MEDITANDO COM NOSSO FUNDADOR


MEDITAÇÃO 4
DIVINA TERNURA        


      
            
     

CARISMA DO 3º MILÊNIO


APRESENTAÇÃO

Divina e Trina Ternura, carisma do terceiro milênio,
é o texto base-para as nossa meditações nas fraternidades.
 Na capa temos o mosaico  do portal do santuário da Divina e Trina Ternura .  Jesus no desespero grita:
 “ Meu Deus, meus Deus porque me abandonaste?” , mas  sentindo um calor nas mãos pergunta:
 “ Quem me toca ?”
O Pai com infinita ternura responde:
 “ Sou Eu. Nunca te abandonei.  Eu estou atrás de ti ,
 te sustentando ...se abandone a mim!”
  O Filho proclama a oração do abandono mais intensa:
“ Em tuas mãos entrego o meu Espírito!”
 Este é o segundo abandono, depois do que aconteceu no horto das oliveiras, quase uma repetição em dois momentos. Suando sangue Jesus pede:
“ Se é  ´possível passe este cálice!”.
Mas logo  Jesus acrescenta:
 “ Seja feita a tua vontade, não a minha!”
A parábola do desespero e do abandono em Deus
 se repete na vida de todos os cristãos.
Diante da cruz nasce a angustia, mas logo depois pela fé repetimos nossa entrega de abandono. O texto-base é apenas uma pista para aprofundar nossa vida de entrega, Graça sobre Graça .
Graça –luz para nos iluminar,
Graça- força para agir.

Guarapuava       -      Pe João Rocha
PRIMEIRA PARTE


AMAR OU ENLOUQUECER

Margareth Tacher, primeira ministra inglesa, intimidou o mundo com palavras ameaçadoras: “Não existe alternativa, o caminho é este”. Gostava de dizer: ou a minha política ou o fim de tudo. Somente Jesus pode apresentar uma alternativa ou comigo ou contra mim. O Carisma da Divina e Trina Ternura apresenta a alternativa : viver em comunidade ou morrer, ou amar ou enlouquecer.
Fui convidado para atender alguns pacientes do hospital psiquiátrico Pinel de Curitiba. O diretor Doutor Edival Perrini me apresentou um caso curioso. Uma senhora vestida de azul com um véu branco e com a aparência de gravidez iminente, veio alegre ao nosso encontro: “Eu sou a mãe de Jesus. Amanhã nascerá o meu filho. Os convido à festa.” Antes de manifestar minha perplexidade o doutor se
antecipou: “É a esposa de um famoso médico, mas caiu em depressão por que descuidada pelo marido e pelos  filhos. Buscava relacionar-se, mas os familiares , sempre com pressa, não lhe ofereciam atenção. Sob a saia colocou um travesseiro para aparecer grávida, para valorizar-se. Considera-se Nossa Senhora!”
O carisma da Divina Ternura é uma resposta atual e pontual: ou relacionar-se ou vegetar, o amar ou enlouquecer.
A falta de relação
leva a falta da razão.

1- EU E OS OUTROS

I)-A Pessoa. Quem és?

Depois de séculos e séculos de discussões, polêmicas concílios ecumênicos, bispos e teólogos concluíram com dois dogmas incisivos e sintéticos:
* Na santíssima Trindade há três pessoas e uma só natureza.
* Em Jesus há duas naturezas e uma só pessoa, a divina.
Porém o conceito pessoa, em grego hipóstasis, tem dois aspectos a considerar, a individualidade e a relacionalidade.  A individualidade significa autonomia, auto-suficiência, o eu com direitos e deveres, impossibilidade de ser dividido em dois. In-divíduo é o sujeito que não pode e não quer ser dividido.
Relação significa abertura, dependência dos outros, partilha, duplo laço para ser unido. Um apólogo simples, uma estória, com a sua moral, pode esclarecer melhor do que milhares de elucubrações.
 Ele bate na porta dela. Quem é? Pergunta uma voz de dentro. “Sou eu, abre-me”. Responde ele. Mas a porta não abre. Ele tem uma intuição. Na terceira batida, seguida da pergunta: Quem é?... responde: “Sou tu!”  E a porta se abre.
A pessoa humana tem duas faces.
Quando digo “sou eu”, enfatizo a individualidade;
quando digo “sou tu”, enfatizo a relação.
A polêmica entre ocidentais e orientais está aqui. O conceito  dos ocidentais, Pessoa, é muito equívoca, ambígua e pode provocar confusão.  Se na Trindade existem três pessoas, com razão, hebreus e muçulmanos podem concluir que existem três deuses. Todos os nossos teólogos da Trindade (Laurentin, Cozzi, Staglianó, Forte, Boff) salientam a relação da pessoa. Alguns propõem  até uma nova formulação, para favorecer o ecumenismo: Um só Deus em três relações.  A pessoa é essencialmente relação. O nosso DNA é relação: ou me relaciono ou morro!
O Papa Francisco confessou claro e incisivo: “ Não irei  morar no palácio apostólico, porque quero estar próximo às outras pessoas. Não posso estar isolado, ou moro com os outros ou vou para a psiquiatria.” Não só Papa Francisco, mas todos nos sentimos fome de relacionarmo-nos, de viver em fraternidade.
 Um pároco de interior me dizia: “Tenho poucas famílias e, além disso, a metade é constituída por uma só pessoa. Seria melhor que vivessem juntos , mas isso é  utopia.”.
Um pároco duma  cidade italiana fez a mesma constatação: “Muitos moram sós num pequeno apartamento. No mundo rural havia mais espaço, onde moravam as famílias patriarcais frequentemente em alegre convivência até com os animais do estábulo durante os frios invernos. Jamais escutamos que um cachorro tenha agredido uma criança”.
Não existe melhor calor que o calor humano e melhor terapia que a fraternidade. Os pinguins das terras glaciais nos oferecem uma fantástica lição de solidariedade, se esquentam mutuamente e se alternam:  os da ciranda exterior com os da interior . Educar-se para a vida fraterna é o desafio do futuro.
 Quando não queremos nos dobrar,  Deus nos dobra.
Até quando poderão resistir tantas pessoas sozinhas e idosas em pequenos apartamentos, com serviços cada vez mais caros e proibitivos? O Papa Francisco depois de visitar o palácio apostólico, exclamou: “Viver sozinho aqui onde caberiam 300 pessoas? Prefiro viver na casa S. Marta.”
II)- Relacionar-se. Por quê?
A pessoa humana nasce  de uma relação. O elemento feminino fecundado pelo espermatozóide recebe um sopro divino, tal como afirma o livro do Gênese (2,7): um hálito de vida que o eterniza. A relação vai além da sexualidade. Mais do que relação sexual, podemos definir-la como relação humano-afetivo-divina.
No ato da fecundação, é o sopro divino que dá início à pessoa humana, livre, capaz de pensar, amar e querer. É um sopro único e especial que se reflete sobre a ponta dos dedos, como as impressões, precisamente digitais. Sobre sete bilhões de pessoas não se encontram duas impressões digitais iguais.
Deus criador e criativo não conserva os moldes num depósito, mas os elimina. Eu sou único e irrepetível. Cada pessoa humana é como uma espécie, tesouro precioso, que jamais tem existido, nem existirá outro. Eu sou uma peça original .
A pessoa humana se desenvolve gradualmente em relações cada vez mais amplas e intensas como os astros, num movimento sinusoidal, como os astros. Aprende a escutar e depois a falar e comunicar-se. Palavras, gestos, escritos são formas de comunicação. O corpo através dos cinco sentidos recebe mensagens e responde e se relaciona. A relação mais profunda é a invisível: o amor, o auge da comunicação. O eu é essencialmente desejo de um Tu. Num cumprido e constante caminho educativo cada pessoa deve abrir-se, comunicar-se, relacionar-se.
A pessoa humana é imagem e semelhança da Santíssima Trindade. O Deus dos cristãos é uma comunidade onde reina a comunicação, ou melhor, a relação.
A pessoa humana é desejo de uma comunidade de milhares de tu, aberturas, janelas e horizontes infinitos. Deus criou um jardim onde tudo era bom. Depois de criar o homem exclamou: Isto não é somente bom, mas ótimo, porque é a única criatura à minha imagem e semelhança. A pessoa humana é saudade de Deus, porque dele viemos e somente nele vivemos. (At 17,28) O nosso coração só terá paz em Deus, assim  inicia e termina Santo Agostinho nas confissões.
Depois da criação de Adão e Eva Deus exclamou:
Eu durmo nos minerais,
Eu sonho nos vegetais,
Eu me acordo nos animais,
 porém só amo na pessoa humana.

III) Sede de um tu: a primeira pericorese

O eu tem fome de um TU.
O Tu é a janela, a abertura.
A saída para uma tragada de ar, um raio de sol.
De um primeiro TU se passa para milhares de TU.
De muitos TU se passa para o  Nós.
Qual é o nosso primeiro TU?
É o seio da mamãe.
A criança recém-nascida  procura alguma coisa ou alguém.
Primeiro uma coisa, depois alguém.
E encontra o seio cheio de leite.
Suas mãozinhas se agarram ao primeiro Tu.
Os olhos são apenas entre abertos,
porém do seio ...passa à pessoa.
Acima do seio a criança enxerga um rosto,
que sorri para provocar um sorriso.
Uma mãe, depois de um curso bíblico sobre a Santíssima Trindade, no qual enfatizei a comunhão-relação dos três , que os teólogos denominam com o termo grego Pericoresis, muito alegre me confidenciou:
“Hoje minha criança me tem dado o primeiro sorriso, a primeira pericoresis, a primeira relação.”
O sorriso é a saída do EU para comunicar-se com o TU.
O primeiro nosso TU é o seio materno, a mãe e  depois o pai, os outros parentes e amigos.
Um dia se descobre um TU especial e diferente dos outros, um tu que encanta. O primeiro namoro, popularmente chamado  primeiro amor, é um Tu que parece inefável, difícil de expressar, quase nos corta a respiração e provoca uma palpitação ao coração. Mas esta  palpitação é amor?
Eis o equívoco. A literatura universal tem gasto um mar de tinta para cantar a paixão instintiva ou amorosa.
Havia uma canção que dizia:
“Se o mar fosse tinta,
se o céu fosse uma folha,.
não bastaria para escrever
o muito que te quero.”
Somos imagem e semelhança da Santíssima Trindade, somos relação, sede de comunhão, pericoresis.
Todas as relações produzem uma emoção, uma agitação, mas quem descobre o amor de Deus....nunca mais  será o mesmo.
Aristóteles define o homem como um animal racional. Hoje preferimos defini-lo  um nó de relações ou de dupla abertura: dois laços, um  para dar e outro para receber. A relação que é preciosa vitamina é o afeto. Podemos ficar sem comida, mas a falta de afeto nos faz adoecer.  O Eu sem o Tu  enlouquece:

a falta de relação provoca falta de razão.
Ou amar ou enlouquecer
Ou relação ou loucura.

O leite materno é essencial,
Porém, o afeto é ainda mais necessário.
Sem afeto o leite materno é indigesto.
O Tu deve emanar amor.
As crianças sentem quando falta o amor.
Nós os adultos o percebemos com mais dificuldade.
Quem não se sente amado desde o nascimento,
carregará um fardo pesado de feridas,
que terapias  posteriores talvez poderão curar.

IV) Viver nos três para conviver entre nós
A pessoas humana foi definida  como saudade de  Deus,  mas temos que  observar as várias fases e gradações desta relação.

- Relação de simbiose.

A natureza nos oferece um magnífico fenômeno de simbiose: dois elementos se encontram, mas ambos perdem a sua identidade. O peixe buscava desesperadamente a água na areia... e em vários milhões de anos se transformou numa pedra fóssil. A madeira  enterrada na areia,  transformou-se também em pedra fóssil.
A relação humana não elimina a ninguém, alias nos enriquece na  nossa identidade. Todas as criaturas estão ao serviço do homem que permanece como o inquilino protagonista, como rei do universo, eterno como o Criador.

-Relação – convivência.

Na relação entre as pessoas deve reinar um sadio convívio:  
      Unidade sem uniformidade,
       diversidade sem separação,
      sem jamais perder a própria identidade.
A convivência e coexistência  ou coabitação é um confronto permanente: como conciliar minha identidade com aquela dos meus irmãos? Como compartilhar o espaço comum? Como posso ceder às pressões prepotentes e injustas daquele que quer ocupar inclusive o meu espaço vital?
O psiquiatra francês Pinel  observa como causa principal das doenças mentais, a pressão psicológica ou social para reduzir o espaço vital do paciente. Nas famílias, nas escolas, nas empresas nascem conflitos constantes, porque cada um quer um espaço maior, pressionado os vizinhos. O caminho da convivência supõe uma educação para a justiça e a sobriedade. Nos cristãos encontramos, como eminente modelo de relação e convivência, a Santíssima Trindade. As soluções às tensões não vêm da violência, das armas ou de decretos, mas do modelo Trinitário
-Relação trinitária.
A pessoa humana, imagem e semelhança da Santíssima Trindade, deve alcançar o terceiro nível: viver nos Três para conviver com os irmãos em fraternidade. No batismo fomos  mergulhados  no Pai, Filho e Espírito Santo, como esponjas que recebem e oferecem água. A pedra é impenetrável, o gesso recebe, mas não partilha. Só a esponja recebe e partilha, símbolo do cristão, que recebe como discípulo, e partilha como missionário. É assim o mistério da Comunhão dos Santos que proclamamos no Credo. Somos vasos comunicantes.
A vida trinitária nos vivifica no íntimo do nosso  eu, e nos une como num só corpo. Depois da analogia da videira e  dos ramos, Jesus repete treze vezes o verbo: PERMANECER.
 “Quem está unido a mim e  eu nele, esse dá muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer ” (Jo 15,5).

2 - O AMOR ENTRE IGUAIS E DIFERENTES.
I)-O terceiro inquilino entre o eu e o tu.
Na Santíssima Trindade, a terceira pessoa, une o Pai ao Filho, o amante ao amado.
 Sem o amor, que é o inquilino misterioso e invisível,
 mas presente, não há relação entre o Eu e o Tu.
Quanta amargura e frustração  sentimos quando falta o amor. Gestos e palavras podem multiplicar-se, porém, sem o amor  são inúteis, angustiantes e frustrantes. O Eu é nada e ninguém, se alguém não o ama. Mas o que é o amor?
Os educadores podem enganar-se: num excesso de afeto podem educar carentes e dependentes afetivos, necessitando sempre de mimos e aplausos, de torcedores e fãs. Frequentemente pais e educadores podem faltar ao afeto, pensando mais em si do que nos educandos.  O amor é doação incondicional.
Uma avó me confessou: “Tenho três filhos e sete noras. Meus filhos depois do divorcio se recasaram e o mais jovem casou-se uma terceira vez. As mães dos meus netinhos serão sempre minhas noras, embora meus filhos as ignorem com o título de ex-mulher. Eu amo  todas as sete. Os netinhos são uma arca de Noé. Todos vêm com muita alegria à minha casa: onde encontram um espaço acolhedor. Eduquei meus filhos no amor a Deus, doação incondicional! Por que não seguem o exemplo que dei?”
É um raro exemplo de uma verdadeira cristã.  O amor, aquele verdadeiro e durável, é o da Santíssima Trindade.  O amor da transformação milagrosa, quando vem do alto. O amor é como o ar, a água, o sol, o alimento. Sem amor não vivemos, mas vegetamos. A alegria da abertura e a tristeza do fechamento são nosso pão diário. Sentimos dentro de nos sede de um TU, o outro, mas o nosso orgulho nos paralisa. No fundo todos morremos de sede... e a água fresca está ali ao nosso lado. Eu... a sede, o outro é a água... e vice versa.
Por que tanta obstinação? Por que não relacionar-se e navegar no amor? Por que preferimos ficar bicudos e continuar continuamente desconfiados agredindo os irmãos? Nas nossas relações não faltam conflitos. O remédio está no perdão, no perdão cristão. Frequentemente se fala de perdão, porém é verniz que não cura  na raiz. Conservo lembranças de criança. Sentia arrepios quando escutava um estribilho que, na nossa língua provençal soava mais agressivo e feroz “Lur s’ parlen rén”.(Aqueles não se falam). O  que quer dizer, se odeiam visceralmente por gerações. Anos atrás os ódios nasciam por uma herança mal resolvida de um metro quadrado de terra, mas hoje temos situações familiares conflitantes e devastadoras. Ao exemplo clássico da avó com sete noras, agora vemos casos mais angustiantes. São as adoções que ferem as necessidades primárias do adotado. Uma menina adotiva aflita me dizia:  “ Eu tenho duas mães que me adotaram, porém não tenho nenhum pai.” Como sarar estas feridas profundas? Somente o amor divino e trino que vem do alto (Rm 5,5).
Deus forma,
o pecado deforma,
a penitencia reforma,
a  Divina e Trina Ternura transforma.

II)-Um confronto surpreendente

A pessoa humana inicia a sua vida a partir de um encontro de amor e doação entre um homem e uma mulher com o sopro divino. Um triângulo de vida: é o amor que se encarna. Conservo uma carta de dois jovens esposos que me escreveram: “Elisa nasceu, o amor se encarnou”. As pessoas divinas existem desde toda a eternidade, não tem início porque o amor eterno se doa incessantemente numa dança incessante, simbolizada no logotipo da cruz das três alianças.
As pessoas divinas não podem não doar-se. As pessoas humanas podem existir sem relacionar-se: na realidade não vivem, mas vegetam.
O amor nas pessoas divinas introduz o outro numa comunhão plena e absoluta. O amor das pessoas humanas aproxima o amante ao amado, porém sempre com medo e desconfiança numa comunhão frágil e relativa. Cada pessoa divina leva dentro de si o outro.
Cada pessoa humana pode afastar-se do outro, por causa do pecado, mas o perdão pode reaproximá-lo.
A unidade das pessoas divinas é tão intensa que se tornam UM.
A unidade das pessoas humanas é um ideal possível somente com a Graça de Deus. Lembremos o estribilho de Jesus: “Sem mim nada podeis fazer”. O Papa Bento XVI repetia aos jovens:

Com Cristo voces têm tudo,
sem Cristo vocês perdem tudo.

III)-Diferentes e iguais
Todos somos um pouco diferentes e um pouco...iguais. A diversidade nos incomoda. Os diferentes são chatos. O mistério trinitário deve repetir-se em nos. Em cada relação humana aparece uma utopia:

 Unidade sem uniformidade para não perder a identidade... 
e diversidade sem separação para construir a fraternidade.

 A pericose trinitária é conciliar igualdade e diversidade, unidade e variedade. A relação de pessoas diferentes pelo caráter, etnia e cultura é mais rica. Os imigrantes que chegam na Europa são uma riqueza, não  uma ameaça.
Acompanhei duas comunidades religiosas em missões. A primeira era formada por membros do mesmo país e língua. A segunda, por disposição das constituições, os membros eram de vários países e culturas diversas. Supérfluo constatar, na primeira, uma apatia sem conflitos; na segunda via uma vivacidade sadia, mesmo com conflitos, causados  pelas divergências e diversidades enriquecedoras.
O sábio São Bernardo escrevia ao Papa Eugênio, seu antigo discípulo: “Tu que governas o mundo, deves rodear-te de assessores de todo o mundo”. O Papa Francisco sonha como Bernardo. A utopia será governar com membros do mundo inteiro.
A relação homem-mulher é um verdadeiro desafio para conciliar  diversidades que são tesouros preciosos. Quando somente o homem ou só a mulher trabalha, é deserto estéril; quando trabalham juntos é primavera fecunda. A fraternidade se enriquece  na diversidade da partilha, que não exige necessariamente presença física. São Francisco e Santa Clara partilhavam o mesmo ideal de vida de formas diversas. Onde o homem e a mulher têm pensado, programado e realizado juntos, tem nascido as melhores obras-primas da humanidade.
Sem dúvida a educação foi marcada pelas mulheres que souberam... transformar crianças em homens, sem dispensar a presença masculina. Na integração entre o diverso e o igual nascem as obras-primas. Faz quase meio século que me esforço para assimilar os valores brasileiros, conciliando-os com os italianos, porém constato que somei ... os defeitos das duas culturas. Sinto-me como Rebeca com dois povos dentro de mim (Gn 25,23): Jacó e Esaú, Itália e Brasil. As dores do parto, às vezes, se fazem sentir muito agudas. Só assim há vida.
A vida fraterna se transforma no meu pão diário. Para fazer unidade com o outro devo perder-me, deixar-me triturar e esquecer-me de mim mesmo para que o outro cresça, e até estar disposto a uma dolorosa ingratidão. No final somos todos cidadãos da terra e do céu.
 Dois grupos desejavam fazer-me cidadão honorário da cidade onde moro. Eu me justifiquei assim: “Eu agradeço... mas já tenho duas cidadanias, uma na terra e outra no céu, como escreve São Paulo”. (Fil 3,20).
Apos uma Missa na catedral de Cuneo ( Itália) , um fiel se aproxima: “Como você fala tão bem o italiano, embora com um sotaque  português. Parabéns, brasileiro”.
Voltando ao Brasil um jovem me perguntou: “O Senhor é estrangeiro ou catarinense ou filho de italianos pelo sotaque dos  imigrantes italianos”. Rindo respondi: “Sou catarinense... as duas minhas avós se chamavam Catarina!” Tudo terminou com uma sonora gargalhada.
Na noite rezei: “Obrigado Senhor por conciliar valores um pouco diferentes,  um pouco iguais, sou sempre estrangeiro, porque sou cidadão do céu”.

IV)-Um logotipo

Por solicitação do bispo responsável do movimento Divina e Trina Ternura, depois de anos de meditação pessoal e comunitária, nasceu o nosso logotipo.
A cruz das três alianças: cruz trinitária. Observamos três círculos em parte sobrepostas que revelam o mistério trinitário como relação de três pessoas. O logotipo provocou comentários curiosos: Parece um sorvete, uma chave, uma dança ou um círculo sem fim. É isso e... muito mais.
Dança ou círculo sem fim é traduzido pela palavra grega Pericorese: dança do centro à periferia e vice-versa.


