo gostam e se extasiam.
Dizia
uma moça: “Gostaria de ser freira, mas também gostaria de ter muitos filhos”...
Outro moço confessava: “Gostaria de casar, mas gostaria também de ser monge”.
As maneiras para descobrir a vocação são muitas. Antes de escolher é necessário
ver os valores que mais nos atraem.
Na
duvida é necessário esperar.
Há
jovens precipitados e há jovens sempre indecisos. Ninguém poderá ter a certeza
da matemática da escolha da própria vocação. Em tudo há sempre incertezas. O
cristão sabe assumir sua vocação na fragilidade das decisões e sobretudo no
poder da Graça Libertadora.
ANAWIM NA VOCAÇAO RELIGIOSA E
PRESBITERAL
A
nossa sociedade supervaloriza duas coisas:
_a racionalidade: por que isso? Qual a
razão?
_a eficácia: para que serve isso? Qual
a utilidade?
A vocação religiosa não se traduz em palavras.
O núcleo da vida religiosa foge a
qualquer racionalismo; todavia é possível analisar uns tópicos.
1.
Núcleo
da vocação religiosa
´´Os conselhos evangélicos (pobreza,
celibato e obediência pelo Reino)``
_são a essência da vida religiosa
_e constituem um dom divino que a
IGREJA recebeu de seu senhor e, por graça dEle, sempre conserva (Lumen Gentium
43).
Antes do Concílio Vaticano II apresentou-se o celibato para a perfeição
pessoal; hoje, ele é situado na dimensão eclesiológica, isto é, a serviço da
Igreja.
Todos os batizados são chamados à santidade. O religioso é o cristão que
assume os conselhos evangélicos e retoma o compromisso batismal com uma atitude
radical querendo seguir a Cristo pobre, casto e obediente. A vocação religiosa
é uma resposta à vocação cristã com um caminho e meios próprios.
2.
Por
que três conselhos ou três votos?
O número três é apenas
simbólico. Poderíamos provar que os conselhos foram muito mais do que três.
Desde
1202 chegou-se à atual formulação...
Quem
queria seguir a Cristo mais radicalmente formulava os votos de pobreza,
castidade e obediência.
Antes
de 1202, os religiosos formulavam o único voto de consagração ao Reino.
Há
religiosos que formulam um quarto ou até um quinto voto: há quem assume o voto
de dedicar-se aos doentes, como há quem se consagrou à evangelização entre os
judeus...
Os
três votos são três caminhos de libertação: são meios para uma maior liberdade
interior.
Única
e suprema norma de vida do religioso é alcançar a liberdade de Cristo:
-
pobre
– renunciou aos bens materiais:
“Até não ter onde reclinar a cabeça”
(Lc 9,58);
-
casto
– não conheceu a experiência conjugal e não levou em conta a geração carnal,
nas suas relações com os outros (Mt 12,48-50);
-
obediente
– sua liberdade em abraçar a vontade do Pai.
Ter bens,
experimentar a sexualidade genital, tornar-se autônomo, são potencialidades do
homem, mas Cristo nos indicou através de sua vida que há também um outro
caminho que nos torna livres: dizendo não a alguns bens, escolhemos outros.
Somos
limitados:
Não
podemos escolher ao mesmo tempo todos os valores.
Quem
renuncia a uns, tem liberdade de escolher outros.

“Sou propriedade de Deus e dos irmãos;
como Cristo, não me pertenço mais”.
3.Vocação Presbiteral
A vocação
presbiteral é um chamado especial.
Hoje a
Igreja escolhe para o presbiterato somente aqueles que sentem o carisma do
celibato pelo Reino.
Quem deseja
ser padre, deve sentir o carisma do celibato. Para ser padre são necessárias
duas coisas:
-
sentir
no intimo o desejo sincero
-
e
ser chamado pela Igreja a este ministério.
No passado
a Igreja admitia no presbiterato homens casados; hoje só admite os que vivem,
como Cristo, o celibato pelo Reino. O presbítero, como os religiosos, assume o
compromisso do celibato, não em virtude de um voto, mas pela exigência da
Igreja.
Quem
gostaria de ser padre, mas não sente o apelo ao celibato, pode assumir outros
ministérios na Igreja.
Os 13 mil
padres do Brasil não são suficientes para os serviços-ministerios que o povo
solicita.
Qual a
razão?
Será que Cristo
é racista, e não gosta dos jovens brasileiros (pois chama mais atenção os
poloneses, italianos e alemães...), ou são jovens brasileiros que não
descobriram os valores da vocação presbiteral? E, antes, nem mesmo descobriram
a urgência do celibato pelo Reino?
A
interminável questão do celibato dos presbíteros sempre continuara. O que, hoje
e agora, nos interessa é a orientação da Igreja que escolhe para o presbiterato
os candidatos que assumiram o celibato pelo Reino.
Mesmo
continuando os estudos sobre o celibato dos presbíteros nos aspectos
psicossociológicos e pastorais, não seria oportuno intensificar os nossos
esforços na evangelização dos jovens propondo-lhes também estes preciosos
tesouros, os conselhos evangélicos?
Não é este
o maior “investimento”: o de evangelizar jovens e adolescentes?
4.Como Deus chama à vida religiosa?
Deus
chama através dos apelos-chamados dos irmãos, da comunidade e do mundo.
É
o irmão necessitado que inquieta e convoca para dar uma resposta.
É
a comunidade, com suas exigências, que provoca generosidades escondidas em
alguns que se apresentam: “Eis-me aqui para servir”.
É
uma obra de assistência ao menor ou ao idoso que precisa de alguém que se doe,
sem medida nem reserva, como propriedade e ternura de todos.
É
a Igreja que necessita de pessoas livres, libertadoras e “liberadas” para
servir como missionários, padres, catequistas, enfermeiros... ou orantes
permanentes, formando estes últimos as comunidades contemplativas.
O
Mestre chama estes candidatos de “eunucos”, pois não casam, para “apaixonar-se
por aqueles pelos quais ninguém se apaixona” (Haering), pelos últimos da
sociedade, pelos deficientes físicos e psíquicos, pelos pequenos e pelos
indefesos.
CONCLUSÃO
Era
uma vez um riacho alegre e serviçal.
As
ovelhas e até o pastorzinho gostavam de suas águas cristalinas e do tragor das
suas cascatas...
Mas um dia começou a raciocinar:
“Já
estou cansado. Todos descansam.
Também
eu tenho este direito”.
O
riacho parou, param as águas, formou-se um enorme pantanal e o riacho cochilou
e dormiu...
Mas
suas águas ficaram sujas e mal cheirosas, nem o pastor, nem as ovelhas bebiam
mais suas águas...
É
esta a parábola trágica de tantos jovens.
O
cristão sempre esta à procura da própria identidade, que nunca encontra
plenamente.
As
reflexões deste texto são pequenas pistas, outros poderam ir adiante abrindo
caminhos
Quem
se acomoda envelhece.
A
missão do cristão é perceber os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do
Evangelho e tornar-se forjador da historia.
Ver,
julgar e agir, eis a tríade.
O
povo acordou e viu.
O
povo viu e julgou à luz do Evangelho; chegou a hora de agir.
Paulo
VI, na sua primeira encíclica, “Ecclesiam Suam”, lançava este apelo: “Já vimos,
já julgamos, esta na hora de agir e agir já!”
O
sonho torna-se realidade. Quando todos acordamos e relatamos um sonho, e
descobrimos que todos tivemos o mesmo sonho, chegou a hora de torná-lo
realidade.
“Já
estamos antegozando, em pequenas prestações, as forças do mundo futuro” (Hb
6,5).
Há
colecionadores de selos, de chaveiros, de canivetes... Eu sou um colecionador
de experiências de jovens a caminho da espiritualidade dos anawim.