O mistério trinitário é uma preciosa chave para abrir horizontes, mas também luz para iluminar as nossas obscuridades subterrâneas  que escondemos sempre.
A primeira aliança ou anel de esquerda de cor amarelo simboliza o Pai princípio absoluto de quem procede o Filho e o Espírito Santo.
A segunda aliança na direita de cor verde simboliza o Filho, a árvore da vida  que nos oferece doze frutos, e cujas folhas curam.
A terceira aliança de cor vermelho, abaixo das outras duas, simboliza o Consolador, como Luz que ilumina o caminho e como força vital para perseverar na marcha.
No centro, observamos a letra M de Maria. A cor azul nos indica a Jerusalém celeste.  Sempre e em tudo devemos olhar para a meta final. A Santíssima Trindade é princípio fundamental de toda a história da salvação. O Verbo se encarnou para revelarmo-nos a Santíssima Trindade, o primeiro mistério. Depois do pecado de Adão, o Pai não poupou o próprio Filho, enviando-o para nos redimir. Mas pela hostilidade dos judeus à mensagem do Filho, nasce um novo projeto, onde abundou o pecado, superabundou a Graça (Rm 5,20) Mistério simbolizado pela cruz do fundo.
A cruz escada e ponte.
A cruz é a escada que nos leva à Santíssima Trindade e é a ponte que une todos os homens na fraternidade. Não é a cruz que salva, mas o amor com o qual a assumimos. A cruz pode provocar em nos as maiores revoltas, mas também os melhores desejos de santidade. Em nos dorme o santo e o bandido: a cruz pode acordar o santo.
Frequentemente é com a cruz que Deus nos dobra. Quando não queremos nos dobrar, Deus nos dobra. A cruz completa em nos o que falta à paixão de Cristo (Col 1,24).
Logotipo que evangeliza.
Vivemos na era da imagem e dos símbolos, usados nas redes sociais, nas empresas e nas comunicações. Os primeiros cristãos perseguidos não podiam expor-se ao martírio. Um peixe, ICTUS, iniciais do nome de Jesus em grego, foi o primeiro logotipo: Jesus Cristo, Filho de Deus salvador. Apenas com o edito de Milão a Cruz se torna o logotipo dos cristãos. Nascem milhares de cruzes: Latina, grega, jerusalemitana... A cruz da Divina Ternura, usada pelos missionários não poderia porventura despertar curiosidade para uma inicial evangelização?Então ..porque não a carregam sempre ?
V)-A casa comum
O mundo se torna uma aldeia: ou viver ou morrer juntos. Sabemos tudo de todo o mundo. Somos inquilinos da mesma casa, onde não podemos ser oprimidos,  nem opressores. O pecado original tem deixado em nos um vírus de orgulho que se revela como medo de ser oprimido ou como mania de dominar. Os tímidos vivem de medo e os prepotentes de violência: complexo de inferioridade ou de superioridade.
Milhares de revoluções têm surgido visando criar a fraternidade alicerçada na igualdade e na liberdade. Os cristãos são chamados a construir esta casa comum como nos exorta o Papa Francisco. Transcrevo do meu diário uma página trágico-cômica.
Indiquei um bom pedreiro, paroquiano meu, para um serviço na casa da presidente do Apostolado da Oração. Desde o primeiro dia de trabalho, João evangelista, competente pedreiro, foi vítima de uma aventura curiosa. Ao  médio dia descobriu que a sua marmita estava vazia.  O cachorro da dona correndo pelo quintal se mostrava alegre abanando seu rabo como desafiando o pedreiro. Batendo na porta da senhora, João se desculpou:
“Seu cachorro comeu meu almoço.”
 A dona escutou, franziu o sobreolho e ... correu ao telefone esbravejando: “ Doutor, venha rápido, meu cachorro comeu  o almoço do pedreiro! Será que não vai ter cólica ou diarreia?”
O pedreiro comentava comigo: “ Ela tão devota ou melhor tão beata, não entende nada do Evangelho. No lugar de prover alguma coisa para o meu estômago vazio, pensou no seu cachorro. Eu sou menos do que seu cachorro.”
 Um camponês analfabeto deu uma brilhante definição do que poderia ser o Paraíso:  “  Paraíso? È comer todos no mesmo prato!”
Fiquei  curioso e pedi uma explicação. O sábio teólogo contou sua experiência.
“ Trabalhávamos num latifúndio. Para as refeições tínhamos vários locais com suas respectivas comidas. A sala maior da casa era para os donos e os visitantes, uma salinha para os empregados e, claro, um espaço especial para os cachorros e outros animais de estimação. Nós crianças, pobres filhos dos empregados, comíamos num casebre, que era um velho galinheiro, um depósito, no último lugar.
Para mim o paraíso é comer no mesmo prato e a mesma comida, todos iguais.” É a casa comum. Completo com  o conhecido apólogo, conto com a moral. Como é o inferno? Como é o paraíso?
É quase a mesma coisa: um banquete com todo tipo de comida , mas os comensais devem comer com  garfos muito cumpridos.
No inferno os condenados não conseguem  alcançar a própria boca ....No Paraíso os beatos, acostumados sempre a pensar nos outros antes de si mesmos, com carinho embocam os comensais que estão na frente deles. Eles têm pensado nos outros a vida inteira, continuam a pensar nos outros.  A eternidade é a continuidade da vida terrestre.

3-TRÊS RELAÇÕES
Sem coerência não existe relação. Estamos na época da comunicação, o quarto poder, que depois do legislativo,  executivo e judiciário, pode tornar-se  o novo tirano. É curioso como ao ter, o poder e o prazer, quase três deuses, se acrescenta um quarto, o aparecer ou a cultura das aparências, sempre presentes na história, mas hoje, presente, nos Mass-media, tornou-se um implacável ditador. O culto das aparências transformou-se numa nova religião.
A comunicação nos engana quando não apresenta a realidade, a radiografia, mas apenas a fotografia. Na euforia da comunicação, o conteúdo é pobre: muita palha e pouco grão. A embalagem é excelente, porém, está vazia, não tem conteúdo. Na relação a comunicação é fundamental, mas sem conteúdo é somente aparência. Torna-se traição, quando falta a coerência ao comunicador. São Bernardo repetia:
“ Se a palavra de Deus não toca, nem transforma, nem converte
o  coração de quem a proclama,
não tocará nem transformará,
 nem converterá o coração de quem a escuta.”

Gritar desde os telhados ou gritar com a vida? 
Na noite da vigília no inicio do vigésimo século, Giácomo Alberione, futuro fundador dos Paulinos, com dezessete anos decide dar a vida aos meios de comunicação para evangelizar... e Carlos de Jesus propõe-se a gritar o Evangelho com a sua vida: dois profetas exemplares, mas com estratégias diversas, quase contrarias.  
Temos ótimos comunicadores e ainda excelentes teólogos de alto quilate, mas  falta coerência de vida. Paulo VI repetia: “ Precisamos de testemunhas mais do que de teólogos, mas quando os teólogos são também testemunhas alcançamos o ótimo.”
Comunicação, conteúdo, coerência são o trinômio da credibilidade, que é a santidade. O cardinal Newman escreveu aos seus presbíteros: “Primeiro a santidade, depois o resto, programas pastorais.” Nós traduzimos: Primeiro a coerência, depois a pregação.

O que somos na vida grita tão  alto,
Que ninguém consegue escutar o que pregamos..

Os biógrafos de São Francisco de Assis escreveram que o seu corpo tornou-se língua. Não era necessário que pregasse bastava enxergá-lo para converter-se.
Quando as matronas católicas de Lyon descobriram que o bispo Alfredo Ancel, em solidariedade aos padres operários dedicava quatro horas do dia como sapateiro, ficaram sem fôlego. Mais tarde tornaram-se admiradoras de um testemunho tão evangélico: Jesus carpinteiro e Ancel sapateiro.
No rastro do bispo sapateiro , milhares de jovens o seguiram, dando um testemunho heroico .  O filho do ministro da Educação da Itália, Guido Gonella , depois do doutorado Honoris Causa, entrou na comunidade dos Pequenos Irmãos de Jesus. Testemunha anônimo, silencioso, coerente irmão de Jesus, trabalhava na limpeza dos sanitários numa estação de Nova York. Estes são os tesouros da Igreja, pouco conhecidos, por isso muito preciosos, sem comparação com os tesouros do  Vaticano.
Mauro era um monge beneditino brasileiro. Dizia-me: “Eu rezo pela minha conversão e por aqueles que rodeiam o Papa”. Mauro entrou na Jerusalém celeste e o Papa Bento , tomou o seu lugar, tornou-se monge: nova riqueza do Vaticano, ainda não descoberta!

I)- A fraternidade.

Poderíamos iniciar com a relação com Deus, depois  com as criaturas e em fim com os irmãos, porém preferimos iniciar pela relação humana: a fraternidade entre pessoas, sinal visível do Deus invisível. O eu sedento de relação encontra nas pessoas junto ao primeiro Tu, a primeira abertura. Cada Tu deve sugerir:
“ Não pare em mim, vai ao Tu - Tudo.”
 São Paulo escreve aos Romanos: adorar as criaturas no lugar do Criador é idolatria. (Rm 2,25). As criaturas,  pequenos tus , devem nos levar  ao Tu – TUDO.

*-Fraternidade: dar tempo aos irmãos

Primeiro o que é importante, depois o secundário. Mas o que é importante?
Uma criança norte americana tornou-se famosa pela proposta feita ao pai. “Pai, brincamos um pouco juntos.” Pediu o menino,  mas o pai rico  empresário, se justificou: “ Uma hora perdida são mil dólares perdidos.” Mas  um dia o menino, muito feliz, jogou ai pai mil dólares e pediu:”  Pai, agora podes parar uma hora comigo! Eis mil dólares fruto das minhas poupanças.”
Os hábitos, fruto de culturas milenares, são como cabos de aço. Admiro e aprendo muito de um padre , sempre acolhedor e paciente. faz a pastoral da acolhida sem obsessão pelos horários, disposto a mudar diante dos imprevistos.
As relações entre as pessoas podem ser programadas,  mas se tornam mais afetivas quando ocorrem espontaneamente.  Não consta que Jesus tenha programado o encontro com Nicodemos ou com Zaqueu, com a pecadora ou com a samaritana. Políticos, empresários, profissionais devem programar, e nós pastores, também, para atender ao povo de Deus com horários e planos pastorais, mas devemos ser sempre disponíveis para os imprevistos, ocasiões privilegiadas de comunicação, não tanto a nível oficial, mas afetivo.

*-Fraternidade: dar espaço aos irmãos

Onde encontrar-se para relacionar-se?
Todos os espaços servem, mas a casa é o espaço privilegiado.
         Casa quer dizer clima de família.
         Casa quer dizer relações afetivas.
         Casa quer dizer chamar as pessoas pelo nome.
A casa torna-se cada vez mais confortável, porém sempre mais impenetrável e inacessível. Curioso o apelo do Concilio Vaticano II aos Padres: Vossa casa seja acessível a todos! (P.O. 1303).
Mas, em que se transformou a nossa casa?

Inacessível fortaleza ou
Acolhedora ternura?

Nas  periferias onde trabalhei por muitos anos, as casas eram sempre abertas para as reuniões dos grupos e ainda para as refeições. Hoje a nova cultura da pressa e da privacidade e as exigências profissionais tornam proibitivos  estes encontros que tanto favorecem a partilha. Nos primeiros anos do cristianismo as reuniões, as liturgias e a convivência ocorriam sempre nas casas. As perseguições não permitiam manifestações públicas. Quando as basílicas substituíram as casas e ser cristão não era risco de martírio, as comunidades se esfriaram. Os historiadores afirmam que muitos, como forma de contestação,  assumiram a vida eremitica, forma radical de sobriedade e de novo martírio, as vezes de formas bizarras. Logo os  eremitérios se transformaram em mosteiros, espaço sagrado para viver em comunidade a relação com Deus, com a criação e com os irmãos. Casas, basílicas e mostérios foram os espaços sagrados.
A casa dos cristãos deve reabrir-se
como espaço privilegiado e afetivo para congregar os fieis.
Igreja doméstica escreveu Carlos Carretto na Itália e Pierre Babin na França: igreja sempre inspirada nos primeiros cristãos.
As igrejas domésticas, pequenas comunidades reunidas nas casas, quando congregadas nas igrejas paroquiais tornam-se comunhão de comunidades. Recentemente a Conferencia Episcopal dos Bispos do Brasil definiu a  paróquia como comunidade de pequenas comunidades. (Estudos, 104, Nº 44).
É um chamado repetido desde faz meio século, mas não fácil de ser realizado. Somente se realiza a comunidade, onde as pessoas são chamadas pelo nome, onde  se partilham as experiências de vida e, como diz o Papa Francisco:
uns cuidam dos  outros na alegria e na dor.
Vivemos fechados nas nossas casas...com sede de nos relacionar, mas somos muito orgulhosos e não permitimos que outros nos conheçam. Eis a lição que apreendi. Tenho vivido entre pobres e ricos. Os pobres e aqui entendo os pobres da primeira bem-aventurança, se relacionam e partilham. Os ricos e aqui entendo os ricos da primeira maldição, se fecham nas suas casas, fortalezas impenetráveis. Por que criar  desde agora um inferno aqui?
Para que nossa casa seja o átrio do Paraíso, é necessário tê-la sempre aberta aos outros, disponível para relacionar-se sempre mais. O Paraíso é eterno júbilo para a eterna comunidade, relação, pericorese na Santíssima Trindade.

II) Relação com a  criação

A cultura ecológica fez passos de gigante. Nós fomos como acordados de um sono que poderia ser fatal e que nos tinha deixado inconscientes de um perigoso desastre ecológico.

* O homem ou as coisas?
O homem é o centro da criação, não são as coisas.
 Uma experiência vivida vale mil elucubrações.
 O rio da pequena cidade, onde fazia uma missão,  tornou-se depósito de todas as imundícias.  Os ecologistas organizaram uma equipe de voluntários para uma limpeza.     O mutirão deixou o rio límpido como um cristal. Eu propôs um segundo projeto mais exigente, porém não menos urgente:
Desintoxicar os jovens e os adolescentes
De todas as imundícias que chegam através da internet
e outros médios de informação.
A proposta se realizou com um modesto, mas fecundo retiro espiritual. A nova cultura ecológica não deve esquecer o primeiro inquilino. Deus preparou um maravilhoso jardim e colocou o ser humano como hospede e custódio, porque só o homem recebeu o sopro divino.
Não esqueçamos, mas enfatizamos sempre a centralidade do primeiro inquilino.  Repetimos:
Deus dorme nos minerais,
Deus sonha nos vegetais,
Deus se acorda nos animais,
Mas Deus somente ama e age no ser humano.

*-Relação que liberta

Nossa relação com a criação e as criaturas deve ter uma hierarquia. Quando o apego aos bens da criação nos escraviza, devemos libertar-nos. No Evangelho vemos a confirmação: Ou Deus ou as riquezas. Na Bíblia vemos a hierarquia: Deus, o homem, as coisas.
Um presidente do Brasil, numa infeliz entrevista confessou: Prefiro o cheiro  dos meus cavalos ao cheiro do povo. Precisava  bani-lo com seus cavalos, mas o povo brasileiro é tolerante.
 Uma célebre atriz francesa conhecida como  BB foi , foi ainda mais infeliz ao declarar:  “ Meu filho? O pior tumor da minha vida. Prefiro dedicar-me aos animais abandonados.”
O Papa Francisco nos deu a melhor definição de ação pastoral: O pastor deve cheirar a ovelhas, o povo de Deus.
Toda a criação está a serviço do homem: pode ser usada sem ser abusada. Os bens da criação não nos podem aprisionar. Frequentemente tornam-se os donos dos donos. Se de um lado vi tantos gestos de solidariedade num  povo generoso, não posso calar as formas mais brutais de violência e exploração. Em muitos latifúndios o boi engorda e o vaqueiro emagrece.
Os filhos dos latifundiários obtêm o doutorado em Oxford ou Paris e, os filhos dos vaqueiros continuam analfabetos por gerações.
Vi recentemente em Roma  pessoas idosas remexer nas latas de lixo alguns restos de comida. E há quem pode permitir-se cruzeiros e suntuosos banquetes aumentando ainda as próprias poupanças.
Muitas vezes Deus permite desastres para acordar-nos e redescobrir os verdadeiros valores. O numero dos tripulantes para  servir no cruzeiros Costa Concórdia era maior dos passageiros. Pobres e ricos ficaram todos náufragos na Ilha do Giglio.
Deus não castiga,  mas às vezes nos envia sinais para colocar tudo no devido lugar: somos todos pobres ...dependentes e eternos náufragos da vida.

III)  RELAÇÃO COM O TU- TUDO

* Mergulhados  em Deus
Deixamos esta relação por último, a mais importante. Por quê? As pessoas devem insinuar: Não pare em mim. Vai  além , vai ao TUDO. Na relação entre as pessoas sempre há um ponto intransponível. Nunca a intimidade será plena e completa. Mesmo os  amigos e os esposos mais unidos, sempre  chegam ao limite intransponível. O amigo verdadeiro ou o conjugue  leal deve confessar: não quero decepcionar-te, eu sou  frágil, inconsistente e ainda infiel. Vai ao TU mais consistente e forte, vai ao TU – TUDO. A criatura deve elevar-se ao Criador. As coisas podem nos escravizar e frear a caminhada para o Criador. Podemos ainda deixar-nos sugestionar ou ser hipnotizados e tornar-nos cegos e surdos. A relação com Deus, motivada, cultivada e sempre verificada com exames periódicos chama-se oração e é a maior prevenção aos apegos  terrestres. Bem escreveu Santo Agostinho:

Se pensas sempre no céu... então tu és céu
Se pensas  sempre na terra, então tu és terra . (Sermão, 118,1).

Flaubert completa: Se pensássemos sempre no céu, acabaríamos tendo asas. Eu acrescento: Porém como pensamos sempre na terra, acabamos tendo patas.
A oração cultivada por todas as religiões é a maior terapia preventiva contra todas as doenças físicas e psicológicas. Alex Carrel no livro “O homem, esse desconhecido”, fundamenta o valor terapêutico da oração.
Aqui não falamos ainda da pericorese trinitária, mas da relação com Deus, comum aos muçulmanos e aos budistas. Carlos de Jesus ficou impressionado da oração dos muçulmanos. Mais tarde encontrou uma resposta no cristianismo.

*- A relação afetiva e jubilosa.

A oração deve tornar-se afetiva e alegre. Liturgia fria, oração metralhada, homilia alienada da realidade não educam à  relação com Deus, que deve ser afetiva. Os sentimentos favorecem a relação e nos levam a um jubilo mais completo... A liturgia quer sensibilizar os cinco sentidos para chegar ao sexto sentido, que já é a fé pura que nos faz crer sem ver: dom puro e gratuito que é a mesma vida de Deus em nós.
Jesus nos exorta a não multiplicar as palavras. Eis o segredo: banir as excessivas palavras e ainda os muitos pensamentos. São Inácio de Loyola nos adverte: Um só pensamento que toca o coração e nos encoraja para uma conversão de vida.
São Bernardo nos dá a oração mais curta e mais eficaz.
Inspirando diz: MARIA.
Expirando murmure: JESUS... com Maria e em Maria.
A oração é o respiro da alma e agora respiremos lentamente e permanentemente. Orar é sentir-se habitado pela Santíssima Trindade.
Disse o Mestre: “Viremos a ele e nele faremos a nossa morada.” (Jo 14,21). Não estamos mais sozinhos, temos três inquilinos. È assim que são Inácio de Antioquia vivia a união com os Três.

*- És cristão? És habitado!

O cristão é habitado pelos Três, existe dentro de si uma nova vida, é  uma força que nos empurra  sempre para diante sem cansar-se.
Existem cristãos sempre cansados, omissos, mas existem aqueles incansáveis, pela força dos  três inquilinos. Elisabete da Santíssima Trindade é a poetisa que canta a inabitação dos Três em nós com páginas admiráveis.
São Inácio de Antioquia parecia possuído por uma força misteriosa que o mesmo Imperador Trajano queria  descobrir. O insultou com palavras de fogo: “ Tu tens o diabo, és um diabo-foro!” Inácio respondeu com serenidade: “ Sim, tens razão, tenho em mim Alguém,  não o diabo, mas tenho Jesus Cristo dentro. ]Eu sou um Cristo-foro! Carrego o mesmo Cristo!”







MEDITAÇÃO 3
DEUS ESCOLHE OS POBRES
Introdução:
Fome para inquietar, pão para alimentar.

      “Feliz o faminto... porque será saciado, mas ai do farto... porque passará fome”.
 A linguagem paradoxal do Mestre continua ecoando: sempre atual e sempre exigente.
Quem é o faminto?
É aquele que sempre procura, nunca se acomoda.
É aquele que descobre e redescobre dois abismos: o próprio eu, com suas potencialidades e defeitos...E o tu absoluto, a bondade e a ternura de Deus.
A bíblia chama de anav o faminto pobre que confia no poder de Deus.
Anav é o alarmante de Deus: o nome de anav é “dependência”. Ele grita que nós somos “dependentes”, que nós somos fome.
Estamos vivendo um momento intenso de “Igreja”.
Milhares de anawim, cristãos humildes e ousados, liderando comunidades e movimentos populares, estão aí no nosso meio.
São eles que constroem, tijolo sobre tijolo, um novo modo de ser Igreja.
O passado caracterizou-se pelos estilos de igreja de pedra: românico, gótico, clássico, barroco, neoclássico, neogótico...
Hoje as igrejas-comunidades de pessoas se caracterizam por estes cristãos-anawim. É a igreja que nasce da base.
É o Espírito Santo que sacode as estruturas sem vida para dar espaço... À eterna novidade: o Evangelho.
Todo cristão-anav é fome... Capaz sempre de receber, mas é também pão... Capaz de sempre dar e repetir.
Há quem gosta de dividir a Historia em fluxos e em refluxos, em períodos e épocas.
Os períodos são os momentos calmos: as águas correm nos leitos dos rios com tranqüilidade, os fatos se sucedem sem escândalos e sem heroísmos, mas também com muita mediocridade.
As épocas são os momentos fortes: as águas provocam enchentes, acordam e até exigem gestos de heroísmo e de solidariedade. São os momentos de crises, às vezes mortais por isso são tempos que exigem mais vigilância.
Há quem gosta mais dos períodos do que das épocas e há também quem não só gosta das épocas, mas ate provoca a época. São pessoas que “marcam época”, no dizer popular.
Sem duvida o Concílio Ecumênico “marcou época”, provocou crises, denunciou com a violência do Espírito Santo a fragilidade das nossas embarcações. O descompasso entre nossos métodos pastorais e vida real apareceu em toda sua dramaticidade. João XXIII profeticamente interpelou todos os cristãos:
“Saí do torpor e do fechamento, arejai a igreja. É preferível o risco das enchentes ou o da violência do vento, ao comodismo das seguranças humanas”.
O mundo advertiu outros terríveis descompassos. O que adianta conquistar espaços no universo, pisar na lua adquirir novo domínio cósmico, quando o homem não está no centro de tudo? Ao progresso tecnológico corresponde uma maior humanização da humanidade?
Após duas décadas do Concílio Vaticano II, estamos ainda na “época” profética ou já nos acomodamos num “período” de tranqüilidade?
A época conciliar conseguiu uma mudança na raiz ou apenas modificou o verniz da Igreja?
Os anawim são os construtores das novidades; abafados, as vezes, contudo voltam para nos inquietar.
Mas afinal não somos chamados a ser anawim?