Tu
leste até aqui, és um candidato.
Não
queres escrever o teu testemunho de vida como... um anav?
INDICE
pág.
5
INTRODUÇAO:Fome para inquietar, pão para alimentar
9
I PARTE: Fome e pão
11
Parábola da pessoa humana
19 No principio era o Pai, no principio
era o pão
23 Encarnação do Verbo – Divinização do
homem
28 Como o Pai: Um projeto ousado
33 Orar ao Pai: Os sete céus da oração
38 Mergulho no rio da vida
45
II PARTE: Anawin, os famintos saciados
47 Anav: Coração de pobre
51 Duelo dramático: Anav-insuficiente
ou auto-suficiente?
56 Homem, eis a tua identidade
59 Anav: Filho do Filho
65 Tres talentos, três dons
69 Um diferente estilo de vida
73 Amém: agarrado a ti, Senhor
77 Em comunidade: agarrado à Igreja
81 Ultimo para os últimos
86 Na Teologia do... esconderijo
93 III PARTE: No rio da afetividade
95 Mundo de violência com sede de
ternura
99 O Eu à procura do Tu-ternura
104 O nosso Deus: Três vezes ternura
110 O anav: o homem ternura
117 No rio da afetividade
121 Afetividade e sexualidade
124 Relacionamento afetivo
127 Desvios da afetividade-sexualidade
130 Maturidade ou harmonia afetiva?
135
IV PARTE:Anawim, forjadores da historia
137 Anav solidário: Irmão universal
141 Forjador da historia
146 Anawim na vocação matrimonial e
familiar
151 Anawim na vocação religiosa e
presbiteral
156 CONCLUSAO
MEDITAÇÃO 2
O que é a consciência?
Toda pessoa humana descobre no santuário
mais íntimo do seu ser uma lei, e sabe que não pode mudá-la, a ela deve
obedecer.
É uma voz que soa aos ouvidos do coração.
É a lei inscrita por Deus no mais íntimo da
nossa pessoa.
Lei, voz, sacrário podem ser traduzidas com
uma palavra só: CONSCIÊNCIA.
1.
Consciência: sacrário secretíssimo.
A consciência é o núcleo secretíssimo ou
santuário onde a pessoa humana está sozinha sem fiscais nem juizes e onde
escuta a Deus.
Árdua tarefa do psicólogo é descer nos
porões do paciente com discreção, para que tome consciência de sua identidade.
A pastoral por sua vez quer evangelizar
propondo valores e levar a uma conversão com novas atitudes de vida.
O risco é a superficialidade. Os pastores
lideram massas, esquecendo, às vezes, que a conversão acontece no sacrário
pessoal mais íntimo. Precisa redescobrir o pastoreio individual, ou a
consciência pessoal.
2.
Consciência: Voz de Deus.
A consciência é a mesma voz de Deus aqui,
comigo, agora.
Mil vozes podem gritar por fora, mas
nenhuma pode sufocar aquela de dentro, que chamamos “consciência”.
Caim tentou abafá-la, mas não conseguiu.
Davi tentou anestesiá-la, mas Natan a
reavivou.
Judas para livrar-se da consciência
enforcou-se.
Infelizmente esta consciência como voz de
Deus
foi representada como um “grande olho de
fiscal”.
A didascalia dos cartazes completava “Deus
te vê”.
Hoje foi substituído com os românticos
“Jesus te ama”.
A voz de Deus é a mesma voz do Verbo
Encarnado
que nos acolhe com toda ternura: “Vinde a
mim.
Tendes fome? Eu sou o Pão do céu.
Tendes sede? Eu sou a Água viva.
Precisais de luz? Eu sou a Luz do mundo.
Precisais de guia? Eu sou o bom Pastor”.
3.
Consciência: Sinaleiro.
A consciência é sinaleiro automático com
apenas dois sinais...