     Seja você um ANAV:
     fome para inquietar,
     pão para alimentar.




I

Parte

Fome e pão

 
PARÁBOLA DA PESSOA HUMANA

1. Socorro!... Eu preciso de ti

A criança nasce e já chora: a mão entende. O choro é um apelo: “socorro eu preciso de ti”. Assim começa a parábola da pessoa humana. Os anos passam, a criança cresce, o adolescente quer ser independente, mas sempre precisa de alguém. Velha e doente a pessoa com um gemido apenas perceptível, ainda pede: “socorro! Eu preciso de vós...”. E os parentes atiram-se sobre o agonizante, mas inutilmente. Assim termina a Parábola da pessoa humana. Ridículos são os seres humanos que forram a própria pessoa com plaquetas da auto-suficiência: “eu não preciso de ninguém...”; “não entre, aqui não há vaga”; “eu não quero favores de ninguém”. Antes ou depois, consciente ou inconsciente, todos chegarão à mesma conclusão: “eu sou um dependente de todos. Preciso de todos”.

2. As três fomes... E os três pães

Os gregos, com sua filosofia, quase esgotaram todas as possibilidades do pensamento humano. Analisando a fome da pessoa distinguiram três fomes e correlativamente três pães. Quem é o mais faminto? O menor abandonado na rua? O jovem motoqueiro sem rumo? O monge sedento de Deus no seu mosteiro?
Todos procuram uma resposta, um pão, um caminho. A criança recém-nascida procura o seio para alimentar-se, o jovem procura respostas aos problemas da vida, e há momentos em que todos procuram o “além”. Há pão na mesa, há respostas para a inteligência, contudo, o ser humano procura ir além, sempre além... Quer encontrar o pão que satisfaça o intimo mais intimo do ser.

ü     Para o corpo (soma) eis a comida, o ar, o sol, o lazer.
ü     Para a mente (psique) eis a cultura, a escola, os livros.
ü     Para o espírito (pneuma) eis... o caminho inédito para cada um, a resposta última.

 Não pode haver pessoas reais e plenamente humanas, se faltar o pão para os três níveis de fome.
 Na atual situação mundial, milhões de pessoas não conseguem matar a fome corporal. Está é a fome básica, terrivelmente presente em nosso meio como um escândalo, por sermos um país rico de alimentos. O escândalo, diz o documento de Puebla, se reveste de maior gravidade por estarmos num país cristão católico, pois enquanto uns esbanjam, outros morrem de fome; enquanto poucos têm muito, muitos têm poucos. As três fomes estão interligadas: sem o pão para o corpo, não se podem saciar as outras fomes. 

3. O ser humano é fome!

Lutero deixou como última mensagem uma revelação dramática: ”o homem é um eterno mendigo”. Afinal quem é o homem? O homem é fome, é procura é pergunta.

Quem colocou dentro da pessoa esta fome e sede?
Pois é a ela que nós pediremos o pão e a água.
Dele exigiremos uma resposta.

“Como a terra deserta e árida pedindo chuva...” (sl. 63,2).
“Como a corça suspira pelas águas da torrente...” (sl. 42,2).
Podemos cavar mil poços, sempre encontraremos águas salgadas que não nos saciam. Santo Agostinho bem respondeu: “Senhor, fizeste-nos para ti, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousar em ti”. (Santo Agostinho, confissões, Edições paulinas, São Paulo 1984, 418 pp.; ver livro I, 1, p. 15).
Sim, a pessoa humana é saudade de Deus.
A pessoa é sede.
A pessoa é água.

Antes da multiplicação dos pães, foi Jesus que percebeu primeiro a fome do povo. O cap. 6 de S. João é capitulo da fome e do pão. Jesus dá o pão aos famintos, mas lembra outra fome e outro pão.”Vós me procurais, não por haverdes visto milagres, mas porque comeste dos pães e vos saciastes. Procurai não tanto o alimento que perece, mas o alimento que dura para a vida eterna”.(J0. 6, 26-27). Em seguida desvenda o mistério:
“Eu sou o pão vivo que desceu do céu...”
Só ele pode matar a fome mais profunda do ser humano.

Qual a diferença entre o cristianismo e as outras religiões?
Nas outras religiões a pessoa procura a Deus.
No cristianismo é Deus que procura a pessoa.
O PÃO procura... a fome!
A ÁGUA procura...a sede!

A fome-fome

Chamados de fome-fome aquela básica, a primeira, a falta de alimentação necessária para viver. No Brasil a fome é uma realidade. Talvez em outros países seja pior, enquanto que, em outros ainda, não é uma realidade, mas apenas tema de literatura.
O que entendemos por fome-fome? O homem precisa de 2.700 calorias diárias que representam uma alimentação necessária. Com menos de 2.700 calorias, o corpo já sofre e, conseqüentemente, também a parte psíquica fica atingida e prejudicada. 28% da humanidade alimentam-se com mais de 2.700, 12% com 2.200 a 2.700, enquanto que 60% não chegam a 2.200 calorias.
No Brasil, estes contrastes são ainda muito mais evidentes; uns esbanjam e outros morrem de fome.


1.      Fome oculta

Fome oculta é aquela que resulta da situação de injustiça da sociedade. Esta fome não aparece, mas é uma realidade que atinge a maioria dos brasileiros. A população de 2 milhões cada ano e o consumo de leite, de carne e outros alimentos decai de 10%. Em 1983 o salário aumentou 142%mas o preço dos alimentos aumentou 213%. A maioria da população sobrevive em estado de fome permanente.

2.    Fome ostensiva

É a fome que aparece mais claramente por ocasião das calamidades públicas, das quais a maioria é o contraste seca-enchentes do nordeste. Dos 22 milhões de nordestinos atingidos pela última seca, cerca de 10% foram “privilegiados” por terem conseguido trabalho nas frentes de emergência, ganhando 1/3 do salário mínimo...

3.    Causas da fome

O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos. Como então pode aumentar cada vez mais a fome? As causas são evidentes.
Eis as causas falsas apresentadas como verdadeiras:

A). O aumento da população. Enquanto nestes 30 anos a população duplicou, o PIB (Produto Interno Bruto) triplicou. A renda per capita passou de 600 dólares para 2.000 dólares. Não é, portanto o aumento das bocas que causa fome, pois o bolo a ser repartido cresceu mais ainda.

B). O povo brasileiro é preguiçoso. Os burgueses têm a ousadia de acusar os brasileiros (excluindo naturalmente a si próprios... que seriam, neste caso, de outro planeta) como preguiçosos. Na verdade esta causa de fome não é real. De todos os povos podemos dizer que são trabalhadores e preguiçosos. Se o nosso povo pudesse morar nas casas que constrói, comer a comida que produz, trabalhar na terra que quer... estaria no paraíso terrestre. O nosso povo é trabalhador tanto quanto os outros povos desenvolvidos.
Mas as causas verdadeiras são as seguintes:

A). O problema da terra. Terra sem colonos (latifúndios) e colonos sem terra, apinhados nas favelas. Aqui fazendas para o boi engordar, acolá cortiços-formigueiros de famintos.

B). Nação espoliada pela divida externa. Para satisfazer às exigências que lhe foram impostas, a nação foi submetida a um prolongado processo de espoliação. E o povo que arca com taxas de inflação nunca atingidas. Para pagar a divida externa aumentam as exportações e comprimem as importações.

C). Gastos com armas e obras faraônicas. Para conquistar posições de comando e de poder público, gastam-se somas enormes para construir armas...e o povo passa fome.

D). Sociedade consumista. Os meios de comunicação fazem propaganda de produtos supérfluos (eletrodomésticos, roupas...) envolvendo o povo em prestações contínuas, enquanto lhe falta a comida básica. 
 

4. Justiça cristã, pão repartido


O problema da fome só terá solução satisfatória quando houver justiça. Num país onde milhões de pessoas ganham menos que um salário mínimo e os privilegiados chegam a 200 ou 300 salários, é evidente que a fome começa a ficar subversão. A causa da fome é a injustiça, e o efeito da fome é a violência. Um povo faminto é capaz das maiores violências. A história, mestra da vida, já nos ensinou a lição. Dos saques da Revolução Francesa até os nossos no Brasil, a explicação é sempre a mesma. Só acabará a violência-subversão quando acabar a fome.
Um amigo, modesto industrial, sempre me repete um estribilho:

“Vocês, padres e bispos, pregam a luta de classe, mas a subversão do povo será contra vocês”.

Eu também repito um estribilho:

“Não é a nossa pregação subversiva, mas é a fome...
Um povo faminto é capaz de qualquer violência”.

O cristianismo prega a justiça, o contrario da violência.
O sonho de Deus é que todos comam no mesmo prato, que o escândalo do luxo de alguns e a miséria de outros tenha a solução na solidariedade-justiça.
Mais adiante voltaremos a esse tema.
          NO PRINCIPIO ERA O PAI,
          NO PRINCÍPIO ERA O PÃO


1. Pai e pão

Um confronto pode abrir horizontes.
“No princípio era o verbo”, diz S. João (Jo 1,1).
“No princípio Deus criou o céu e a terra” diz o Gênesis (Gn 1, 1).
O que significam estes dois versículos?
O pai é o começo de tudo.
O pai cria tudo de que precisa o ser humano: a terra para produzir o pão, a água para regar a terra e para beber, o sol, o ar...
Tudo que foi criado é bom... porque o criador é a bondade.
Enfim aparece o homem... a criatura precisa de pai e de mãe, de afeto e de comida.
Podemos agora resumir:
No princípio era o Pai, a bondade... que no princípio criou o pão ara todos. Depois veio a “Fome”... a doença e todos os gêneros de escravidão.

2. A fonte da vida

A bíblia revela um Deus-comunidade três:
 Um só Deus em três pessoas, um mistério de Amor, de comunhão e de participação.
Nenhum raciocínio consegue explicar: mais do que raciocinar, é necessário contemplar, orar e amar.
A fome de toda vida e de toda fraternidade está no Mistério dos três: Pai—Filho—Espírito Santo.
Os primeiros cristãos, celebrando o rito batismal, mergulhavam os catecúmenos na grande bacia (batistério) por três vezes, dizendo: ”Eu te lavo (mergulho) na pessoa do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.
Os três mergulhos simbolizavam a morte do pecado e a subida indicava a ressurreição à nova vida.
A vida pode ser vista sob três aspectos: a Bondade, a Verdade e Beleza.
O bem também é verdadeiro e belo. Os três são um, mas são três aspectos da mesma realidade.
   
O pai é a bondade.
O filho é a verdade.
O Espírito Santo é a Beleza-júbilo. 


O relacionamento entre os três é um relacionamento de Dialogo—Amor –Ternura.
Periodicamente Deus nos manda reflexos da fonte de Vida.
Umas pessoas parecem revelar mais um aspecto do que outro.
Todo cristão é chamado a mergulhar na Trindade: em todo sinal de cruz... em toda oração... nós sempre invocamos os três.

3. quem é então a pessoa?

A pessoa é a imagem e semelhança da Trindade.
A pessoa humana é bondade, Verdade e Beleza.
Bondade sem Verdade ou Verdade sem Bondade, não podem ser Beleza-júbilo. No rosto de toda pessoa devem brilhar os três.
Quando contemplamos a criança, filha de amigo, logo descobrimos:”Você tem a cara de seu pai”.
Que todas as pessoas, vendo o nosso rosto... sintam vontade de conhecer os três... sintam a febre da saudade mais maravilhosa:

“Quero conhecer a Fonte... Tu és apenas um espelho... Quero ver o original, a fonte”.

O primeiro mártir da comunidade primitiva tinha no rosto o brilho da Trindade: “todos os membros do Sinédrio, com os olhos fixos nele, tiveram a impressão de ver em seu rosto o rosto de um anjo”(at 6, 15).
Um jovem deve ter ficado muito impressionado, tanto que mais tarde, a um novo apelo de Deus deu o seu sim, e de perseguidor tornou-se apostolo.
A conversão de São Paulo começou no dia do martírio de Santo Estevão.
Os cristãos, agora e aqui, não têm hoje a mesma missão de irradiar pela vida afora o brilho da Trindade, como o fez Estevão.


Encarnação do verbo—divinização do homem

Vasculhando no íntimo do coração humano parece que, avançando a idade, os problemas aumentam e nem sempre são encontradas as soluções.
A parábola da pessoa humana é um grito de fome.
Qual o pão que o cristianismo oferece?
Milhões de jovens nos interpelam: “Qual a resposta que vocês adultos nos oferecem aos problemas da vida?”.
A resposta deve ser...
      simples, sem retoques barrocos
      sincera, sem rodeios inúteis
      imediata, sem adiamentos calculados.

O adulto parece menos livre. A experiências, às vezes, nos torna demasiadamente prudentes, então lançamos mão de mil mecanismos de defesa.
Penetremos no mistério de Cristo: Ele é a Resposta.




1. O Essencial do essencial

Os jovens nos perguntam: “Afinal, o que é o essencial do essencial? Se viver é experimentar uma sede ardente e uma fome insaciável, onde encontrar água e pão?”
Os primeiros cristãos encontraram uma formula que resumiu o essencial.
Comunidades do oriente e do ocidente, meditando o mistério de Cristo, concluíram:

“DEUS se fez homem para que o homem se Deus”.

A formula, que contem o essencial do essencial, foi comentada ao longo da historia por filósofos, teólogos, poetas, pastores, catequistas. Santo Irineu de Lião parece ser o autor dessa fórmula.
Logo, podemos perceber dois protagonistas Deus e o homem, e um verbo de ligação. Assim podemos reformular:
“Deus se torna homem para que o homem se torne Deus”.
Dois são os aspectos do mesmo mistério:
ü     Encarnação do Verbo.
ü     Divinização do homem.

A primeira parte é mais clara: todo o Novo Testamento revela o mistério da encarnação.
A segunda parte já aparece mais ambígua: ”Divinização do homem”.
Foi esta a insinuação do maligno a Adão e Eva: “sereis deuses e os vossos olhos abrir-se-ão”.
De um lado o Gênesis apresenta, como “orgulho”, o desejo de ser como Deus, e de outro lado, todos os livros do Novo Testamento nos revelam a meta mais sublime: ”ser como Jesus” — a tal ponto que S. Paulo na carta aos Gálatas escreve: ”Não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim” (GL 2,20).
A solução a este dilema encontra-se na mesma revelação do Novo Testamento.
Adão e Eva querem realizar o próprio projeto sem Deus, Paulo de Tarso sabe que nada é possível sem a graça de Deus.
A divinação do homem é o prolongamento do mistério da encarnação do Verbo.
“De sua plenitude, todos nós recebemos...”
O Verbo armou sua tenda no nosso meio para que mergulhássemos na mesma Vida de Deus.

2. Mistério

Todas as vezes que ouvimos esta palavra “mistério” ficamos confusos. Uma literatura catequética infeliz, durante séculos, definiu o mistério como “algo que não conseguimos entender”. Sobretudo os jovens questionam: ”porque Deus nos criou racionais, com a faculdade de entender, se de agora em diante do não podemos entender?”
É como se um professor de química quisesse explicar com perfeita didática a matéria, porém, falando em uma língua desconhecida. Seria isso uma loucura.

Mistério não é algo que não conseguimos entender, mas... o que nunca terminamos de entender.

Sim, mistério é uma aventura de descobertas, de novidades e de horizontes sem fim.
Mistério é a explosão de respostas aos problemas da vida: nunca teremos respostas completas... Toda resposta desencadeia outra pergunta e assim nos aventuramos cada vez mais no mistério.
Mistério é um poço inesgotável. Podemos cavoucar... sempre há água, cada vez mais água... e água mais cristalina.
Mistério é um leque que se abre para o infinito, não há estacionamento. É preciso ir sempre em frente. Os que pensam já ter “chegado”, os que se acham já perfeitos... ainda não mergulharam no mistério.
Mistério é também um risco, com agradáveis surpresas e responsabilidades exigentes.
Que tem medo das responsabilidades, foge também dos riscos.
Entrar no mistério de Cristo é arriscar.

3. Maria, teu nome é mistério.

Se o essencial do cristianismo é a encarnação do verbo e a divinização do homem, então Maria esta no centro de tudo.

Podemos proclamar com toda ternura:
“Maria, teu nome é mistério.
Maria mãe, teu nome é Graça...
Tu foste a primeira que entraste no mistério,
a primeira que disseste o sim
para que o Verbo se encarnasse”. 

Com S. Bernardo, nós agradecemos a Maria pelo seu sim, pela sua disponibilidade.
“Obrigado, Maria, por teres dito a tua palavra, assim recebeste a PALAVRA, o Verbo de Deus”.

Todo cristão, com Maria,
diga a palavra
para receber a PALAVRA.

O cristão é convidado a dizer o seu sim para que o verbo se encarne.


 


Como o pai: um projeto ousado


1. Sede como o Pai

O apelo de Jesus -- “sede como o Pai” — parece desproporcionado à nossa fragilidade: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste” (Mt 5, 48).
O Mestre aponta uma grande meta: ser como o pai.
Todos os profetas de todas as religiões apontam grandes ideais. Aceitar a realidade como é, sem reagir, seria torna-la pior. Bem escreveu Goethe para os educadores:

“Se tomamos o jovem como ele é, tornamo-lo pior; se tomarmos o jovem como deve ser, certamente o ajudamos a tornar-se melhor”.

S. Paulo, nas suas cartas, insiste sobre a meta do homem: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1Ts 4,3; Ef 4,4).

2. Um projeto ousado: sede santos

O Concílio Vaticano II (Gaudium et Spes, n. 13) apresenta as três etapas da história da salvação, que são também a minha e tua história.
Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança... criou o homem livre na total ausência de pressão externa ou interna.
Deus projetou e pensou em mim desde a eternidade como sua cratura e seu filho. O projeto de Deus foi ousado: eu sou um projeto de liberdade.
Mas o homem, instigado pelo maligno (Gaudium et Spes, n. 13) serviu às criaturas em vez de servir ao Criador. O homem quis mudar o projeto, realizou outro projeto, conforme os próprios cálculos... e foi o desastre.

Não assumindo o projeto de Deus eu me autodestruo: eu fico uma gota do mar separada das outras, eu evaporo. Como galho separado da videira, eu seco.

Pelo pecado o projeto de Deus é destruição; a minha vocação fica um aborto, uma vida destruída.
O Filho, o Verbo, se fez carne para que o homem tivesse outra chance, para que o projeto ousado se tornasse novamente possível. Todo homem é chamado a realizar um projeto maravilhoso e ousado, mas unicamente pelo poder e pela graça de Jesus Cristo.

3. Santidade é unidade ao pai.

O pai é único.
Se Deus é único, não pode haver outros seres: pois ele é o único. Ele existe. Ele é o único que existe, pois só ele pode existir sem depender dos outros.
Como pode ser o Único, se existe também o homem?
Como podem coexistir...? Se Deus é o Único, se Deus é tudo, pode ter outro ser? Se Ele enche o Universo, pois Ele é o Tudo, como podem existir outros...?
Foi por isso que os maiores homens da história assim oravam: ”Meu Deus, meu Tudo”, ou reconheciam: “Deus é tudo, eu sou Nada”.

a) Solução: o amor transforma o homem

O homem não poderia nem abrir a boca e dizer a palavra “Pai”, mas pelo poder-graça do próprio Deus o homem pode, só e unicamente na medida em que está unido ao Pai. O homem foi assumido pelo Verbo, o Filho. Em Jesus, o homem não foi destruído nem separado, mas unido ao Filho, que se chama Jesus Cristo, plenamente humano e divino.
O cristão, pelo batismo, entra a fazer parte da Família Divina: torna-se “Filho no Filho”.
S. Paulo é o maior cantor desta união do Cristo e do cristão.


b) Morte aos ídolos

Nós somos idólatras: temos mil ídolos.
Deus nos pede o desapego. Deus é ciumento. Quer ser o único amor e não tolera outros amores.
 É p0reciso deixar os ídolos: sair, sempre sair.
Abraão é o primeiro que ouviu o apelo de Deus. “Sai da tua terra”. E Abraão sacrifica o afeto da própria terra: tornou-se migrante... sem raízes. Deus é sua pátria.
Em seguida Deus lhe pede:
 “sacrifica teu filho”.
E Abraão está pronto. A terra pode virar ídolo, como também o filho. Mas Deus poupa-lhe o filho para que Abraão saiba que Isaac não lhe pertence mais, Isaac é de Deus.

c) Santidade é unidade

Toda vida cristã é uma vida de união com Deus.
Deus quer que sacrifiquemos o que temos de mais querido, e quando ele poupa é só e unicamente para que sintamos que tudo lhe pertence. Vida realizada é só a vida vivida em união com o Pai. Não seria isto esquecer o próximo?
Quem vive unido ao pai, acaba amando os filhos do Pai:
Unidade com o Pai é comunidade com os irmãos.
E por que ficamos sempre na mesma?
Aqui está a razão mais profunda: a raiz de tudo.
Enquanto estamos preocupados em defender os nossos ídolos (idéias, atitudes, coisas...) nossa “vidinha” se atrofia na mediocridade.
Os santos são aqueles que tomaram a serio o Evangelho.
“Quem quiser seguir-me renuncie a si mesmo...”
O sacrifício dos nossos ídolos nos custa, mas só é difícil o primeiro passo.
Quem tomar da Água Viva... deixará os poços de águas salgadas. Se temos poucos cristãos, é porque poucos chegaram a saciar-se da Água Viva.
Temos que procura-la cada dia.
Agora tudo fica claro: o projeto ousado é a santidade.


Quem é Santo?
n     É o homem que quis só uma coisa.
n     É o homem de uma só peça.
n     É o homem que assumiu o projeto de Deus.



Orar ao pai: os sete céus da oração


1. Orar ao pai é escutar

O texto bíblico que oficializa a oração de Israel é um convite a ouvir – escutar a Deus.
“Schema, Israel, Adonai...” “Escuta, Israel, a Deus” (Dt. 6,4-9).
A vocação do homem é de ouvinte: ouvir que Deus é um só... e ama-lo.
Orar não é ver nem entender, mas ouvir.
Beethoven, já surdo, não escutava, mas via os músicos...
O cristão, ao contrário, deve sempre escutar... sem ver... a Deus.
Orar é ouvir a palavra interior, ou seja, o Verbo, que é a palavra do Pai.
Jesus, o Filho de Deus encarnado, é a palavra que deve ecoar no intimo de cada homem: o mistério da encarnação, a palavra que se faz carne, não acontecesó em Maria, mas em todo cristão.
Orar é ouvir o Pai que se revela em Cristo.

“Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o!” (Mt 17,5).
Escutai—Executai—“Fazei tudo que Ele vos disser” (Jo 2,5).

Enfim, orar é ouvir:
“O espírito de Jesus que em nós diz: Papai”. (Gl 4,6)

2. Os sete céus da oração

Parece que a longa caminhada-descoberta da oração passa por etapas que são novos horizontes ou novos céus:
São sete como os dias da semana, sete como os dons do Espírito Santo.

a) Admiração

Diz a Bíblia:
“Olhai as aves do céu... considerai como crescem os lírios” (Mt 6, 25-31).
“Brilham em seus postos as estrelas, palpitante de alegria...”(Br 3,34).

Nós vivenciamos:
Precisamos completar as obras de Deus.
Precisamos admirar os fatos e os prodígios da historia.
b) Interiorização

Diz a Bíblia:
“Entra no teu quarto e fecha a porta  “ (Mt 6,6).
“Conduzir-te-ei ao deserto e falarei ao teu coração”. (Os 2,16)
O filho pródigo entrou em si e disse: ”Voltarei”. (Lc 15,17)
    
Nós vivenciamos:
O recolher-se no silêncio é necessário para orar. Entrar em si significa tomar consciência da nossa identidade.

c) Metanóia—conversão

Diz a Bíblia:
“Arrependi-vos” (mudai de mentalidade)... (Mt 3,2).
“Buscai o Senhor, já que Ele se deixa encontrar” (Is 55,6-8).
“Direi ao Pai: Papai, pequei...” (Lc 15,11-32).

Nós vivenciamos:
Oração e conversão andam juntas.
Na conversão experimentamos a ternura do Pai. A conversão é uma educação permanente, de cada dia.
         
         d) Esvaziamento

 Diz a Bíblia:
Os acolhem a luz (Verbo) nasceram de Deus”. (Jo 1,12).
“Somos filhos de Deus” (divinos) (Rm 8,16).
“Participamos da natureza (vida) divina” (2Pd 1,4).
         
Nós vivenciamos:
O tesouro escondido, a pérola preciosa... é a vida de Deus.
O maior bem é ter a vida de Deus em nós e o maior mal da terra é perde-la.

 f)Encarnação

 Diz a bíblia:
Jesus passou 30 anos como carpinteiro numa pequena aldeia; escondido e encarnado no meio do povo (Lc 2,51-52).
“O reino de Deus é semelhante ao fermento”. (Mt 13,3).
“Vos sois a luz do mundo e o sal da terra“ (Mt 5,13-16)

Nós vivenciamos:
Os cristãos não fogem do mundo, não se fecham em mundos artificiais, mas assumem o nosso mundo. Há mais alienados (fogem dos problemas) fisicamente no mundo do que monges fisicamente fora do mundo.
Encarnado é quem assume o seu lugar, vocação, missão com a força transformadora do Evangelho.

         g) Louvor
         
         Diz a bíblia;
“Não a mim, Senhor, não a mim... mas a Ti a glória” (Sl 115,1).
“Tudo o que vive e respira louve ao Senhor” (Sl 150,6).
“Brilhe a vossa luz... para que os homens, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o Pai” (Mt 5,16).

         Nós vivenciamos
Tudo deve convergir a Deus e não ao eu.
Precisamos vencer a tristeza (fossa) que experimentamos por ser esquecidos.
Quando algum se apega à nossa pessoa, precisamos dizer: ”Vai além. Erraste o endereço; vai a Deus e não a mim...”

3.Ou orar ou morer

Orar é respirar. Ninguém agüenta viver, sem respirar.
A nossa autodestruição começa quando deixamos de orar.
A melhor comparação foi dada por muitos santos que respondiam aos questionamentos dos amigos:

“Peixe fora da água morre.
Cristão que não ora...
Ou vai morrer logo, ou já está morto”.



   Mergulho no rio da vida


Se o homem é saudade de Deus, se o homem é sede e Deus é a água, então só nos resta mergulhar no rio da vida (Ap 22,1).
Não se trata de uma fórmula química ou matemática, mas do anseio mais profundo do ser humano. O único lugar do nosso eu é em Deus. O eu ficara no lugar certo: EU + DEUS = DEUS.

1. O primeiro passo: acertar o sentido da vida-rio

A 4.500 metros nos Andes peruanos, no meio de uma maciça geleira e de neves eternas, nasce um pequeno riacho: é começo do maior rio do mundo. Estamos a 110 km do oceano Pacífico e a milhares de quilômetros do Atlântico.
O riacho parece procurar o mar com desespero, contudo não embica em direção do Pacífico tão perto, mas para o Atlântico: aqui já aparece um dos tantos “sem sentidos” da longa marcha. É uma viagem rica de contrastes: do frio das neves eternas até o calor da planície. Centenas e centenas de rios a ele convergem; ele é o rei. Persevera inexorável na sua marcha, não aceita canalizações ou barreiras, busca sempre a unidade. Os rios Purus, Madeira, Tapajós, Xingu e negro formam um tecido de mãos dadas rumando para a vitória. Os riachos que se recusam a unir-se ao grande rio secam e morrem. O rei avança com calma, atira-se ao mar. Percorre ainda 160 km formando turvas pororocas. Quantos dias levou para chegar? Não interessa. Agora sossegou... Pois chegou... Afinal, acertou o sentido.
Não é esta mesma a marcha da nossa vida?
Procuramos a felicidade (mar) com desespero.
Acertando o sentido da vida, é preciso mergulhar no Rio da Vida, no Mistério-resposta.

2. Os jovens interpelam

Todos os esquemas são simplificação, até manipulação da realidade, todavia para facilitar a transmissão da mensagem podemos utiliza-los.
Ouvindo os anseios dos jovens, podemos resumi-los em 5 itens; é a pergunta existencial em 5 dimensões.



a) Sede de dialogo

O ano 68 foi o ano da contestação dos jovens na escola, na política e na sociedade em geral. O autoritarismo foi abalado: os sistemas educacionais tradicionais caíram quase definitivamente. Os jovens pediam e continuam pedindo diálogo. Querem ser ouvidos. Tem formas agressivas e violentas, para conquistar espaços, mas em geral a sede de diálogo é sincera.

b) sede de liberdade

A liberdade sempre foi procurada pelos jovens, mas nestas últimas décadas tornou-se algo até patológico.
Filhos rebeldes, para demonstrar a própria capacidade de serem autônomos e livres, abandonaram a casa dos pais.
É verdade que esta sede de liberdade ás vezes torno-se apenas libertinagem amarrando movimentos inteiros de jovens a alienação escravidões piores do que as anteriores, mas o anseio foi e é autêntico.

c) Sede de comunidade

 Esta terceira sede é apenas uma conseqüência das duas anteriores. Os movimentos de jovens, iniciados com pequenos grupos espontâneos onde o relacionamento imediato favorecia a comunhão de vida, logo se tornaram autenticas massas amorfas e acéfalas. Como nos anseios anteriores, também este de comunidade, por falta de orientação e de educadores capazes, deixou uma triste herança: pequenos grupos fechados e movimentos de massa.

d) Sede de festa

Os jovens gostam de celebrar a vida com mil festas: é o aniversario de vida, é prova superada no vestibular, é a excursão nos campos... A festa é a celebração de acontecimentos importantes e, para anestesiar a monotonia do cotidiano, os jovens programam mil festas. E assim o carnaval não tem mais data. Excluídos da participação familiar, escolar, política, social..., os jovens se refugiam e desabafam os seus problemas nas festas.

e) Sede de universalidade

É um sintomático: os adultos cousstam a aceitar os novos ritmos, os novos gostos, as novas idéias que estão como mancha de óleo se alastrando na terra. Os jovens logo se adaptam, para eles o mundo é uma só pátria. Os velhos, apegados ao patriotismo até bairrismo, ao racismo, ficam perplexos e só confessam: “Não entendemos esta juventude”. Também este anseio de universalidade é um sinal de que são os jovens os construtores da nova civilização do Amor.
No dia 19 de março de 1958, o papa Pio XII, diante de uma multidão de milhares de jovens exclamou:

“Saímos de um triste inverno e entramos numa nova primavera, onde vocês, jovens, serão os protagonistas”.

A profecia realizou-se, mesmo que tudo tenha sido positivo.
Uns vidros quebrados das escolas compensam o rio da vida que os jovens nos trazem.

3. No  rio da vida: mistério pentadimensional

S. João, o cantor da vida, nos revela que a árvore à beira do Rio da Vida (Ap 21, 1) produz 12 frutos, um fruto diferente para cada mês do ano.
Quem mergulha no Rio da Vida fará “obras ainda maiores” do que aquelas feitas por Jesus (Jo 14,12).
O cristão que penetra no mistério de Cristo é prodigiosamente fecundo e criativo: pois o Rio da Vida tem como que 5 dimensões ou aspectos. É neste rio que os jovens encontrarão as respostas.

  a) Mistério dialógico-trinitário

A bíblia nos revela um Deus que dialoga, que é a fonte do dialogo onde a Palavra — presença — Dom circula.
Não há dominados nem dominadores, há pessoas iguais.
O Pai dialoga com o filho e este Dialogo –- União –- Amor chama-se Consolador.
É um diálogo a três num eterno movimento de vida.

b) Mistério cristolagico-libertador



Como o rio da Vida, a Vida Trinitária chega até nós?

“Deus amou tanto o mundo, que entregou Seu Filho único, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16).

Quem pode mergulhar no Rio da Vida?

“A quantos o recebem deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus” (Jo 1, 12).

Pelo Cristo fomos libertados de todas as escravidões.


c) Mistério comunitário-eclesial

A igreja é o novo povo de Deus onde reina a vida fraterna, a comunhão dos bens, a solidariedade.
“Tinham tudo em comum... dividiam os bens... partiam o pão...” (At 2, 42-47).
Encarnada na historia da humanidade, a igreja assume alegrias, esperanças de todos e de cada um.

d) Mistério litúrgico-cultural

Como concretamente o Rio da vida chega agora e aqui?
A liturgia é o cume para o qual tende toda a ação da Igreja e ao mesmo tempo é a fonte de onde emana sua força.
É na liturgia que celebramos a nossa vida na Vida de Jesus: é o lugar da festa, do jubilo, da nova criação, ou seja, da recriação.

e) Mistério missionário-escatológico

O rio da vida não tem fim.
Se o rio da vida parasse não seria mais a fonte da vida.
Ele “jorra do trono de Deus e do cordeiro” (Ap 22,1).
Ele deve alastrar-se sobre todos os povos: eis porque os cristãos têm uma constante ânsia missionária.
“Deus nosso Senhor quer que todos se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade” (1Tm 2,3-4).
“Ide por todo o mundo, proclamai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15).
A meta final do homem é a vida sem fim, a vida eterna.
A vida além da morte foi chamada de “Paraíso”, ou vida escatológica, onde não haverá mais “nem judeus nem gregos”.
 Concluímos com uma celebre frase de santo Inácio de Antioquia:
“Quando chegar lá (vida além da morte) então é que serei homem (imagem e semelhança de Deus)”.



                               II  Parte

Anawim, os famintos saciados


Anav: coração de pobre

1.O mundo sedento de liberdade
O mapa político do mundo é claro. São três forças que disputam o domínio. Há três mundos!
O primeiro mundo: o capitalismo, filho do liberalismo;
O segundo mundo: o comunismo, luta pela libertação dos oprimidos;
O terceiro mundo: vitima dos dois, quer liberdade.

Há povos do terceiro mundo que são chamados de “não-alinhados”, pois querem ser independentes das duas superpotências.
A liberdade não é apenas independência econômica ou política ou ideológica. As amarras tanto podem ser externas como internas. Parece que os presos políticos encerrados nas prisões revelam em seus diários uma liberdade interior que nos fascina. Afinal nos perguntamos: “Quem é livre? O que é liberdade? Quem nos pode libertar?”

2. as pessoas amarradas a ídolos

Sedenta de liberdade, a pessoa acaba se amarrando a ídolos: o ter, o poder, o prazer, que deveriam ajudar o ser, o servir, o amar, o tornar-se bezerros de ouro. Em vez de servir ao Senhor e aos irmãos, acabamos nos apegando aos bezerros de ouro e ao ouro dos bezerros.
A liberdade dos cristãos está na raiz: é a liberdade das amarras externas e internas. A libertação cristã é plena: o homem todo é libertado.

3. Livre é o coração de pobre

Jesus iniciou a sua pregação apontando caminhos de felicidade. “Felizes os que têm um coração de pobre”.
O que significa “coração de pobre?”.
É o coração que sente dois sentimentos quase contraditórios; é o coração que se sente fraco e forte, humilde e ousado.

O coração de pobre sente-se:
Frágil, pobre, dependente, necessitado de tudo...
Forte, amado por Deus, confiante no poder de Deus.

A bíblia não dá definições do coração de pobre, mas apresenta “modelos”.
Na língua hebraica os pobres que confiam no poder de Deus são chamados “anawim”: patriarcas, profetas, reis, camponeses, poetas, pescadores, comerciantes... São apresentados como anawim.
São pessoas que se deixam guiar por Deus, atentas ouvintes aos apelos dele, prontas executoras de suas ordens...
Abraão deixa a sua terra, Jose sofre injustiças, Davi assume uma tarefa, Daniel entra na cova dos leões... Afinal todos confiam no poder de Deus*.
(* Uma breve introdução bíblica ao tema dos “pobres” pode ser encontrada no livro “felizes os pobres”, coleção “Deus fala aos homens”, 64pp., Edições paulinas, São Paulo, 1984).

4.    Quem são os anawim?

São pessoas:
Abertas, não fechadas no próprio EU;
Agarradas em Deus e confiantes na Sua providencia;
Solidárias e misericordiosas, sensíveis aos oprimidos;
Humildes: assumem a própria identidade sem procurar seguranças humanas ou amizades influentes;
Mansas: vivem, nas mãos de Deus sem temer adversidades ou perseguições;
Puras: não se deixam intoxicar por pensamentos ou atos que destroem a própria identidade;
Fortes: não acreditam em “olho gordo”, superstições ou outras crendices, mas só no poder de Deus.

5.    O anav dos anawim

Toda a vida de Jesus é o modelo dos anawim.
Nasce em Belém na pobreza, derrubado o ídolo ter.
Vive no escondimento de Nazaré, desmoronando o ídolo aparecer.
 Assume a humilhação da cruz em Jerusalém, “vencendo” o ídolo vencer.
Jesus derrubou os três falsos deuses: ter—aparecer—vencer.
É uma vida aparentemente fracassada.
É uma vida–mistério: não dá para entender.
Ele mesmo, incompreendido pelos sábios, rezou assim:
“eu te louvo, ó Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25).
O desfecho final de sua vida parece mais ainda um fracasso total: crucificado e morto. Mas logo inicia o paradoxo-surpresa:
Morte—Vida “Se o grão de trigo morre... dá frutos”
Perda—Ganho “ Quem perde sua vida... ganha”.
Humilhação—Exaltação “Quem se humilha... será exaltado”.
 
      
Duelo dramático:
             anav—insuficiente
                        ou auto suficiente?


1. Um modelo de Anav

Os modelos de anawim que a bíblia apresenta são inumeráveis. Jó parece o protótipo, simbolizando o mesmo povo de Israel, o anav por excelência. Todavia o texto sagrado, que relata o encontro entre Davi e Golias, é sem dúvida uma das apresentações mais felizes de toda a literatura bíblica sobre os anawim (1Sm 17).

Temos aqui o encontro frente a frente:
Do anav – insuficiente, fraco, desprotegido e
Do auto-suficiente, forte e superarmado.

O hagiógrafo parece demorar nos pormenores, até cômicos, para realçar a cândida figura do anav Davi.
Saul força Davi a vestir a equipagem real completa do guerreiro prudente, e Davi aceita. Sob o peso da couraça, do capacete e das armas. Davi ainda adolescente, ingenuamente confessa;
“Deste jeito eu não posso nem andar... como poderei combater?”
Davi volta a ser ele mesmo, o pastor armado apenas do , cajado, da funda e das pedras.
Golias avança precedido por seu escudeiro, carregando armas tão desproporcionadas para matar o pequeno inimigo.
Antes da luta há o rito do desafio.
Do confronto aparecem dois estilos diametralmente opostos.

Diz Golias:
“Sou EU porventura um cão, para vires a min com um cajado?”
E amaldiçoou-o em nome dos seus deuses e continuou: “Vem, e EU darei a tu carne às aves do céu e aos animais da terra” (1Sm 17,45-47),

 O duelo durou pouco: uma simples pedrinha de Davi feriu o gigante que caiu com o rosto por terra. Foi logo degolado pelo pastor com a mesma espada que Golias carregava.

2. Do Senhor é a vitória

O anav é ao mesmo tempo frágil e forte: senten-se desproporcionadamente fraco diante das batalhas da vida, mas sente no seu íntimo uma confiança ilimitada no poder de Deus. Um peqeno versículo do livro dos provérbios nos alerta com estilo incisivo:
“Prepare-se o cavalo para a batalha a, contudo a vitória pertence ao senhor” (Pr 21,31).
Na vida do anav não pode haver nem a sombra de qualquer vaidade ou orgulho.
E nós todos estamos encharcados de soberba...
Temos uma doença crônica: onde passamos queremos deixar a nossa assinatura. Consideramos uma propriedade as boas obras que fazemos e, o que é pior, tentamos divulga-las para ser elogiados. ”Eu fiz... Foi por meu intermédio que... Se ele conseguiu é porque eu ajudei... Graças ao meu trabalho foi feito...”

O anav não se sente proprietário do bem que fez, jamais carrega consigo as boas obras feitas. Alias parece ter uma esquisita amnésia: a mão direita esquece o bem feito pela mão esquerda.

“A vitória pertence ao Senhor”.

3. Misteriosa pedagogia do fracasso

Davi venceu, mas nem sempre nós vencemos. O anav também fracassa. O fracasso não é a meta do homem. Seria frustrante se o nosso ponto final fosse a derrota; contudo o fracasso parece ter uma misteriosa pedagogia: o sofrimento nos interioriza, paramos e cavoucamos para procurar respostas.
Quem não sofre geralmente fica criança.
Ai dos pais que se angustiam:
“Não quero que meu filho sofra, não admito que meu filho seja humilhado”.
Sofrimento, fracasso, humilhação no projeto de Deus têm uma finalidade. O fracasso sempre nos obriga a descobrir e assumir a nossa identidade.
O sucesso nos leva à beira do perigoso abismo do orgulho. É difícil resistir à tentação do orgulho; o sucesso entulha a mente e o coração. É necessária uma constante desintoxicação. No inicio do século Péguy escreveu um texto famoso: “Nous sommes des vaincus” ( somos uns vencidos).
Analisa com profunda perspicácia:
“No sucesso há sempre uma certa impureza...
Na sorte há sempre um resíduo impuro...”*
  (* C. Pégui, Oevres em prose, vol. II, Plêiade, p. 35).

A historia é mestra da vida.
Quantos sucessos foram enfim desembocar nas piores aberrações. Por isso temos que discernir as nossas atitudes diante dos êxitos. Quando o sucesso nos faz esquecer a nossa identidade, caímos na pior alienação. Vimos amigos esquecer a sua identidade e as suas raízes, só por ter conseguido sucesso.
O anav sabe dos fracassos tirar lições de sabedoria para descobrir a assumir a própria identidade.

        


Homem,
         eis a tua
                     identidade


Quem encontra a própria identidade encontrou a pátria.
Quem não encontrou o próprio Eu, sempre será um deslocado.
Vendo tantos jovens angustiados só temos que concluir: “Ainda não se encontram”.
A bíblia nos apresenta dois caminhos para descobrir a própria identidade.
Era uma vez um quebra-cabeça com duas imagens.
As pecinhas, montadas, revelam de um lado a imagem de Jesus e, no verso outra imagem – o rosto de um homem.
Uns admiravam a imagem do homem, outros preferiam admirar a imagem de Cristo.
Quem descobre o Cristo acaba descobrindo o homem.
Há quem queira descobrir o homem sem Cristo, mas torna-se imposivel. Quem é o homem? Quem sou eu?