- Verde: faça o bem;
- Vermelho: evite o mal;
É um sinaleiro sem amarelo.
A consciência nunca nos deixa sobre o muro
da indefinição: ou é ou não é!
Ela grita: Isto
é bom. Vá em frente.
Isto
é mal. Para aqui e já.
Não sempre as cores aparecem com nitidez.
Ás vezes a doença do olho, outras vezes a
espessa neblina ou o reflexo do sol pode atrapalhar a visão. É preciso
discernir.
4.
Consciência: Última instância.
Não há outra lei maior.
S. Tomas, o mais teólogo da Idade Média,
reconhece à consciência a última palavra.
Ninguém pode violar, anestesiar, manipular
a consciência própria e menos ainda a alheia.
E quando a própria consciência está em
total contraste com a lei de Deus?
É raro encontrar este conflito, todavia
pode ocorrer. Neste caso é necessário recuar e discernir onde está a razão da
divergência.
A voz interior ou consciência e a voz
exterior ou lei sempre devem convergir para a mesma meta. Quando divergem
precisa questionar-se: será que a minha consciência foi manipulada ou
anestesiada por alguém?
Mais complexo é o caso do conflito entre a
voz da própria consciência e a ordem da autoridade. A quem obedecer?
Quando os missionários Jesuítas receberam a
ordem de deixar as reduções, sentiram o conflito: abandonar os índios era
deixá-los a mercê da violência dos colonizadores.
Alguns “desobedeceram” à autoridade e
obedeceram à própria consciência.
Não são raros os casos na história.
Enfim a última instância é sempre a própria
consciência.
5. A
consciência: lugar do chamado e da resposta.
A consciência dita ou impõe em nome de
Deus.
É o encontro íntimo de Deus e do homem: o
lugar do chamado pessoal de Deus e da livre resposta do homem.
A consciência impõe só a lei de Deus ou
algo mais?
Impõe só o dever ou vai além do dever?
A consciência vai muito além do dever.
Meditemos o texto (Mc 10, 17-22).
Um jovem pede a Jesus o caminho da vida
eterna.
E Jesus responde: “Observe os
mandamentos”.
E o jovem prontamente retruca.
“Tudo isto já observei”.
Jesus então olhou com infinita ternura
aquela vida integra, matéria prima pura, e apontou o caminho do horizonte
infinito: “Se queres ser perfeito... dá tudo!”
Mas o jovem não aceitou e afastou-se...
triste.
A generosidade não levanta cerca de arame
farpado: nunca estaciona, sempre quer ir além... O generoso nunca se acomoda
com o clássico “Basta!”
Por isso podemos deduzir que a consciência
vai muito além do dever. O jovem afastou-se triste. Por que?
Quem não segue os íntimos apelos de Deus,
as boas inspirações... nunca terá júbilo.
Jesus já tinha pregado: “Sede perfeitos
como vosso Pai celeste é perfeito”(Mt 5,48).
O Consolador nos dá constantes indicações
para a santidade, uma direção infinita, na obra sempre inacabada...
Os medíocres aconselham mal.
“Cuidado para não ficar fanático.
Faça o dever... e depois sossega”.
Os santos testemunharam a generosidade
heróica.
Oscar Romero foi alertado por amigos,
bispos e pelos mesmos órgãos do Vaticano para não expor-se demais e para ser
mais “prudente”, não assumir com tanto zelo a causa dos oprimidos. Passaram
anos de conflitos, mas o santo bispo queria seguir a sua consciência, o apelo a
uma doação sem medida. A previsão dos amigos aconteceu: em 1981 o pastor foi
assassinado durante a celebração da Missa. Os medíocres comentaram “Coitado,
não quis ouvir-nos, e assim morreu!” Mas o testemunho de D. Oscar continua
desencadeando cada vez mais um rio de generosidade em outros novos mártires.
O sangue dos mártires é semente de novos
cristãos.
As intuições são como centelhas de Deus que
devem tornar-se projetos concretos a realizar.