1.      Eu sou criatura, dependência essencial

O homem é um ser dependente. A parábola da pessoa humana revela esta   dependência. O choro do recém-nascido e o gemido do agonizante chamam: “Eu preciso de ti acode-me”.
O homem é um ser dependente de Deus.
O centro do Universo é o homem, mas o centro do homem é Deus.
Os povos primitivos queriam expressar a dependência a Deus oferecendo sacrifícios; queimando os frutos da terra ou até animais e orando assim:

“TUDO te pertence, Senhor. Obrigado, Senhor. Somos teus dependentes. Acode-nos, Senhor”.

O homem é um ser pecador.
Nós não somos apenas dependentes, mas, muitas vezes, rejeitando a nossa identidade, deformamo-nos, assumindo posturas ridículas; pecamos. O pecado é dizer não ao plano de Amor de Deus.
O pecado é uma deformação. É awon, que, na língua hebraica significa “esmagamento que deforma”. O pecado é servir às criaturas em vez do seu Criador.

2. Eu sou filho, grandeza radical

A grandeza do cristão está na raiz, desde o dia do batismo. O cristão é Filho de Deus. Esta é sua grandeza radical.
DEUS é PAI –- MAE. É um pai diferente, um pai ternura.
Jesus nos revela o Pai e nos leva ao Pai.

O Pai é segurança.
O Pai é ternura, bondade.
O Pai é misericórdia e perdão.
O Pai é alarme à responsabilidade.
Os Pais terrenos nem sempre são tudo isso.
Deus Pai é sempre mais do que estamos pensando.
Eu sou filho... sou livre.
O Filho tem a mesma vida do Pai.
O filho é livre.

3. Anawim, no equilíbrio de dois abismos
    
Quanto mais nos abismamos na humildade,mais sentimos o amor de Deus. O anav vive como no meio de dois abismos: o abismo do próprio nada e o abismo do Amor infinito de Deus.
Se analisamos a vida dos santos sempre descobrimos neles estas duas dimensões: o santo é aquele que sentiu toda a própria fragilidade e por isso atiro-se com confiança total nos braços do Pai.

       Anav: filho no filho


A identidade do homem pode se resumir a dois aspectos:
   como criatura, é dependência essencial,
   como Filho de Deus, é grandeza radical.

Mas a identidade do anav ainda foge à nossa pequena inteligência. O caboclo pergunta a uma missionária leiga perdida numa aldeia do Acre:
“Mas como você consegue ter tanta coragem? Vive sozinha e vive pelos outros, gosta de silencio e gosta da festa, ama e perdoa sempre, não é de ninguém e é de todos... Sobretudo é sempre alegre”.

Para os caboclos aquela moça era um mistério que se foi revelando lentamente. Era uma anav.
O anav vive uma intensa experiência: sente-se amado, perdoado, livre habitado, jubiloso, luminoso... Enfim sente-se filho de Deus.

1. Sentir-se amado

O bonde teleférico Chmonix-Coumayer (França—Itália) parou a 4 mil metros no cimo dos Alpes. Um dos seus cabos de aço tinha arrebentado, e trinta pessoas estavam suspensas no ar, na maior insegurança; após 10 horas de terrível angustia um helicóptero voando sobre os abismos, picos e geleiras eternas conseguiu salva-las. Os jornalistas já estavam esperando para explorar as observações dos turistas. Todos horrorizados contavam o dramático susto; somente um menino discordou de todos:
“Eu não estava com medo... papai e mamãe estavam comigo”.
O anav sente-se profundamente amado por Deus: vive na presença de Deus.
Quando nos sentimos amados, somos capazes dos maiores sacrifícios, porque temos no nosso intimo uma segurança incalculável.
Como explicar o segredo da coragem de tantos anawim do nosso século: pastores, políticos, jornalistas, escritores, missionários... que sofreram torturas e o martírio?

2. Sentir-se perdoado

Só sente necessidade do perdão quem se sente no erro.
Não há perdão para os auto-suficientes convencidos das próprias virtudes e cronicamente cegos às próprias falhas.
A nossa geração perdeu o sentido do pecado? Não.
Não podemos generalizar.
A nossa geração também se sente pecadora e infiel, incorreta e angustiada.
O mais difícil é sentir que podemos ser perdoados, que podemos ainda ter chance e vez.
O anav não só descobriu um Deus-amor, mas encontro-se com um Deus-misericórdia.
Onde houve muito pecado, excedeu-se a Graça.
O anav sente-se sete vezes pecador e... setenta vezes perdoado.

3. Sentir-se livre

A liberdade é uma das aspirações mis profundas do homem:é o poder de autodeterminar-se sem coação externa ou interna; é um dom e uma tarefa.
O anav, sentindo-se libertado das amarras e das mascaras, sabe discernir a “liberdade de” como algo pessoal e intimo, e a “liberdade para” como um serviço a comunidade.
Todo o anav, sentindo-se livre, até na prisão, ainda sabe cantar, como o preso político Cubano Armando Valadares:

“mais reduzem os espaços
e mais se ampliam os horizontes.
Mais me encolhem e mais vejo”. 

4. Sentir-se habituado

Uma das mais terríveis torturas é o isolamento, a falta de comunicação com outros semelhantes: martírio para os animais e ainda mais para os homens.
 O anav não tem medo da solidão, pois sente-se habituado. Nunca se sente sozinho, até gosta periodicamente de recolher-se com Deus. Acreditando na palavra do mestre: “A ele viremos e nele estabeleceremos morada” (Jo. 14,23),
sente-se “templo do Espírito Santo” (2Tm.1,14), morada das três pessoas da Santíssima Trindade.
Foi esta a cândida descoberta da Irmã Elizabete da Trindade:

“Encontrei o céu na terra, pois o céu é Deus,
e Deus está em mim”.

Santo Agostinho já tinha escrito:

“Eis que habitavas, senhor, dentro de mim,
e eu te procurava do lado de fora!”
 Assim podemos entender a confissão de Lacordaire:

“A solidão é a pátria das grandes almas”.

Quem se sente morada de Deus, não se fecha em si mesmo, mas abre aos irmãos para repartir o Dom – Presença – Graça.
5. Sentir-se Jubiloso

Alegria verdadeira e profunda só é aquela que ninguém pode furtar. É aquela do cristão que, sentindo-se amado e perdoado, livre  e habituado, medita dia e noite a palavra de Deus.

“Que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja plena” (Jo. 15,11).
“O Reino de Deus não é comida nem bebida, mas justiça,paz e alegria no Espírito Santo” (Rm. 14, 17).
“Alegrai-vos sempre no Senhor: repito, alegrai-vos” (Fl. 4,4).

6. Sentir-se luminoso

Os primeiros cristãos chamavam-se fotismoi, ou seja, iluminados, ou, luminosos.
A psicologia está redescobrindo o que os antigos com outra linguagem diziam.
Quem ama irradia luz. É por isso que os pintores colocam a auréola em redor do Santo.
A mão que dá, é luminosa. O anav medita:

“Cristo é luz eu veio iluminar o homem” (Jo. 1,9).
“Quem ama a verdade aproxima-se da luz” (Jo. 3,21).
“Andai como filhos da luz” (Ef. 5,8).
“Sejais astros celeste que iluminam o mundo” (Fl. 2,15).
“Brilhe a vossa luz diante dos homens...” (Mt. 5,16).

7. Sentir-se filho no filho

Para sentir-se filho é preciso sentir a necessidade do Pai. Talvez a nossa geração sofra a falta de paternidade: assumir uma paternidade é um grande risco.
Após ser acusado de paternalismo, todo o pai tema esta doença e acaba omitindo o seu papel de educador.
Se os pais não querem mais ser pais, menos ainda os filhos querem ser filhos, pois a filiação seria dependência que limita a personalidade.
O anav, encontra sua segurança na paternidade de Deus, por isso sente-se filho de Deus.
S. Paulo usa uma expressão original e feliz:
O cristão é “filho no filho”.
O anav é filho de Deus no filho Jesus Cristo.
Por ele, com ele e nEle somos amados e libertados.


TRÊS TALENTOS, TRÊS DONS

Tudo vem de Deus. Tudo é dádiva.
O verdadeiro anav parece ter em grau eminente três dons ou talentos. São como que as ferramentas necessárias para ser um forjador da história.

1. Discernimento

Antes de qualquer atividade ou projeto é necessário enxergar com clareza: é a consciência crítica que vê os pormenores, e´a sabedoria que contempla a globalidade para depois detectar os prós e os contras.
Os textos evangélicos são inumeráveis:

-         “Discernis os sinais dos céus... porque não discernis os
Sinais dos tempos?... cuidado com o fermento dos farizeus” (Mt.16,1-2.6).
-         “Cuidado com os falsos profetas” (Mt. 7, 15-20).
-         “O que contamina é o que saí de dentro da boca do homem”(Mt. 7,14-23).
-         “Se teu olho direito... ou a mão direita for ocasião de escândalo, arranca-o... porque é preferível...” (Mt 5,29-30).

É importante discernir o que estorva, e arranca-lo.

ü     “...o Verbo era luz... mas o mundo não o reconheceu” (Jo 1, 1-18).
ü     “Os homens preferiram as trevas...” (Jo 3,19).
ü  “Não é este o filho de José?...” (Lc 4,16-30).
A inveja não deixa reconhecer em Jesus Cristo o filho de Deus.
ü “De quem é a imagem e o nome gravados? Daí pois a Cezar...” (Mc 12,13-17).
Jesus parece irônico, mas é apenas pedagogo que ensina a discernir.
ü     Na parábola do administrador infiel, Jesus elogia a sagacidade, ou seja, a capacidade de discernir (Lc 16, 1-12).
ü     Bartimeu grita: “que eu veja” (Mc 10, 46-52).
Os Bartimeus são inumeráveis.
O anav enxerga e abre os olhos aos cegos.

2.    Humildade

Normalmente os que enxergam bem acham que os outros não enxergam com a mesma clareza. Então começam a julgar, opinar, sentenciar... com autoridade e teimosia. Tornam-se freqüentemente orgulhosos e teimosos nas próprias idéias.
A pregação de Jesus sobre a humildade foi fecunda.
Já o precursor tinha um grande testemunho:
“Que Ele cresça e eu diminua... Esta é minha alegria” (Jo 3, 27-30).
João Batista é o amigo do esposo, não é o esposo.
--Jesus obrigou os discípulos a subirem na barca (Mt 14, 22)

Os apóstolos queriam ficar para receber os elogios do povo!
ü     “Quem quiser ser o maior... seja o menor, quem quiser ser o primeiro, seja o escravo” (Mt 20, 24-28).
ü     “Quem se exalta será humilhado e que se humilha...” (Lc 14, 7-11).
ü     “Obrigado, Senhor, porque ocultaste estas coisas aos grandes e as revelaste aos humildes” (Mt 11,25-27).
ü     “Abstende-vos de praticar boas obras para serdes vistos pelos homens... Não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita” (Mt 6,1-4).
ü     “Após ter feito tudo, dizei: somos servos inúteis” (Lc 17,10)
ü     “O publicano nem ousava levantar os olhos, mas batia no peito e dizia: Sou pecador...”(Lc 18, 9-14).
ü     Jesus lava os pés... sinal de serviço e de humildade (Jo 13, 1-17).
ü     Toda a paixão: “...cuspiran-lhe no rosto e deram-lhe bofetadas” (Mt 27,30).
ü     “Aprendei de min, que sou manso e humilde” (Mt11,28-30).

3. Ousadia

Ao longo da historia, a “humildade” tinha-se tornado a arma dos superiores opressores para abusar da própria autoridade.
Humildade não é submissão passiva aceitando a opressão.
Junto à humildade deve haver a ousadia-coragem de anunciar — denunciar –- testemunhar.

ü     Na festa da dedicação do templo, Jesus ousa denunciar a hipocrisia do seu povo (Jo 10, 22-42).
ü     “Jesus fez um chicote e derrubou as mesas...” (Jo 2, 13-22).
ü     Jesus recrimina Pedro: “Homem vacilante na fé por que duvidaste?” (Mt 14, 22-32).
ü     “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus, credes em Mim. Assim fareis obras maiores do que as minhas” (Jo 14, 1-12).
ü     “Tende fé... Para quem crê, sem hesitar em se4u coração, tudo se realizará” (Mc 11, 20-25).


Três são os dons dos anawim:
            Discernimento
Humildade
      Ousadia.


Um diferente estilo de vida

Há um conformismo geral. Muitos cristãos cruzam os braços e repetem um velho estribilho: ”Temos que aceitar”. E assim vivemos condicionados pela opinião-imposiçao dos meios de comunicação e estamos escravizados pela sociedade consumista.
O anav assume um estilo de vida diferente, procurando no Evangelho luzes e forças.

1.      Simplicidade

O estilo de Jesus é assumido pelos anawim: é caracterizado fundamentalmente pela simplicidade e sobriedade.

ü     “Eis o sinal... Encontrareis um menino numa manjedoura” (Lc 2, 12).
ü     “Se não vos tornardes como criancinhas (simples, sem artifícios) não entrarão no Reino” (Mt 18, 1-10).
ü     Jesus falava em parábolas para que os simples entendessem e os grandes ficassem confundidos (Mc 4,33).
ü     “Obrigado Pai porque revelaste estas coisas aos simples” (Mt 11, 25-27).
ü     “Seja vossa linguagem: sim, quando é sim, e não, quando é não”.
ü     Zaqueu se converte após um gesto de grande simplicidade: subiu num sicômoro para ver Jesus (Lc 19, 1-10).

2. Sobriedade

A sociedade consumista nos obriga roupas, sapatos e mil produtos que não precisamos.
É preciso gastar. Deixamos apodrecer ou não cuidamos das frutas do nosso quintal e compramos refrigerante ou frutas enlatadas.
Em vez de avaliar constantemente o que sobra, sempre nos questionamos: “O que falta?”
O consumismo nos levou a muito absurdos e monstruosidades.
Ninguém pensa, ninguém questiona. O anav segue o mestre.
ü     “As raposas tem covas, as aves tem ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lc 9, 57-62).
ü     “Envolveu-o em faixas, reclino-o numa manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2, 1-20).
ü     “Quem não renuncia a tudo o que possui não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33).
ü     Ao jovem rico, Jesus diz: ”Ainda te falta uma coisa” (Mc 10, 17-27).

O apelo de Jesus –- “Ainda falta” – pode bem ser traduzido assim: “Ainda te sobra muita coisa, por isso não pode ser livre”.
 A sobriedade é um estilo de vida necessário para quem quer a liberdade dos filhos de Deus:
sobriedade na comida... na gula,
sobriedade nos pensamentos,
sobriedade na casa, roupas, leituras.

Enfim, sobriedade não é privar-se do necessário ou útil, mas é procurar só o que é necessário para viver com mais intensidade as lutas do cotidiano.

3. Laboriosidade

Todas as gerações declaram morte aos parasitas que, como nunca, hoje vivem em nosso redor.
Não trabalham, mas vivem de rendas: dos produtos da fazenda (que eles não trabalham, mas produz pelo suor dos escravos bóias-frias); das fabricas, das cadernetas de poupança, de alugueis...
Entidades filantrópicas (hospitais, orfanatos, creches, escolas gratuitas...) podem ter suas rendas fixas, mas como podemos hoje ter um exército de parasitas que não trabalham e ,contudo comem e bebem? Jesus elogia o trabalho e condena o palavrório e a ociosidade.
ü     Parábola dos operários da vinha (Mt 20, 1-16).
ü     Parábola dos talentos (ou minas) (Mt 25, 14-20;  Lc 19, 11-27).
ü     Parábola da figueira estéril (Lc 13, 6-9).
ü     Figueira amaldiçoada (Mc 11, 12-25).
ü     Vós sois sal e luz (Mt 5, 13-16).
ü     Não quem diz Senhor, Senhor (Mt 7, 21-23).
ü     Parábola dos dois filhos (Mt 21, 28-32).

E após ter evitado toda ociosidade podemos também viver a mensagem da providência: “Não vos preocupeis com a comida e com as roupas” (Mt 6,25).

O estilo de vida dos ANAWIM
é um tripé sólido:

     Simplicidade,
         Sobriedade,
             Laboriosidade.


Amém: agarrado a ti, senhor


1. Era uma vez...
Era uma vez uma palavra tão, tão incisiva e tão intraduzível que decidiu ser... eterna.
Ao longo da historia, das gerações e das línguas conseguiu passar através das finas peneira e chegar até nós.
Quando a comunidade crista decidiu traduzir os textos litúrgicos do hebraico para o grego, ela não gostou e disse: “Não podeis encontrar no grego uma palavra correspondente”. E assim a palavrinha passou.
Séculos depois, quando a língua litúrgica dos ocidentais passou a ser o latim, a palavra escondida ficou. E agora, após o Concílio, quando todos os povos traduziram para a própria língua os textos litúrgicos, a palavrinha venceu a ultima batalha.
Todos os povos louvam ao senhor em todas as línguas, mas no final sempre concluem com a... mesma palavra: bonita, incisiva, intraduzível. Da capela mais minúscula do interior ate a grandiosa Basílica de S. Pedro todos terminam com a palavra: “AMÉM”.

2. Amém: me grudo em ti, Senhor

Os hebreus, para significar o gesto da criança no colo da mãe, usavam o verbo “heemim”.
O verbo heemim significa:
ü     Grudar-se com segurança num apoio sólido.
ü     Agarrar-se em alguém mais forte.
ü     Sossegar tranqüilamente sem nenhum medo, porque o apoio é sólido.
É esta a experiência que vive a criança.
Quando está cansada, ou finge estar cansada, pede: “Mãe... colo, mãe!” E a mãe se abaixa e pega o filho nos braços junto a seu peito ou o senta no colo.
Podemos beliscar a criança, ela esta segura, sem medo, sentada nos braços da mãe e ainda... olha para baixo como um rei sentado em seu trono.
“Como a criança bem tranqüila, amamentada no colo acolhedor de sua mãe” (Sl 131).
O anav é esta criança que se sente amada e segura.

3.anav, o homem de uma só peça

O valor dos monumentos egípcios está nisto: são blocos de pedra de uma só peça. Chamam-se obeliscos.
O anav é um homem de uma só peça. Mergulhado no amor de Deus, sente-se seguro, nada teme: como no colo da mãe.
ü     “Como a árvore plantada à beira da água” (Sl 1,3).
ü     “Sois escudo para mim...” (Sl 3,4).       
ü     “Tranqüilo me deito... só vós sois minha segurança” (Sl 3,6).
ü     “Senhor, minha força, minha rocha, meu abrigo” (Sl 18,3).
ü     “O Senhor é meu pastor, NADA me falta” (Sl 23,7).
ü     “É no Senhor que eu confio” (Sl 31,7).
ü     “Ele é meu rochedo... não vacilarei jamais” (Sl 62,3).
ü     “Minha ajuda e meu salvador sois vós, não tardeis, Senhor” (Sl 70,6).
ü     “A minha ventura é viver junta de Deus” (Sl 42,6).
ü     “Ele me livra do laço do caçador” (Sl 31,5).

4. Como o Pai é uno, o filho também é uno

Nós vivemos despedaçados... sempre distraídos.
Quantas vezes o corpo está ali... mas o pensamento está muito longe.

O nosso cansaço não é pelo trabalho,
mas pela tensão da mente por estar
ocupada em mil preocupações.

O eu está quebrado em pedaços. Ser uno... eis a meta do cristão. Canalizar todo o próprio Eu com todas as potencialidades ba mesma direção, eis o ideal que não cansa.
Como Deus Pai é todo Unidade-harmonia, assim o cristão-filho de Deus deve ser uma pessoa harmoniosa.
Religiões e filosofias nos ensinam uma lei descoberta desde o inicio da humanidade. Forças negativas, que alguma personificam em espíritos malignos, estão dentro de nós. 
Os psicólogos falam de pensamentos negativos.
Há uma convergência entre todas estas filosofias: é preciso esquecer tudo o que nos destrói por dentro.
Um convertido ao cristianismo escreveu: “Percebi que em mim havia duas pessoas: atirei uma pela janela e fiquei com a outra”. Dupla personalidade não pode existir: gera conflitos e frustrações. Para um homem de uma só péça não há outra escolha.

EM COMUNIDADE: AGARRADO À IGRJA


1. Deus-comunidade, igreja-comunidade

O nosso Deus é uma comunidade: comunhão, participação, diálogo.
Na doação mútua das três pessoas o amor reina.
A fonte da nossa vivência cristã é o Ministério Trinitário.
Só na vivência comunitária podemos encontrar a resposta. Cristão... isolado é uma contradição.
Quem não vive em comunidade, morre...
A igreja é a comunidade que torna visível o Deus-comunidade.
Ao longo da historia da Igreja vimos e vemos o modelo da Igreja-sociedade, onde os cristãos vivem como ilhas sem participação nem comunhão.
Quantas paróquias são autênticos clubes-sociedade, onde os relacionamentos imediatos não acontecem: é anonimato, massificação, passividade.
Quantos católicos procuram a igreja onde não são conhecidos para... não tomarem parte, mas apenas para se refugiarem, amedrontados pelos problemas; ou para se conformarem com o fracasso.
Em vez de ser uma escola de forjadores da História, as nossas igrejas tornam-se refúgios dos tímidos e medrosos, que não querem nenhuma mudança: os ricos têm medo de mudança e os pobres se acomodam.

2. Eu sou a igreja

Célebre tornou-se um fato acontecido na Polônia durante a ocupação alemã: os novos mapas geográficos já não marcavam mais o território polonês. O professor tinha apresentado ao aluno o novo mapa pedindo que indicasse o lugar da Polônia. O menino ficou perdido... Indicou vários pontos, mas sempre o professor respondia: “Aqui não... Aqui é a Rússia, aqui é a Alemanha...” Enfim o pequeno patriota indicou o próprio peito: “A Polônia está aqui no meu peito”.
Todo cristão deve sentir-se Igreja, deve confessar: ”Eu sou Igreja. Eu quero ser igreja”.
É tão fácil deixar os outros apontar as falhas da Igreja, sem nunca se comprometer plenamente.
A Igreja é este mistério de Graça e de pecado, de trigo e de joio.
Escandalizamo-nos pelas grandes infidelidades da Igreja e queremos encobrir as nossas: sempre prontos para sempre pronto para apontar as manchas no rosto da mãe-Igreja, quando na verdade deveríamos começar a lavar o nosso rosto.
Dizia o Cardeal Feltin: ”Jovens, quereis uma Igreja pura? Começai a lavar o vosso rosto”.