É fundamental submetê-las à autoridade
(hierarquia) e à comunidade (consciência comunitária) para uma avaliação.
Quanto às resoluções práticas precisará diálogo, prudência, ousadia e
simplicidade.
A autoridade não
abafe o profeta
E o profeta ouça
a autoridade
|
MEDITAÇÃO 1
COMO
JESUS ... NO ÚLTIMO LUGAR
INTRODUÇÃO
Estamos no ano 1886 em Paris, na Igreja de
Santo Agostinho. Pe. Huvelin prega e Carlos de Foucauld ouve, como em Filipos,
Paulo falava e Lídia escutava (Atos, 16,14). Num momento de lírica inspiração,
Pe. Huvelin comenta a vida de Jesus de Nazaré e os anos de escondimento, no
último lugar, na última aldeia, na última profissão... por 30 anos! A palavra
do pregador penetra no coração do ouvinte. Mas de todo o sermão uma frase
ficará para sempre ecoando na vida do jovem oficial. Por 30 anos Carlos de
Jesus tentará vivenciá-la. “Jesus tomou o último lugar, tão último que até
agora ninguém conseguiu roubá-lo”.
Na nossa vida sempre há um antes e um
depois e, no meio, o evento que marcou, tocou, transformou. É o evento que muda
o rumo de uma vida: nunca mais seremos os mesmos. Nós, cristãos, chamamos este
evento de “Graça”- luz e energia- luz que ilumina e energia que fortalece.
Carlos de Foucauld resolveu: “Eu quero
tomar, como Jesus, o último lugar”. E foi o maior desafio e o melhor projeto de
vida. Após uma juventude dissipada no vício, a Graça de Deus tocou o neo convertido no mais íntimo do seu ser,
não no verniz, mas na raiz. Para todos há o momento da luz e da Graça de
Damasco (a Graça relâmpago), como Paulo, que caiu na estrada. Francisco
encontrou e beijou o leproso. Inácio de Loyola começou a enxergar na gruta de
Manresa. Dom Bosco se comoveu numa prisão de menores. Teresa de Calcutá viu o
gemido do povo num vagão de trem dos pobres. Todos procurando o último lugar:
Francisco deixa a rica mansão do pai. D. Bosco renuncia ao rico salário de
pedagogo. Teresa sai do rico colégio para enterrar-se nas favelas. É a caça ao
último lugar. O testemunho de Carlos de Jesus é luz para a nossa geração na
obsessão dos primeiros lugares, nos meios de comunicação.
CAPÍTULO
I
Preliminares
para o último lugar
1) VINTE SÉCULOS DE CORRIDA
De São Pedro de Betsaida até hoje,
poderíamos percorrer estes vinte séculos como uma corrida para alcançar o
primeiro lugar. O Evangelho relata a corrida dos Doze para o primeiro lugar,
corrida que continua até nas altas lideranças da Igreja, até provocar repetidos
apelos recentes dos Papas para desenraizar todo carreirismo eclesiástico.
Poderíamos percorrer esta corrida de vinte séculos nas suas formas mais
dramáticas e até cômicas. Contudo, preferimos apresentar apenas dois quadros:
um edificante e outro preocupante. “Um duelo feroz” é assim que gostaria de
apresentar o conclave mais conflitado após o Concílio de Trento. O Papa a ser
eleito tinha que assumir, com vigor e rigor, as orientações do Concílio. Dois
nomes apareceram: o arcebispo de Milão, Carlos Borromeu, e o inquisidor
dominicano Miguel Ghislieri. O duelo chegou até ao cômico: ambos lutavam pela
candidatura do outro. Carlos se tornou o grande eleitor de Miguel e vice-versa.
Enfim, Carlos “ganhou” a corrida para o último lugar, pois conseguiu convencer
os eleitores que Miguel teria sido o melhor Papa, tornando-se Pio V, São Pio V.
O duelo feroz entre dois santos se repetiu mil vezes na história da Igreja. O
pintor Beato Angélico, já nomeado arcebispo de Florença, conseguiu convencer o
Papa para colocar o confrade Antonio Pierozzi (Antoninho) na Cátedra Episcopal
Florentina. Os santos são todos iguais: caçadores humildes dos últimos lugares.
Mas, na história, temos também lamentáveis vaidades. Antes do Concílio Vaticano
II, o profético padre Riccardo Lombardi escreveu um livro que abalou o mundo
eclesiástico. “Um Concílio para a caridade”. Sem rodeios, denunciou, numa
linguagem explícita, o carreirismo dos altos prelados da Cúria Romana. O sábio
Papa João XXIII, que via no livro não só a fotografia, mas até a radiografia do
mundo curial, interveio pedindo a suspensão da divulgação e da venda da
publicação. Foi um momento de sofrimento para todos. Pe. Lombardi pediu perdão
da audácia provocatória e mandou retirar as cópias da obra. O Pe. Jesuíta,
fundador do Movimento “Mundo melhor”, tinha apenas denunciado um crônico câncer
que penetra em toda a Igreja: a luta feroz para o poder e os primeiros lugares.
2) POR QUE TANTA SEDE DE
PODER ?
Os homens e as mulheres querem ser reis e
rainhas, os reis e as rainhas querem ser deuses [...] O nosso Deus se fez
homem! No mais íntimo da pessoa humana há uma insaciável sede de poder. É um
impulso desordenado e irracional, consequência do pecado original. Dois são os
legítimos desejos humanos:
- Ser estimado com saudável desejo de fama;
- Autoestimar-se com sadio direito a
autovalorização.
Infelizmente, estes dois desejos tendem à
insaciabilidade. Não foi Nietzsche que criou a teoria do super-homem. Sempre
existiu, na história dos povos e da civilização o orgulho desmedido do homem,
seja entre os grandes, como entre os pequenos. Diógenes fingindo mexer em ossos
humanos, chamou a atenção de Alexandre Magno. “O que procuras?”, perguntou. O
sábio, ironicamente, respondeu: “Não consigo separar e distinguir entre os
ossos de teu pai Felipe com os de seus escravos.” E o pedagogo Demóstenes ao
seu antigo aluno Alexandre fez um
alerta:
“Tu és escravo dos meus escravos, pois eu
dominei os meus vícios e tu te deixas dominar por eles.” Diógenes e Demóstenes
continuam a nos questionar, mas é sobretudo o nosso Mestre Jesus que nos
destrona: “Quem se exalta, será humilhado.”
Ele dispersa os soberbos, derruba do trono
os poderosos.
3)
SER ESTIMADO E AUTOESTIMAR-SE
Ninguém, como Jesus, nos desestrutura. À nossa sede de auto-estima JESUS responde:
“Quando convidado [...] fica no último
lugar” (Lc 14,8). Bom é a auto-estima, mas não demais.
E à nossa sede de populismo demagógico e de
fama, Jesus adverte:
“Quando queres convidar alguém a um
banquete, convida os excluídos... não convides os grandes, os poderosos, os
líderes bajulados.... mas os últimos.”
Podemos sintetizar:
- Quando convidado, esconde-te no último
lugar.
- Quando convidas, escolhe os últimos.
Nossa sede de aparecer é insaciável. Os
psicólogos, após vasculharem nos vários complexos, tentam passar para
uma sadia autoestima. Sentimos como até de um complexo de inferioridade,
há sempre uma boa dose de vaidade inconsciente. As mil declarações - “Eu não
sou nada” - sempre escondem outra mensagem: “Por favor, olhem para mim!”
No mundo eclesiástico circula uma irônica
anedota.
Na Missa, o bispo sempre ora: “Por mim, teu
indigno bispo”. Um padre teve a ousadia de orar: “Pelo nosso indigno bispo”. Na
sacristia, o bispo chamou a atenção do padre: “Eu posso dizer indigno, não você!” Ao que o padre replicou:
“O senhor diz indigno sem convicção. Eu, em vez, digo indigno com
convicção.”