3. Fora da Igreja, morro de fome

Em todos os vintes séculos de história houve o testemunho dos santos e escândalos de pecadores. Hoje a Igreja  não esta num estado pior. Santo Agostinho, já no século V, dizia:
“Vejo tantas falhas nesta Igreja... Mas é minha Mãe...
Sem ela, ou fora dela, irei morrer... Onde poder mamar?”    

 Vimos grandes gênios que saíram da Igreja por acha-la tão pobre e infiel, mas o gesto foi infeliz: tiveram que passar fome e mendigar a vida inteira.
A exortação de Santo Agostinho é incisiva e válida:

Eu vos peço com veemência:
Amai esta Igreja.
Fora de suas mamas...
Vocês irão morrer de fome.


4. A mediação pastoral: paróquia, CEB, grupo

Todos nós sonhamos alto... bonito.
A realidade é sempre outra: o sonho não se realiza.
As estruturas são tão falhas que nos escandalizamos.
Ficar dentro da Igreja, mas onde?
“A paróquia é grande demais e a CEB é pequena demais”, dizia um jovem à procura de um espaço. Na verdade é preciso encarnar-se em algum lugar e entrar em alguma estrutura.
Quantos jovens querem viver isolados, desprezando as estruturas pastorais.

Ou grudado à frágil embarcação,
Ou naufrágio fatal:
Não há outra escolha.

5. Enfim, morro filha da Igreja

Rica de talentos e enérgica como um general, Tereza de Ávila é uma das maiores mulheres da historia. Não faltavam oposições dentro da Igreja contra seu zelo, julgado exagerado. Obstaculizada de mil formas, contudo perseverou.
No seu testamento conclui com uma oração singela:
“Obrigada, Senhor... Enfim morro filha da Igreja”.
Muitos gênios morreram fora da Igreja: inteligentes demais para suportar as contradições, e sábios demais, para não saber também aproveitar os benefícios.


ÚLTIMO PARA OS ÚLTIMOS


1. Ultimo lugar: liderança esquecida

Célebre torno-se uma simples frase de um pregador:
“Jesus assumiu o último lugar, tão último que até hoje ninguém conseguiu toma-lo”. E explicava como o último lugar é o serviço mais humilde aos irmãos.
A mensagem foi como um desafio para um jovem que estava ouvindo. “E por que eu na posso ser como o Mestre? Tomar também o último lugar para servir aos irmãos?”
Como numa convergência de relâmpagos o jovem lembrou os textos evangélicos sobre o “último lugar”.
ü     “Que quiser ser o primeiro... seja o vosso servo” (Mt 20, 27).
ü     “Aquele que é o maior entre vós, faça como o menor” (Lc 22, 26).
ü     “Quando fores convidado, vai ocupar o último lugar” (Lc 14, 10).
A conversão do jovem par o último lugar desencadeou uma energia prodigiosa na Igreja.
Tornou-se pobre para os pobres, assumindo o serviço mais difícil e mais ingrato no meio de uma tribo tuareg da Argélia. Após anos de presença silenciosa e de testemunho humilde, não conseguiu formar uma comunidade cristã. O semeador tornou-se semente: assassinado barbaramente, sua vida pareceu um fracasso. Anos depois, um grupo de padres franceses retomou o caminho traçado e surgiu um novo tipo de evangelizadores: “Gritar o eangelho com a vida mais do que com palavras”.
Deste testemunho brotaram outras experiências fecundas: padres-operários, atenção aos últimos, operação preferencial pelos pobres...
Carlos De Foucauld, este era o nome do jovem convertido, foi e é hoje o irmão universal, que mais quis assumir a liderança esquecida, o ultimo lugar.

2. Foi a Min que o fizeste

Quem são os últimos? O Mestre responde:
ü     “Quando preparares um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos.  Seras feliz, porque não tem com que te retribuir” (Lc 14, 13-14).
ü     “Tive fome, e vós me deste de comer... Tive sede... Estive nu... Estive doente... Estive no cárcere e viestes visitar-me” (Mt 25, 35-36).

Últimos são os que tem vez: precisam de tudo, mas “não tendo como retribuir” não são atendidos.
 Os últimos acabam também sendo os excluídos. Para eles não há lugar na escola, nem no hospital... Para eles não há vagas nem par trabalhar.
Anos atrás, numa capital, aconteceu um fato trágico: Um menino foi atropelado por um carro. O motorista, tomado de medo, fugiu e ficou no anonimato.
Naquele momento um taxista atendeu o menino gravemente ferido levando-o ao pronto-socorro.
Por não poder pagar uma pequena importância, o caso não foi logo atendido. Só após uma longa insistência é que o menino foi atendido... mas qual não foi a triste surpresa do medico: pois o paciente era o seu próprio filho. O atraso foi prejudicial: o menino morreu logo após.
A palavra de Jesus ecoa exigente;
“Foi a min que o fizeste”.
Quem atende o anônimo, o pequeno, o pobre, aquele que nunca poderá retribuir, atende o mesmo Cristo. 
Os últimos chamam. Quem os atende?
Severamente julgados pelos burgueses, os últimos não tem voz para chamar.
A criancinha faminta chorou noites e noites... Os pais favelados não puderam acudi-la. E assim a criancinha sossega e acostuma-se a aceitar tudo, cronicamente sem forças, nem reage mais. O que é apenas indolência inata é condenado como preguiça.
As outras crianças são atendidas...
Quando choram, alguém reage e atende, seja com comida ou com fraldas limpas...
Os últimos e... os filhos dos últimos... até o jeito de chorar é tão frágil que mais os escuta.

3.    Último para os últimos

Na casa de meu pai há muitas mansões, muitos serviços, muitos espaços.
Em vinte séculos de história da Igreja , surgiram as vocações mais diversificadas. Todos descobriram um espaço conforme as próprias capacidades.
Estes serviços podem ser divididos em dois grandes campos apostólicos: a evangelização das elites e a evangelização das bases.
A primeira procura atingir mais a ponta da pirâmide social: as classes influentes, chamados grupos de influência. Por isso surgiram colégios para os nobres, hoje para as classes médio-burguesas.
A estratégia era evidente: evangelizando um “provável” futuro político, governador, advogado, medico, pensa-se transformar a sociedade.       
A segunda, por sua vez, partiu com outra estratégia: evangelizando a base, a sociedade será renovada.
Mas os anawim perceberam que há um caminho ainda melhor, uma estratégia mais eficaz: foi a estratégia de Jesus.
O anav quer ser um sinal do amor-gratuidade de Deus. Um exemplo ilustra mais do que qualquer reflexão. Visitei um conjunto de vilas e favelas de grande cidade e vi um... grande “escândalo”.
Uma comunidade irmãs vive no meio do povo na extrema pobreza caminhando, sofrendo, crescendo, esperando som o povo. Os elementos da comunidade são excepcionalmente ricos de talentos: professoras universitárias, cultas, comunicativas e capaz de cativar a juventude estudantil.
Espontaneamente já no primeiro encontro observei:
--Vocês aqui são grandes evangelizadores, porem vocês são muito mais necessários nos ambientes dos jovens universitários... nos grupos de influência.
A mais nova das irmãs com toda paciência explicou:
-- O carisma da nossa congregação era mesmo os grupos de influência, mas nós agora mudamos... por um século educamos a alta sociedade, os frutos foram muitos duvidosos.
Ainda quis insistir com teimosia na minha lógica eficientista:
-- Mas não é este um desperdício de cultura? Aqui irmãs menos preparadas culturalmente, poderiam fazer vosso trabalho, enquanto os jovens universitários não tem evangelizadores.
A resposta veio lúcida:
-- Em primeiro lugar, não é fácil que venham outras irmãs, e nós temos que ser fiéis ao apelo de Deus. Não estamos aqui para fazer ou pregar, mas para ser as testemunhas. Aqui temos também que aprender do povo.
O anav dos anawim não foi se esconder na pequena aldeia de Nazaré? E por que não foi para os centros culturais e políticos da época? E por que não foi para Alexandria, Atenas, ou Roma?
Hoje, o “escândalo” realmente escandalizou centenas de jovens universitários que visitam a favela e ate alguns foram morar no meio dos pobres para servir e também para sentir o cheiro carismático do povo.



NA TEOLOGIA DO... ESCONDERIJO

1. Um esconderijo para o tesouro

Ninguém coloca o tesouro à vista de todos. O que é precioso deve ser bem guardado e protegido, pois poderia ser roubado ou estragado. Deus esconde os tesouros para que o homem o encontre após longa e cansativa procura. Deus é um bom educador, não dá tudo “na boca”, mas quer que o homem procure, lute para alcançar o tesouro e uma vez encontrado use todos os cuidados para guardá-lo.
Os minerais preciosos estão escondidos no ventre da terra. É preciso procura-los com extenuantes fadigas, até com perigo de vida. As águas mais cristalinas estão debaixo da terra, correm escondidas à espera de ser encontradas.
Também os homens aprenderam a esconder os tesouros. Mas há um abismo entre a pedagogia de Deus e a astúcia do homem. Deus esconde o tesouro para que o homem, num esforço mental e corporal, o alcance. Bem outra é a finalidade dos homens ao esconder os tesouros: é o medo que outros homens os encontrem.
Deus esconde o tesouro, mas deixa pistas para procura-lo e encontra-lo, os homens escondem seus tesouros para que ninguém os procure e menos ainda os encontre.
O lugar do tesouro é o esconderijo.

2. Deus se esconde... o homem se exibe

Confrontando a atitude do homem e de Deus, aparece mais uma diferença abissal. Deus deixa seus tesouros a serviço do homem, mas parece sempre esconder-se.
É verdade que as vezes em momentos de relâmpagos de intuições sentimos a presença de Deus tão viva e tão próxima que confessamos com jubilo: ”Encontrei a Deus”. São relâmpagos apenas. A pedagogia de Deus continua a mesma: ele teima na pedagogia do esconderijo. Deus esconde seus tesouros, mas sobretudo Deus se esconde. Sentimos que não é para não ser encontrado, mas para que o homem lute para procura-lo. E o homem?
O homem não se esconde: parece ter a mania crônica de aparecer. O homem se exibe. A exibição é uma velha doença da humanidade: é a sede de ser visto, admirado e elogiado. Não é a pedagogia do esconderijo, mas do pedestal.

3.O tesouro dos tesouros

O anav é aquele que encontrou na pedagogia do esconderijo: entendeu que o tesouro dos tesouros está no esconderijo mais profundo. Procura noite e dia sem cansar e, quando encontra o tesouro precioso, sacrifica tudo, vende tudo o que tem para adquiri-lo. As amigos e parentes não entendem certos gastos do anav, porque não sabem o que o anav sabe. Assim acontece o diálogo sem saída:
-- “Você não sabe o que faz... deixando estes bens, esta profissão, esta oportunidade... Nunca mais terá chance...” eis o apelo dos amigos.
Mas o anav, por sua vez, com uma vista que vai alem das aparências, retruca:
-- “São vocês que não sabem o q1ue dizem... pois eu encontrei o que procurava”.
No esplendido texto franciscano: Sacrum comercium, são relatadas as simbólicas núpcias de Francisco de Assis com Dona Pobreza.
O livreto pertence à mais singela literatura universal. Francisco é o anav que relativiza tudo e absolutiza só uma coisa: o Reino de Deus, o tesouro dos tesouros.
Santo Agostinho por sua vez também tinha procurado e tinha concluído: “procurava fora e longe o que estava perto e dentro”. 
O tesouro dos tesouros é o mesmo Dom—Pesença—Graça das três pessoas Divinas.
O anav sente-se amado, perdoado, libertado, mas sente-se sobretudo habitado...

4. O anav também no esconderijo

O anav à procura do tesouro encontra o esconderijo e acaba também se escondendo.
Para encontrar o tesouro é preciso entrar no esconderijo e, assim, também o anav fica escondido.
O anav é frontalmente o contrario do exibido: é o escândalo de todas as épocas.
Os homens meneiam a cabeça e dizem: “Vida perdida... coitado, não sabe aproveitar a vida”.
Como o grão de mostarda, escondido na terra, o anav dança de alegria: ele sabe que só haverá fecundidade na medida em que sabe ficar no seu esconderijo.
Mas, afinal, o que é esconderijo?

n     É assumir com humildade e ousadia a própria missão.
n     É ocultar-se não por timidez, mas para evitar toda publicidade que prejudicaria o crescimento.
n     É seguir o exemplo de Jesus de Nazaré.
n     É trabalhar na humildade sem nunca omitir-se, mas também sem exibir-se.

O anav tem medo da publicidade, o veneno capaz de intoxicar as comidas mais genuínas.

5. Quando sair do esconderijo?

Todo anav tem um caminho a seguir.
Há anawim que passaram uma vida inteira no esconderijo. Foi o ideal de Carlos de Foucauld.
“Quero passar neste mundo como um peregrino na noite escura”.
Há outros anawim chamados logo a sair do esconderijo para revelar aos homens o grande tesouro.
Há anawim que são descobertos só após a morte; o tumulo torna-se centro de romarias. Estes anawim são como aquelas flores perfumadas pequenas demais, quase mimetizadas, para serem descobertas, mas ricas de forte perfume.
Todos se beneficiam do perfume, mas não procuram a fonte, a flor que emana.
Hoje há muitos anawim nos esconderijos: presentes no mundo como o fermento.
Onde está o fermento, onde está a massa?
São os cristãos nas comunidades de base, nas associações de bairro, nos serviços do “chão”... tijolos escondidos nos alicerces desta nova igreja e desta nova sociedade: cristãos do “chão”.
No cais de Marselha um operário ficou totalmente esmagado por um gigantesco guindaste. Ninguém mais o reconhecia.
“Tão desfigurado estava o seu rosto, e seu aspecto era menos que de homem”. (Is 52,14)

Quando foi identificado, todos os operários ficaram profundamente comovidos. Era o operário mais querido e mais solidário: era um padre-operário que, pelo Evangelho, tinha assumido a condição mais dura dos estivadores do porto.
Após aquela morte, a opinião publica tomou consciência da situação dos operários. O anav saiu do esconderijo no momento da morte, mas daquela morte nasceu um fecundo broto de esperança.
O testemunho dos padres-operários quanta generosidade desencadeou na igreja: direta ou indiretamente, as conclusões de Medellín e de Puebla são as flores mais lindas... desta raizinha que veio de lá... do cais do porto de Marselha.
O anav sai do esconderijo quando for chamado por Deus.

Maria de Nazaré...
Não foi o esconderijo de Deus?






III
Parte
NO RIO DA
AFETIVIDADE


Mundo de violência
Com sede de ternura

1. Entre violência e covardia, o terceiro caminho

Olhando o mapa político mundial descobrimos logo os focos mais trágicos da violência: América Central, Oriente Médio, Extremo Oriente, África do Sul. Focos de violência existem, infelizmente, no coração de cada raça, de cada povo, de cada nação. Na América do Central como no Oriente Médio, na etnia basca, como nas castas indianas, em todo lugar a violência gera violência.
A sede do homem é sede de contradições: hoje quer a violência da vingança, amanhã dispõem-se à ternura do perdão. Os guerrilheiros da América Central querem negociar com os governos para uma paz de ternura, mas não querem omitir-se ao ideal de justiça. O pacifista Gandhi, que nunca incentivou a violência, par desmascarar toda manipulação de sua vida, escreveu: “Entre a violência e a covardia prefiro, a violência”. O profeta indiano queria apenas acordar os que ficavam sempre sentados no muro da neutralidade e da omissão; nunca provocou a violência, mas também nunca pecou por covardia e por omissão.
Entre a violência e a covardia existe o terceiro caminho: o assumir ousado diante das injustiças e o agir concreto para a transformação da sociedade.
Não há duvida, os cristãos da América Latina pecam muito mais por covardia do que por violência. O numero dos guerrilheiros subversivos ou dos grupos engajados até a violência, é bem pequeno diante das massas indiferentes e covardes, omissas e cronicamente indolentes.
Quantos cristãos apenas desaprovam as atitudes violentas, mas nada fazem para desencadear um processo de transformação.
Quantos cristãos, querendo fechar a porta a todos os erros da violência, acabam também excluindo a força transformadora da verdade.

2. Raízes da violência

Quem gerou este mundo de violência?
Quais são as raízes da violência?
As causas da fome identificam-se com as causas da violência.
Estamos num circulo vicioso: violência gera violência.
A violência nos cerca de todos os lados, construída por nós mesmos. Os nossos agricultores fora expulsos de suas terras e, hoje, estão nas cidades, armados uns contra os outros.
Um simples fato significativo esclarece uma dramática realidade. Houve um assalto na periferia da cidade de Curitiba. O guarda noturno atirou no ladrão ferindo-o, porem não gravemente. Os dois se encontraram; eram velhos amigo, dois colonos do interior. Anos atrás trabalhavam suas lavouras, vizinhos de roça. Hoje estão ai se defrontando numa luta armada: o primeiro largou a enxada... para vir aqui à cidade e cuidar da casa dos ricos...; O segundo, com menos sorte...; não encontrando trabalho, tornou-se marginal.
A industria, a agricultura e o mundo terciário dos serviços (comercio, serviço sanitário, escola...) estão intoxicados de violência.
A pequena propriedade deixou o lugar aos latifúndios, e o ARTESANATO às multinacionais; ainda ficava o terciário... mas a violência o engoliu.
O cristão propõe a utopia evangélica, uma alternativa revolucionaria, aos ídolos da violência propõe um Deus ternura.

3. Fome de pão, fome de ternura

Agredidos pelos meios de comunicação que nos apresentam cenas pornográficas com a ambígua representação de “ternura”, ficamos perturbados e confusos.
Ternura não é sensação epidérmica.
Ternura não é sentir um prazer passageiro, que muitas vezes escraviza e aliena da vida.
Ternura é gesto concreto de amor.
Ternura é doação.
Ternura é delicadeza.
Ternura é disponibilidade em doar o que temos sem esperar nada em troca.
Ternura é adivinhar o que o outro precisa e doar antes que o peça.
Ternura é gratuidade.
Ternura é morte do verbo “cobrar” com juros e correção monetária, porque é dar sem a mínima esperança de retribuição.
“Não só de pão vive o homem”, disse o Mestre.
A nossa é uma fome de ternura.
É esta a confissão de um discípulo de Tereza de Calcutá.
Em vinte anos de vida como mendigo nunca tinha recebido um olhar amigo: foram vinte anos de pão recebido de tantas pessoas. Nunca passou fome de pão, mas sempre a sede de ternura estava ardendo. Foi suficiente um gesto de ternura de Tereza de Calcutá para desencadear uma nova vida. Outros lhe deram toneladas de pão, só Tereza ofertou-lhe um carinho de mãe. Hoje o mendigo é um colaborador de uma colossal obra de caridade.


O EU A PROCURA DO TU-TERNURA


1. Vasculhando no Eu

No intimo mais intimo de cada homem há uma sede insaciável de uma abertura, de uma janela, de um horizonte infinito, que chamamos aqui de tu.
Cada pessoa humana sonha um dia poder mergulhar num tu: é uma sede cheia de ambigüidades, manifesta-se como desejo de amar e doar, mas esconde muito anseio de ter, querer, possuir e de receber.
Às vezes idealizamos este tu até tornar-se um tu utópico, um tu que não existe e não pode existir.
É o adolescente ou o jovem que sonha a comunhão plena com o tu heterossexuado para uma complementação global, desde o plano sexual-genital até o mais sentimental-espiritual, com a comunhão de ideais. Não só os jovens sonham; também os adultos e até os idosos sempre idealizam um tu. Casados, desquitados, divorciados várias vezes, sempre sonharam um dia encontrar o tu, aquela metade que seria a resposta que sacia.
É fundamental orientar jovens e adolescentes e até adultos, para prevenir incalculáveis decepções e fracassos. É preciso apresentar esta sede do tu heterossexuado no grande conjunto da Ternura. Sören Kierkegaard, o filosofo e místico existencialista, após uma feliz experiência de namoro, optou pelo celibato, pois mesmo prevendo todo o encanto da vida matrimonial, preferiu canalizar o próprio eu para outros horizontes.
O que os amigos absolutizavam, um amor humano, foi relativizado por Kierkegaard.
Idealizar o relativo... sim, absolutizá-lo... não... pois um só é o TU absoluto.


2. Três níveis do tu

Viver significa relacionar-se, pois a vida é um nó de relações, um tecido de fios que se comunicam com outros seres-pessoas humanas.
O eu, na longa caminhada, descobrirá nitidamente três níveis do tu. 

a) O Tu absoluto ou o Tu-tudo

Cronologicamente não é o primeiro, mas é a fonte e o centro de tudo.
O Tu absoluto é o próprio Deus.
“Eu sou o Único”, assim se revela no Antigo Testamento.
“Sem Min nada podeis fazer”, concluiu Jesus.
Nas reflexões anteriores já nos demoramos bastante a comentar o Tu, Tudo, Deus — até definir o homem como “Saudade de Deus”.
Se por “místico” entendemos o homem que procura mergulhar em Deus, então podemos também deduzir que, consciente ou inconscientemente, todos os homens são místicos. Há quem chega antes ao poço de água viva, quem chega depois, e há quem teima em tomar a água “das cisternas rachadas” que Jeremias duramente recriminou.
Santo Agostinho só lamentava: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu te amei”. (santo agostinho, confissões, op. Cit., livro X, n. 27, p. 277)
Feliz o jovem que encontrou logo Ananias para descobrir a Água Viva.

b) Tu relativo

O tu relativo é cronologicamente o primeiro.
A criança recém-nascida procura a mãe, o primeiro tu.
Saindo do circulo familiar, criança faz as primeiras amizades: são os Tu relativos. Um só é o Tu tudo; por ser um só, ele é Absoluto e Único. Os outros tu, por serem muitos, os chamamos de relativos, o que não significa serem de menor importância.
A vida comunitária não é outra coisa que a comunhão harmônica de muitos tu relativos.

c) O Tu exclusivo

No meio dos tu relativos, há um tu que é diferente dos outros; chamamos de tu exclusivo. É o tu relativo heterossexuado (de sexo contrário ao eu) com o qual se estabelece uma comunhão de vida tão intima (da esfera corporal, sexual, afetiva, intelectual, espiritual) que não é possível admitir outra pessoa, sem prejudicar ou destruir o relacionamento com a primeira.
A bigamia é inconcebível: não é possível ter dois “Tu” exclusivos. O relacionamento típico do eu com o tu exclusivo é chamado de relacionamento “conjugal”, e realiza-se no casamento. Ambos andam sempre juntos com o mesmo “jugo”, que se torna menos pesado. A vida torna-se uma aventura cheia de surpresas desde que entre os dois exista comunhão plena de ideais.
O casamento é uma aliança de amor, caminho de libertação. O tu exclusivo deve constantemente desentocar o eu, para que saiba amar mais e conquistar mais espaço de liberdade: nunca o tu exclusivo pode prender, possuir, amarrar o “cônjuge”; isso o tornaria então tu-tumulo.


3. Vai além... sempre além 

O tu relativo e o tu exclusivo nuca podem segurar o eu, devem só insinuar:
“Não pares em min, eu não sou o ponto final...Vai além, até o Tu absoluto”.
Quando os pais prendem os filhos, quando os namorados se endeusam a tal ponto que “um não pode mais viver sem o outro”, quando os amigos se tornam iguais a tal ponto que a amizade não é mais estimulo para crescer, mas apenas comodismo..., quando..., quando..., então é preciso questionar-se.
Os parentes..., o pai, a mãe, o irmão..., os cônjuges..., o marido ou a mulher, os amigos de todas as graduações são pessoas libertadoras quando nos introduzem cada vez mais no infinito horizonte da liberdade, na direção do Tu absoluto, no rio do Deus-Amor-Verdade-Beleza.
O tu relativo e o tu exclusivo são espelhos ou miniaturas do tu absoluto e, portanto, devem aumentar em nós a saudade do Tudo.
“Vai além, vai mais e mais além... Encontrarás o que teu intimo procura”.
Não foi isto que Francisco de Assis instituiu a Clara?
Não foi isto que todo santo ensinou aos admiradores?



O NOSSO DEUS: O TRES VEZES TERNURA


1. Gestos de ternura

Toda bíblia é a revelação gradual da ternura de Deus.
Os gestos concretos são inumeráveis: desde a criação do homem, feito com barro pela mão carinhosa de Deus, até a última palavra de Jesus na CRUZ: “Eis a tua mãe...”.
Algumas citações podem abrir este horizonte inefável do amor de Deus como uma sinfonia de luzes e de cores.
Após o pecado a ternura de Deus continua.

E o Senhor Deus fez para Adão e sua mulher túnicas de peles com as quais os vestiu” (Gn 3,21).

É sempre comovente ver a mãe que veste o filho com carinho. João XXIII, no dia da eleição ao Sumo Pontificado, também foi vestido com as vestes brancas papais. Comovido até as lagrimas, o novo Papa sentou-se cobrindo rosto com as mãos. Logo os cardeais alertaram-no: “Santidade, o povo espera na praça. Vamos logo”. O sábio ancião respondeu: “Quando vocês me vestiam eu me senti todo comovido... pois há setenta anos atrás também minha mãe me vestia de branco par a primeira comunhão”.
A ternura de Deus ao longo dos livros bíblicos se revela com gestos cada vez mais intensos.
Os diálogos com Abraão são de uma vivacidade e calor inesquecíveis. A ternura reveste-se até de momentos cômicos, outras vezes dramáticos, mas sempre a aliança aumenta. Patriarcas, profetas, juizes, reis, camponeses, comerciantes... passam no palco da ternura de Deus.
No Novo Testamento a ternura de Jesus mereceria uma longa meditação: Como Jesus tratava as pessoas?
Os grandes lideres podem levantar impérios e obras faraônicas, mas só é grande quem sabe tratar com ternura as pessoas que o rodeiam.
A ternura de Jesus com Nicodemos, a Samaritana, Zaqueu, Jairo a adúltera, Lázaro, Marta e Maria, e uma infinidade de doentes e pobres, é uma característica do Evangelho.

  Dele emanava uma força que curava a todos.
Qual foi esta força... a não ser a ternura?


2. Três vezes ternura

Vimos que o nosso Deus é uma comunidade: um só Deus em três pessoas iguais.
Entre duas pessoas pode haver dialogo e permuta de bens, mas nunca haverá verdadeira comunhão de gratuidade se não houver entre as duas quase que uma terceira pessoa, o invisível mas necessário, o inefável mas insubstituível. É o amor.
Sem amor todos os relacionamentos são comercio. O nosso Deus é esta comunhão de três pessoas numa plena unidade e uma doação mútua.

a) Pai-Mãe ternura: a bondade

É o filho que nos revela a ternura do Pai-Mãe.
As parábolas de Jesus são profundamente comovedoras.
Pai-ternura é aquele sempre dá chance, sempre sabe recomeçar.
Mãe-ternura é aquela que sempre confia no filho, sempre espera o inesperado até o impossível.
Deus é Pai-Mãe de ternura que até desabafa amargurado:

“Jerusalém, Jerusalém... quantas vezes quis reunir os teus filhos, como a galinha os seus pintainhos debaixo das asas, e tu nao o... permitiste” (Lc 13, 34).     

b) Filho-ternura: a Verdade

O filho responde com ternura ao Pai: “Eis-me aqui para fazer a tua vontade”. Ele é a verdade, o caminho, a luz que ilumina os homens.
Ele é o Primogênito, o Modelo.
“Aprendei de mim...” Ele armou sua tenda no nosso meio para reconciliar a humanidade com o Pai.
Ele foi para nós “como alguém que leva uma criança no colo” ou mais ainda como alguém que “inclina-se para dar alimento” (Os 11,4).
O filho, no mistério da Encarnação e da Páscoa, torna-se nosso “Pão”.

c) Consolador-ternura: a beleza-júbilo

O filho revela o pai e nos envia o Espírito Consolador.
Ele é a Beleza-júbilo que nos dá sabedoria, fortaleza, ousadia.
Mais de 400 vezes a Bíblia fala do Espírito Santo, das quais mais da metade são textos de S. Paulo.
Na Historia da Salvação aparecem três pessoas.
No Evangelho três fatos testemunham o Deus três vezes ternura: a Anunciação (Lc 1,26ss), o Batismo de Jesus (Mt 3, 16s) e a Transfiguração (Mt 17,1-8).

3. Por que três?

Vimos que mistério não é algo que não pode ser compreendido, mas algo que nunca acabamos de compreender.
O mistério de Deus, três vezes ternura, não pode ser compreendido plenamente pela nossa razão: por que três?
A bíblia revela as três pessoas divinas e a nossa razão quer saber o porquê.
Não queremos explicar, mas apenas penetrar mais no mistério a tal ponto que tudo o que a bíblia revela sintonize com a nossa razão. Por que então três?

Eis uma reflexão contemplação.

ü     O um é solidão. Ninguém gosta de ficar sozinho. Se o eu é fome do tu, então podemos realmente concluir que o Um é triste solidão.
ü     O dois é separação. O dialogo entre duas pessoas logo se transforma em estéril competição. O casal sem filhos, os dois amigos a circuito fechado, se não abrirem o leque a outras pessoas, morrem asfixiados e atrofiados.
ü     O três é comunhão: o diálogo, a vida, a família circula. Dois dialogam, o terceiro escuta e enfim completa, abrindo novo leque.

4. O sonho dos sonhos: uma realidade

Quem de nós não sonhou estar inteiramente presente à pessoa que ama, identificar-se com ela, tornando-se cada vez mais o que deve ser?
Todos sonham um amor que seja só fogo. Um beijo cuja queimadura nunca cicatrize, um amar e ser amado sem média.
Eis o sonho: já realidade.
Eis o sonho: é o mistério da Trindade.
Eis o sonho: o Deus três vezes ternura.
O cristão não só carrega este sonho,
mas já carrega a realidade.
“Viremos a Ele e nele faremos nossa morada”.
É este sem duvida o inicio de tudo,
o começo do rio da vida,
a concelebração do jubilo sem fim,
o oceano de luz e de paz,
a dança do eterno movimento,
o estar um no outro.

O Pai no filho pelo Espírito.
O cristão nos Três.
Os Três no cristão.

Este sonho que nós carregamos pode tornar-se realidade aqui e agora.
“por isso... abre a porta” (Ap 3,20).



O ANAV, O HOMEM TERNURA


1. Anawim, encarnação da ternura

Uma infeliz literatura e uma horrível arte pictório-escultórica nos apresentam os santos sem humanidade, sem sentimentos, como pessoas “rígidas”, quando de fato foram exatamente o contrario: eram pessoas de charme, sem rigidez e encharcadas de ternura.
O biografo do Cura d’Ars, Trochu, o eminente escritor da Academia Francesa, após ter vasculhado a vida do padre Vianney, dedica uma pagina para responder à nossa curiosidade: “o que apareci de típico no santo Cura?” Trochu responde: ”foi uma inefável doçura-ternura”. E compara o Cura, já ancião, a uma criança.
Antes de tomar consciência do anfiteatro dos admiradores, a criança entre 3 e 6 anos é extremamente graciosa, sem rigidez... não percebe que os que a rodeiam “acham graça nela”: ela é toda charmosa nos gestos, nos movimentos, nos sorrisos, nas palavras... quando mais tarde toma consciência de ser objeto de admiração, então deixa de ser criança e começa a escalada rumo a exibição, imitando os adultos: inicia a rigidez e perde a... “graça”. O santo, o anav, é aquele que se tornou como uma criança: foi uma conquista sofrida, gradual, passando por mil derrotas.
Os anawim são a encarnação da ternura.
Poderíamos apresentar aqui um riquíssimo mosaico de anawim de todas as épocas e de todos os povos: todos originais e irrepetíveis e todos tão semelhante pela ternura conquistada e vivenciada: preferimos contemplar um grande educador... a maravilha-ternura.

2. Um educador-ternura: Dom Bosco

Poucos educadores foram tão amados como o padre João Bosco, popularmente chamado Dom Bosco.
Órfão de pai aos 4 anos, teve na mãe uma excepcional educadora, cheia de ternura e de energia. Jovem, dotado de talentos extraordinários, soube através de uma longa caminhada chegar ao sacerdócio. Fez a opção preferencial pelos adolescentes e jovem pobres da periferia de uma cidade em vertiginoso crescimento: Turim, que se tornara, por um tempo, capital da Itália.
Dom Bosco soube amar com ternura e foi amado.
O seu lema, que repetiu aos colaboradores, chegou a fascinar os cultos pedagogos ingleses que foram visitá-lo.
“Não é suficiente amar os jovens, é preciso que eles mesmos se sintam amados”.
E ainda sugeria o segredo para o sucesso:
“Amem o que os jovens amam e assim os jovens amarão o que vocês educadores querem propor”.

Comovedoras são as paginas dos biógrafos que relaram as duas primeiras décadas do oratório de D. Bosco. Mais tarde o educador turinês tornou-0se uma personalidade de uma fama mundial: fundador operosa Congregação e sábio conselheiro de papas e reis. D Bosco é grande, original, cheio de charme mais educador do que como diretor espiritual.
Ei-lo na ação do dia-a-dia com seus garotos: ora na cozinha mexendo nas panelas, ora cortando os cabelos, ora remendando uma calça... ora dando uma lição de matemática ao mais atrasado no estudo, ora improvisado maestro dirigindo o coral com uma concha quebrada, mas sobretudo eminente orientador naquelas conversas individuais onde o adolescente encontrava respostas às perguntas da vida...
Dom Bosco foi um educador-ternura: foi pai e mãe, ao mesmo tempo, de tantos órfãos.
Conteúdos e métodos estão sujeitos a mediações culturais: podem passar, mas o testemunho da ternura sempre fica como perene estimulo aos pais e educadores.
O texto proposto por Dom Bosco: “quais são as 7 maravilhas do mundo?” foi seguido por um momento de silencio, mas logo um menino respondeu: “A primeira maravilha do mundo é Dom Bosco”.
Hoje é oportuno olhar para este mestre de ternura.

3. A palavra da ternura

O que nós fazemos do Dom da palavra?
A palavra que deveria irradiar a ternura guardada, revelar o amor escondido, abrir o tesouro precioso?
Palavra-pedra? Palavra-pacote? Palavra-ponte?
Palavra-pedra: palavra que fere e machuca.
Palavra-pacote: palavra que confunde e ironiza.
Palavra-ponte: esta é a verdadeira palavra, palavra que comunica e constrói.
Só esta é palavra-ternura porque une.
É a palavra da verdade temperada pelo sol da caridade.
É a palavra que dissipa as trevas.
Quantas pessoas precisam da palavra certa na hora certa!
Nem sempre encontramos a pessoa certa que nos diga a palavra que mais precisamos.
Para não perder o amigo, nos tornamos inimigos da verdade.
O falso amigo bajula apenas e acaricia os nossos vícios.
Só é amigo aquele que nos diz a verdade com ternura.
A verdade sempre dói, mas o óleo da ternura sabe cura as cicatrizes dos nossos erros.

Seja vossa linguagem sim, quando é sim e não, quando é não, mas tudo seja feito com ternura.

4.O gesto de ternura

O primeiro gesto está no coração.
Às vezes todos os gestos soa feitos com ternura...
O olhar carinhoso dos olhos sorridentes, o ouvir atento inclinando até os lábios do amigo, o acenar ou apertar com a mão aberta e livre, mas quando o coração está fechado, todos os gestos se tornam rígidos e falsos.
Só pode dar ternura quem ama com todo o coração.
Triste é o mundo de artifícios e rigidez, que vomitas palavras e gestos com aparência de ternura, mas que deixam maior vazio e frustração.
Quando o intimo não acolheu, de nada adianta multiplicar os gestos exteriores que irritam mais ainda a sede de ternura.

A ternura passa por três canais:
Sai de um coração magnânimo
Anuncia-se pelo gesto gracioso
Explicita-se pela palavra sincera.

A fonte de ternura, a Santíssima Trindade é o grande rio que chegou até nós:
·        Pela palavra do Evangelho do Filho
·        Pelos gestos e sinais do Espírito consolador
·        Pelo coração bondoso do Pai.
O inicio de tudo está no coração:
Dele tudo sai – e a Ele tudo volta.
A palavra (o Filho) leva ao Coração (o Pai) e se completa no gesto (o Espírito).

Eis o programa de vida do anav:
   coração bondoso
   palavra sincera
   gesto gracioso.    

5. O poder milagroso da ternura

Quem se sente amado é capaz das maiores transformações. A ternura tem um poder milagroso. Jeam Vanier com as suas “Arches” espalhadas pelo mundo, quer semear sinais do AMOR de Deus irradiando a ternura para com os deficientes físicos e psíquicos, isto hoje, como ontem na Idade Média.
Hermano era um monstro humano, deficiente físico, gago, aleijado, coxo e até considerado deficiente psíquico. Jogado num mosteiro foi tratado com ternura. E o mostro transformo-se: tornou-se cientista, astrônomo, músico,escritor... Também seu corpo tinha ficado normal. Todos precisam de ternura. Vida sem ternura não é vida. As sensações epidérmicas, sensitivas, sexuais, são tão vazias quando não há amor-doação! Amarram e escravizam em vez de libertar.

6. Vida: maravilhosa chance de ternura 

O nosso dia-a-dia nos oferece mil chances de ternura. Na vida familiar e na vida de comunidade podemos expressar nosso amor-ternura aos irmãos, começando pelas pequenas coisas: baixar o volume do radio ou televisão quando um irmão esta descansando ou lendo, lavar uma xícara, esquentar comida para o retardatário, dar um sorriso, uma palavra, uma atenção ao mais esquecido, telefonar a quem tenta fechar-se e marginalizar-se.

“O anav é um universo de ternura que sabe no dia-a-dia descobrir as frestas para penetrar no coração dos irmãos. João XXIII, o papa Ternura, foi um rio de bondade par todos os homens: entrou no coração de todos”.





NO RIO DA AFETIVIDADE



No complexo universo da pessoa humana há quatro leques que se abrem para o infinito: o conhecer, o sentir, o querer, o agir (vida intelectiva, afetiva, volitiva e ativa).
O mundo do sentir ou das emoções (aqui tomado como sinônimo de afetividade) é hoje muito enfatizado. Anos atrás, o conhecer e o querer eram os pilares da educação, quase desprezando os sentimentos. Felizmente os educadores redescobriram o benéfico rio dos sentimentos.


1. Afetividade: prodigiosa energia

A afetividade é o dinamismo psíquico ordenado a levar o homem a sentir. É um rio de mistério: de aventuras e surpresas, de maravilhas e de riscos, de encontros e decepções. A experiência do sentir é algo incomunicável.
A emoção tem função fundamental na vida humana:
·        Levar o homem a sentir, perceber, tomar consciência: do mundo, dos outros, de si mesmo (corpo, potencialidades, sentimentos, reações...)
·        Criar um comportamento universal e individual. Todos os homens reagem quase sempre da mesma forma com intensidade diferente: o inglês terá sentimentos externos mais contidos do que o brasileiro, mas ambos “sentem” diante de um estimulo.
·        Possibilitar uma forma de compreensão simpáticas. Tudo serve... até a “raiva” ajuda a compreender. A reação de Jesus com os comerciantes do templo aconteceu em forte estado emocional.

2. Parábola das emoções

Temos quatro etapas no processo das emoções. 
·        Estimulo – É o tu (coisa ou pessoa) que chama, provoca, incomoda o nosso eu.
·        Ativação – O eu “sai de casa”, sai do ninho onde estava entocado para responder ao tu.
·        Modificações – Na pessoa em estado emocional verificam-se alterações somáticas e psíquicas. (Ex.: ficar pálido e ficar desanimado).
·        Extinção – A emoção não dura sempre. há momentos de maior intensidade até extinguir-se para deixar lugar a outro tipo de emoção ou simplesmente à indiferença da quietude.
Os orientais falam do nirvana, S. Inácio aponta a indiferença como um ideal (não no sentido de rejeitar ou massacrar os sentimentos) e S. Teresa sugere: “Nada te perturbe”.

3. O termômetro das graduações

o rio da afetividade ou das emoções tem três graus facilmente distinguíveis.
·        Emoção-choque: É uma perturbação brusca e profunda da vida psíquica e fisiológica que se expressa exteriormente com excesso. Neste estado não podemos dialogar, nem decidir, nem agir...
·        Emoção-sentimento: É um fenômeno emotivo sereno e moderado com maior ou menor expressão externa. É a nossa vida normal com altos e baixos.
·        Emoção-paixão: É um sentimento prevalente e exclusivo que monopoliza toda a psique.
A paixão orgulho pode criar ditadores,
a paixão erótica pode criar tarados.

4. Condições para a emoção ficar na moderaçao

a)                               Fator somático: A saúde física é fundamental para o equilíbrio psíquico.
b)                              Fator psíquico: A razão e a vontade (conhecer a realidade objetiva e querer assumi-la) devem acompanhar todos os nossos sentimentos. Esta talvez seja uma falha em muitas escolas ou teorias pedagógicas onde não mais prevalecem o conhecer e o querer, mas o... sentir, o gostar.
c)                               Fatores ambientais: É importante que os ambientes sejam sadios para não exasperar os nossos sentimentos. Os meios de comunicação podem ajudar ou prejudicar a humanidade.
4.    A reação pode ser tríplice

a)    Rejeição: Cria pessoas duras e frias
b)   Cultivo exagerado: Cria pessoas “sentimentais”, desequilibradas e eternamente imaturas.
c)    Equilíbrio: É o caminho daqueles que assumem a própria afetividade, educando-a até chegar à própria maturidade ou equilíbrio.

      Enfim só dois podem ser os efeitos-resposta:
-         Dança de júbilo... é a simpatia ou o bem-estar.
-         Grito de raiva... é a antipatia ou mal-estar.
      O cristão, pelo poder de Deus, assume a antipatia e sabe dar respostas, conforme os sentimentos de Cristo (Fl 2,1-5).


                           AFETIVIDADE E SEXUALIDADE

1.      “Criou-os homem e mulher”
A pessoa humana é bipolar, ou seja, manifesta-se em dois pólos complementares.
“Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus ele os criou; criou-os homem e mulher” (Gn 1,27).
O homem se revela em duas formas que se complementam. A bissexualidade do homem é obra da sabedoria de Deus. Homem e mulher na reciprocidade e complementaridade revelam e levam ao cume do amor: a SS. Trindade, onde o relacionamento do Amor entre três pessoas é tão pleno que formam UM SÓ DEUS. Homem e mulher são imagem e semelhança da SS. Trindade.
       

2.    Afetividade e sexualidade
Podemos agora fazer um confronto. “Afetividade” é o dinamismo psíquico ordenado a levar o homem a sentir.
        “Sexualidade” é “uma modalidade de relacionamento” (Haering) e, mais especificamente, o relacionamento entre o homem e a mulher é um aspecto de afetividade. Todo relacionamento “homem-mulher” é sexuado, pois cada célula do ser humano (corpo, psique) tem o sinal da sexualidade.
        A afirmação pode parecer estranha para quem ainda continua confundindo o plano genital com o sexual. Infelizmente muitos confundem “sexual” com “genital”, ficando assim reduzida a esfera do relacionamento corporal-biológico.
        Todo relacionamento maduro entre homem-mulher é enriquecedor, pois na complementaridade há permuta de valores. Não apenas no matrimônio, mas em todas as relações e setores humanos, há uma verdadeira integração de dons, carismas, talentos entre o homem e a mulher. 