Ainda criança, participei de uma recepção a
um grande político. Os líderes locais se apinhavam em redor do poderoso
visitante para a fotografia oficial. No jornal, a fotografia revelou um bando
de “girafas”. Cada líder tinha esticado o pescoço para aparecer mais perto do
grande político. Só mais tarde, ou talvez só agora, descobri que todos, eu
incluído, somos insaciáveis caçadores dos primeiros lugares para aparecer.
4) UM CENTENÁRIO: Titanic (1912) e o Rei do
Mediterrâneo (2012)
Ao ver o rei do Mediterrâneo afundar eu
orei assim:
“Senhor, que afunde toda a nossa falta de
solidariedade. Senhor, enterra todo o meu egoísmo. Senhor, preencha o abismo
entre pobres e ricos. Senhor, seja um apelo para vivenciar mais a
solidariedade”.
“Senhor, neste rei do Mediterrâneo, um
exército de pobres serviam os ricos. A desgraça os irmanou. No navio tinha os
turistas, os mais ricos; e os servos da tripulação, os mais pobres, os últimos.
Senhor, que a igualdade reine para sempre. Amém”.
O famoso Costa Concórdia, em menos de 24
horas desapareceu. Outros fizeram altos comentários, eu comparei o luxo do Rei
do Mediterrâneo com a miséria e a fome de muitos. Logo um formigueiro de
quadros vividos reapareceu: Aqui luxo, lá miséria. Somente a solidariedade, o
apoio sólido, poderá formar um só povo (Atos 2,42-47).
Quinze debutantes me convidaram para uma
missa de Ação de Graças, seguida pela viagem nos Estados Unidos, em Miami, com
a despesa individual de dois mil dólares. Eu propus um dízimo para construir 15
barracos na “toca da onça”, a favela mais abandonada de Guarapuava. As
debutantes limitaram-se a insignificantes migalhas.
Um
empresário convidou-me a benzer um palacete construído em cinco anos com o
sangue de centenas de funcionários, com salários de fome. Como podia benzer com
água o que foi construído com sangue?
Estava
em reforma a minha Igreja, e, ao mesmo tempo, a mansão de um paroquiano. A
reforma da mansão, bem mais cara que da Igreja, saiu rápido. Os meus pacatos
convites a colaborar na obra da Igreja, só recebiam um estribilho: “Agora
não... mais tarde!” E o mais tarde foi tarde demais. O paroquiano entrou na
Jerusalém Celeste.
No final do retiro do clero sobre a
espiritualidade de Carlos de Foucauld propus ao um colega: “Poderias renunciar
às férias na praia para ajudar nas despesas de uma cirurgia de um miserável”. A
reposta foi um meio sorriso irônico.
Completo o elenco dos contrastes, com um
quadro trágico-cômico.
Todo dia crianças na minha casa pediam
tocos de velas. Por ironia da sorte eram os favelados de um punhado de barracos
construídos debaixo da estação Copel. Lá em cima holofotes, dentro dos
barracos, tocos de velas fumegantes. Uma criança completou: “Para fazer as tarefas
da escola muitas noites tenho que ficar fora do barraco à luz dos holofotes da
estação!”
Se os cristãos soubessem repartir, muitos
irmãos seriam atendidos.
DESEJO CONHECER OS ENDEREÇOS DAS COMUNIDADES PARA LHES VISITAR EM MINHA PEREGRINAÇÃO A SE REALIZAR DESDE O 10 DE JUNHO 2014 COM DATA DE FIM INDEFINIDA. DEIXO LHES O ENDEREÇO DO FACEBOOK PRA VCS ENVIAR SOLICITUDE DE AMIZADE. facebook.com/MISSIONARIODOURUGUAI "PAZ E BEM".....
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