3.    Maturidade sexual: um longo caminho

Vendo o instinto sexual nos seus impulsos quase irresistíveis, parece impossível ao homem harmonizá-lo no conjunto da pessoa. Quantas vezes o instinto sexual nos leva a “fazer o que não queremos”. A maturidade sexual passa por um longo caminho, como um rio, repleto de aventuras e riscos. Quantas pessoas, por falta de orientação ou até de uma ótima formação, se sentem escravizadas pelo instinto sexual: percebem o próprio erro mas não tem forças para recuar: no inicio fios de aranha, depois cabos de aço”.
A sexualidade deve sempre ser vista no conjunto do homem todo.
A sexualidade é uma potencialidade positiva: não se trata de reprimi-la, rejeitá-la, anestesiá-la, mas de canalizá-la, discipliná-la, subordiná-la à razão. Afinal, somos seres humanos.
A orientação periódica de um irmão mais velho (orientador espiritual) pode desdramatizar situações ou alertar nossa inexperiência.
Educação sexual não é apenas conhecimentos biopsíquicos, mas é sobretudo um longo caminho de ascese, fruto de esforço e de Graça, da nossa vontade e mais ainda do amor misericordioso de Deus.
Normalmente todas as pessoas por toda a vida se sentem mais ou menos violentamente o instinto sexual: isto nos mantém num equilíbrio humano (somos seres humanos, não angélicos) feito de constante treinamento, de oração, penitencia, mortificação (gula, vista, ouvido, curiosidade...), sobriedade, humildade, solidariedade... Isto nos dá equilíbrio e bom senso.


RELACIONAMENTO AFETIVO

1.      Ou júbilo ou raiva

As escolas psicológicas tentam estudar o potencial afetivo do homem: analisando as causas e os efeitos, discordando em mil interpretações. Porém, todos concordam nesta tese: todo relacionamento humano é afetivo.
Lapidar é a conclusão do célebre psicólogo alemão Arnold Wilhelm*:

“Toda emoção ecoa numa dança de jubilo ou num grito de raiva”.

É sintomático como, no relacionamento com pessoas, a nossa atitude raramente fica indiferente.
Diante das coisas, podemos ficar neutros, mas diante das pessoas já nos posicionamos: ou a favor ou contra.
Às vezes quem esta na nossa frente ainda não abriu a boca e nossa emoção já reagiu e julgou: “Este cara é simpático”. “Este é antipático”. Para modificar a primeira emoção injustificada, às vezes é preciso um longo tempo. Nós sempre vemos no outro um competidor: se podemos dominá-lo será um oprimido nosso se não podemos, será um inimigo ou um opressor. O filósofo L. Lavelle* afirma que o caminho é a convergência: nem o complexo de superioridade: querer dominar; nem o complexo de inferioridade: deixar-se dominar; mas a convergência: duas pessoas que dialogam. 

2.    Relacionamento entre parentes

Quem não sabe ou não pode mergulhar no rio da afetividade familiar terá maiores dificuldades para mergulhar no oceano da sociedade. Há gerações de famílias desajustadas (desquitados, divorciados). Por quê? Avô desquitado, pai desquitado, filho desquitado... Mas todos, sempre, podem ter chance.
        O Evangelho oferece pistas: todos, sempre, podem ter vez.
        Eis umas pistas: assumir nossas raízes; aceitar os pais que temos; assumir os irmãos. Pais e irmãos não se escolhem, mas simplesmente se aceitam e se amam. Será que quando escolhemos os amigos, nunca tivéssemos decepções? Assumir com ternura os parentes é fundamental antes de sair da toca e abrir-se a outras pessoas.

3.    Relacionamento com outras pessoas

Podemos distinguir dois relacionamentos:
       
a)    Com pessoas do mesmo sexo

Neste relacionamento há uma imensa diferença entre o mundo masculino e o feminino. Os homens expressam a própria afetividade com modos às vezes grosseiros, sem ligar aos pormenores ou até disfarçam por um pudor quase inato.
    O homem não quer parecer sentimental, esconde seus sentimentos, quer bancar o durão. A mulher já aparece mais sentimental, atenta aos pormenores, a todas as palavras, não esconde seus sentimentos.

b)   Com pessoas de outro sexo

Entre o homem e a mulher há uma reciprocidade desde a esfera corporal até a mais espiritual. O relacionamento afetivo (amizade) entre o homem e a mulher necessita de constante avaliação. A atração natural, que nasce às vezes relâmpago (simpatia) ou até lentamente pela admiração gradual dos valores do outro, necessita de equilíbrio: nem rejeição, nem excesso em multiplicar os encontros.
        Quando a amizade amarra tirando a liberdade e absorve o coração deixando-o partido, será oportuno “colocar parapeitos aqui e ali à beira dos precipícios que provocam em nós vertigem” (Raguin). Sentir forte simpatia, que se transformam em paixão pelo ser heterossexuado, é algo normal que “não devemos dramatizar, mas é necessário rever sempre os nossos compromissos assumidos (casado-consagrado) e sermos fiéis” (Haering).

AFETIVIDADE é comunhão de pessoas
O UM é solidão
O DOIS é separação
O TRÊS é comunhão
O NOSSO DEUS É TRINDADE.
DESVIOS DA AFETIVIDADE-SEXUALIDADE

Pela vastidão do problema restringimos os desvios emotivos ao plano propriamente afetivo-sexual.

1.      Auto-erotismo

Vimos que o ser heterossexuado é um chamariz para sairmos de nossa “toca”. Na sede de reciprocidade a pessoa humana procura uma abertura. Muitas são as razoes do fechamento aos outros: temperamento, raízes familiares, educação recebida, circunstâncias ambientais... O auto-erotismo ou masturbação é a procura consciente obtida com excitação para “sentir” o prazer sexual: chama-se auto-erotismo porque é encontrado na própria pessoa. Após os esclarecimentos anteriores, é evidente que se trata de um desvio, sinal de outros desequilíbrios e imaturidades.
        A terapia cristã prevê uma abertura cada vez maior aos irmãos, uma disciplina assumida e a orientação individual de um padre no Sacramento da Reconciliação.

2.    Homossexualismo ou lesbianismo

Quem tem medo de outro sexo e é incapaz de aceitar e apreciar a diversidade sexual, de dialogar, acolher e assumir, pode cair num desvio que se chama homossexualismo ou lesbianismo. As tendências, mesmo mínimas, devem, num prudente esquema educativo, ser prevenidas, analisadas e curadas.
        Em ambientes fechados (colégios, educandários, quartéis), pela falta do ser heterossexuado, podem aparecer estas tendências. Isto não deve perturbar. Uma avaliação constante da nossa afetividade e maior abertura no mundo externo podem curar estas tendências, antes que tomem conta de nossa vida.
        A terapia deste desvio afetivo só pode ser indireta. É oportuno desdramatizar e abrir outros horizontes, com um paciente trabalho de recomposição.

3.    Outros desvios
Os manuais clássicos de moral enumeram uma longa serie de desvios: da fornicação ao masoquismo. Podemos aqui apenas frisar um duplo efeito da sexualidade não assumida: trata-se da agressividade e da alienação-agitação.

a)    agressividade
A incapacidade do dialogo, o medo de ser derrotado, o ciúme ou doença crônica de ver sempre no próximo um competidor e não um irmão, o orgulho ou exagerada auto-estima, a vaidade ou exaltar-se por sucessos secundários, o próprio fracasso, podem levar-nos à agressividade. É o mecanismo de defesa dos covardes: lançar mão de todos os recursos para auto-afirmar-se. Normalmente esta falta de serenidade leva ao auto-erotismo (masturbação) ou outros desvios.

b)   Alienação-agitação
       Existem pessoas superativas, lideres que sabem trabalhar, sabem fazer trabalhar, sabem deixar os outros trabalhar. Mas existem pessoas que são superagitadas. Se não tiverem mil projetos em obras, não se sentem realizadas. A atividade é tóxico. Vivem sempre fora de si. Nunca tem tempo para refletir, parar, encontrar-se com o próprio eu e os próprios problemas. A atividade torna-se anestesia. Em geral são pessoas honestas, bem intencionadas ou até idealistas, pensam agir para a Glória de Deus, mas são pessoas desequilibradas, incapazes de dialogar, de admirar... de viver. Parecem não ter desvios afetivo-sexuais, mas carecem daquele equilíbrio psíquico que os torne pessoas humanas.

MATURIDADE OU HARMONIA AFETIVA?

1. É possível a maturidade afetiva? 
       
        A plena maturidade humana nunca ira acontecer: há sempre alguns desvios. Podemos todavia admitir que o homem, após uma longa caminhada, possa chegar a uma harmonia afetiva.
        Alem de todas as dicas, acima citadas, a harmonia afetiva reclama um certo grau de bem estar físico, em que a ação glandular, de secreção interna, intervem amplamente. Reclama sobretudo um método (ascese – disciplina – cultivo) de vida afetiva que tempere, ordene e dirija as manifestações do instinto. E aqui nós entramos no campo da moral. Para o cristão “tudo é bom” (Gn 1), mas “o mal sai de dentro do homem” (Mc 7,15): isto significa que o rio dos nossos instintos necessita de canalização. Só assim podemos ser pessoas livres e libertadoras: um cultivo metódico.

2. Cultivo da afetividade para com Deus

A nossa piedade (oração pessoal) e a nossa liturgia tinham-se tornado fria repetição de formulas ou de gestos, geometricamente determinados. O padre tinha normas rígidas para a Missa. Hoje a invasão de carismas reabriu espaços aos sentimentos na oração, nem sempre equilibrados. Quanta rigidez ainda existe na nossa liturgia: gestos, palavras, abraço de paz. A nossa oração ficou fria reflexão filosófica, precisamos voltar à oração “do coração”.

3. Cultivo da afetividade para com o próximo

Queremos frisar aqui a importância das amizades.
        A amizade é uma eminente experiência de afetividade.
        O risco do fechamento nos espera; mas para nós cristãos o amigo não é o Tu absoluto: o amigo ama o amigo para amar mais e mais os outros.
        A amizade é feita de palavras, de silencio e de gestos para a comunhão de vida.        
        O amigo, longe de possuir, quer o outro livre.
        O amigo é um alarme para o nosso bom crescimento.
        Quem devem ser os nossos amigos? Os primeiros amigos devem ser os parentes ou aqueles com os quais vivemos diariamente, debaixo do mesmo teto. Quantos rejeitam o vizinho para fugir para longe e procurar o amigo “fora”, alem dos vizinhos.
        E após os parentes, é sempre oportuno ou até providencial ter amigos externos (fora da família ou da comunidade).
        Esplendido é o testemunho de S. Bernardo de Claraval:

“A afetividade entre amigos,
quando temperada pelo sal da sabedoria,
é cheia da unção celestial e faz saborear
a abundancia das doçuras que estão em Deus”.

4. Cultivo do Eu na sua identidade

        Queremos aqui apenas apresentar sem comentários uma célebre afirmação que abre horizontes. P. Hunt escreveu:

“Quem procura agir em favor dos outros ou do mundo sem
aprofundar seu conhecimento de si mesmo, a própria               liberdade, integridade, capacidade de amar, nunca dará nada aos outros. Acaba transmitindo nada mais que as próprias obsessões, agressividade, desilusões, ambições egocêntricas”.

Cultivar-se, é necessário. Parar, refletir, orar, recuar... são procedimentos necessários para não perdermos a nossa identidade.

5. Oscilações afetivas, não instabilidade afetiva


    Os sentimentos sempre se alteram segundo um ritmo tranqüilo e por isso regularizam o curso da vida psíquica. Se um sentimento se instala e dura com exclusão dos outros, aparece uma enfermidade (melancolia, exaltação mórbida, mania, obsessão...). o sentimento deve durar um certo tempo para dar o tom ao conjunto da vida afetiva, mas acha-se submetido a continuas variações de matiz e intensidade.
    Este processo de oscilação nada tem de comum com a instabilidade da vida afetiva, em que “um estado afetivo nunca chega a rematar-se e a influir na conduta antes de ser substituído por outro sentido contrario. Isto seria um caso patológico”.

6. Enfim livres em ti, Senhor

    A liberdade é uma conquista. Quando chegaremos à meta? Dom Alfred Arcel, o bispo operário-sapateiro, falecido em setembro de 1984, diz numa entrevista-testamento: “Aguardo o dia da minha libertação plena... quando verei a face do Senhor Libertador”. Poucos dias após a entrevista morreu santamente.
    A vida é um mistério... É preciso assumi-la. Mistério é: leque que se abre ao infinito; paço inesgotável; aventura de descobertas e de novidades.
    Afetividade é “Graça sobre Graça” que torna nossa vida cheia de surpresas inéditas e de responsabilidades exigentes.
    Todos precisam dar e receber amor e ternura. Precisam de um pai e mais ainda de afeto. Não só as crianças, mas todos, também os velhos... Olavo Bilac numa celebre poesia canta o poder do Amor-ternura. A vovó esta envelhecida, triste e marginalizada... É suficiente que a netinha diga uma palavra e tudo pode mudar: “Vovó conte uma história!” A velhinha volta à vida, se reanima, rejuvenesce... torna-se viçosa como uma rosa. O mundo precisa de gestos de ternura: iniciara assim a civilização do amor, pregada por Paulo VI.


IV
Parte
ANAWIN, FORJADORES DA HISTORIA

ANAV SOLIDARIO: IRMAO UNIVERSAL

1. Eis - me aqui disponível

     O anav, seguindo o testemunho do Grande Anav, é o irmão universal. Assim costumava auto-definir-se Carlos de Foucauld: ser irmão de todos. A primeira condição é a disponibilidade total. Os textos evangélicos são abundantes:

-         Eis aqui a serva do Senhor... Estou disponível (Lc 1,26-38).
-         Os primeiros discípulos foram disponíveis ao chamado (Jo 1,35-40).
-         Ainda te falta uma coisa, a disponibilidade (Mt 19,16-26).
-         Para o disponível, Deus dá o cêntuplo e a vida eterna (Mc 10,28-31).
-         Alguns candidatos são rejeitados porque não são disponíveis (Lc 9,57-62).
-         O Reino precisa de “eunucos”, isto é, de pessoas disponíveis plenamente (Mt 19,10-12).
-         No grande banquete há lugares, mas poucos são disponíveis: outros afazeres os prendem (Lc 14,15-33).
-         O Mestre quer servos disponíveis (Lc 12,35-48).

2.    A loucura da solidariedade

Solidariedade é dar apoio sólido a quem mais precisa. Estamos cansados de palavras: queremos gestos concretos e já, não queremos mais adiar.
Solidário é quem ajuda com atos e não com papos. No juízo final, o teste será a respeito da solidariedade.

-         Qual foi o apoio-ajuda ao faminto, ao nu, ao preso? (Mt 25,31-36).
-         O Mestre teve pena porque eram semelhantes a ovelhas sem pastor (Mc 6,30-44).
-         Jesus elogia o gesto do bom samaritano (Lc 10,25-37).
-         Aos banquetes não devemos convidar os grandes, porque podem retribuir, mas os pobres que precisa, de apoio sólido (Lc 14,12-14).
-         O rico esbanjador é condenado pela falta de solidariedade ao pobre Lázaro (Lc 16,19-31).
-          Maria louva a Deus e solidariza-se com os humildes, os famintos, os tementes a Deus. O Magnificat é o canto da solidariedade (Lc 1,39-56).
-         Os primeiros cristãos viviam solidariamente num comunismo ético-social que hoje nos parece utopia inacreditável (At 2,42-47).

A conversão de S. João de Deus começou com um gesto heróico de solidariedade. Fingindo-se “louco” entrou num hospício de doentes mentais para tratá-los com carinho. A direção do hospital verificou, mais tarde, que João de Deus não era louco, pois dava sinais de lucidez e de inteligência. Mas, posteriormente, vendo seus atos concluiu: “Este deve ser mais louco do que os outros loucos. O que esta fazendo não tem lógica. A solidariedade que vive, não tem explicação”.

3.    Enfim, caridade em tudo

Jesus pregou a disponibilidade e a solidariedade, mas acima de tudo a caridade. O “meu” mandamento, o “novo” mandamento, o mandamento sinal dos cristãos resume-se no amor-solidariedade.
-         Como quereis ser tratados, tratai os outros (Lc 6,31).
-         Quem der um copo de água ao menor...(Mc 9,41).
-         Sereis medidos com as medidas com que medirdes os vossos irmãos (Lc 6,38).

Mas o cristão vai alem, o cristão perdoa sempre. Perdoar não significa deixar-se dominar ou oprimir, mas apenas Amar, ou insistir em doar: isto é o que significa a palavra per-doar.

-         Se te recordares de que teu irmão tem algo contra ti, vai reconciliar-te (Mt 5,21-26).
-         Perdoar setenta vezes sete (Mt 18,15-35).

Gestos de perdão continuam hoje como antes.
O nicaragüense Tomás Borge é sem duvida um exemplo. Barbaramente torturado no período somozista, depois ministro do governo sandinista, soube perdoar os seus torturadores com clemência. Só haverá reconciliação onde houver perdão. Pecadores sete vezes ao dia, setenta vezes perdoados pelo Pai, temos que nos perdoar mutuamente como irmãos. Assim podemos orar: “Perdoai as nossas ofensas como nós temos já perdoado a quem nos tem ofendido”.


FORJADOR DA HISTÓRIA

1.      Forjar é criar

A oficina do ferreiro é o reino do artesão criativo: bigorna forja martelo e a fornalha. Forjar é criar coisas novas. O cristão é um forjador de novidade. A vida evolui, mas nem sempre os cristãos souberam construir e forjar a História. Às vezes o termo cristão passa a ser sinônimo de atrasado. Se o Evangelho é eterna novidade, os cristãos devem ser criadores de novidades. A indústria e a agricultura eliminaram o artesanato e a pequena propriedade: o trabalho em série, que as multinacionais exigem para uma produção maior, prejudicou a criatividade do homem.

 
Quando o homem não pode mais ser criativiativo,
Mas reduz-se a simples executor
De trabalho em série,
Torna-se menos humano.
 

A História deve ser construída por todos. Forjador da História significam dar à sociedade o rumo da  evolução: humanizar a terra e divinizar o homem. Repetir, todos sabem fazê-lo, mas o cristão procura sempre caminhos novos.

2. Forjador da história

        Os manuais de História geralmente enfatizam os líderes institucionais e os acontecimentos extraordinários, mas a História é construída por todos e realiza-se na monotonia do ordinário dia-a-dia. Todos podem e devem ser os forjadores da História. Como pode o povo ser forjador da História? Apresentamos aqui um processo de três etapas:
             
                                               a) Conscientização na base

    
Os meios de comunicação, as fortes tradições seculares, os interesses de poucos tentam impedir a conscientização da base. O povo mal informado sobre os acontecimentos ou reprimido nos seus anseios torna-se passivo: sempre dependente, sempre sedento de “padrinhos”, nunca chegara à democracia e à participação. A primeira etapa fundamental para sair da passividade e da dependência é a conscientização:

todos devem tomar consciência
da própria identidade e capacidade,
dos próprios direitos e deveres,
da própria dignidade e grandeza.

O cristianismo tem realizado na América Latina um grande trabalho de conscientização das bases. Ideologias, partidos políticos e religiões alienantes tem reagido a este trabalho, obstaculizando-o de todos os modos.

Povo conscientizado.
Povo perigoso.

Este alerta tem sido abusivamente repetido pelos burgueses mais interessados em defender seus interesses do que os direitos dos injustiçados.

“Semear uma idéia, significa
desencadear uma energia.
Conscientizar é acordar forças escondidas”.


        Os grupos de base, as pequenas comunidades, os movimentos populares só podem surgir desde que alguém inicie a conscientização. O grande anuncio da conscientização cristã pode ser resumido na célebre frase de S. Paulo:

        “As próprias criaturas são LIBERTADAS da escravatura da corrupção, para participarem da gloriosa LIBERTAÇAO dos Filhos de Deus” (Rm 8,21).

        Conscientizar significa entrar no processo de libertação.

b) Coordenação e convergência

        Pessoas livres mais isoladas não conseguem forjar História. Grupos de pessoas livres, mas isoladas, ainda não constroem Historia. Só os grupos de base unidos, convergindo à mesma meta e coordenados entre si, podem ter uma tal força transformadora, por isso já estão fazendo Historia.
        Sem coordenação e convergência dos grupos de base nada acontece, alias podem acontecer conflitos. Sempre o diabo (Dia- bulon = aquele que divide) tentou dividir os grupos de base, jogar um contra o outro.


c) Planejamento

        Fazer historia não é semear abóboras. É curioso observar como certas sementes brota e produzem frutos sem cuidados; outras, ao contrario, precisam de mil atenções. Forjar historia requer planejamento, ação conjunta e revisão periódica... Quem semear abóboras após alguns meses pode colher, mas quem iniciar uma CEB terá que aguardar muito tempo com um trabalho cuidadoso e planejado. O método ver, julgar e agir é fundamental: ferramenta necessária para cultivar a semente.

3. E a Igreja é forjadora da História?

A Igreja escraviza ou liberta? Aliena ou encarna?
Ouvimos freqüentemente, por parte de grupos radicais, pesadas acusações à Igreja Católica. Seria uma escola de alienação, ópio do povo.
É verdade que a Igreja tem sido e é em muitas ocasiões acomodada, medrosa de mudanças e por isso alienada da realidade. Todavia é indiscutível o papel profético exercido na Historia. Houve na Historia uma força transformadora comparável ao cristianismo e em particular ao catolicismo? O estudo serio e cientifico da Historia da Igreja só pode confirmar esta tese: nestes vinte séculos o papel da Igreja sempre foi de libertação e de encarnação. Quem mais do que S. Bento de Núrsia nos ensinou a voltar ao campo e trabalhar na agricultura, eliminando latifúndios e suas tristes conseqüências? Quem mais do que Dom Bosco de Turim libertou milhares de adolescentes da exploração, da ociosidade e do vicio? E sobretudo quem mais do que tantos de nossos bispos e tantos de nossos lideres lutaram pela transformação da sociedade brasileira?
E não mais de mil os mártires desta força conscientizadora e transformadora que é a Igreja Católica na América Latina?


ANAWIM NA VOCAÇAO MATRIMONIAL E FAMILIAR


Única é a vocação do cristão: ser um coração de pobre.
As vocações especificas são muitas.
“Os membros não realizam a mesma função” (Rm 12,4).
Duas são as vocações principais:

-         Vocação matrimonial e familiar.
-         Vocação religiosa (celibato – pobreza – obediência pelo Reino).
Os anawim assumem sua vocação com plenitude. Descobertos determinados valores, o cristão se compromete a vivenciá-los. Nem todos os valores podem ser vividos por todos. Aqui entramos no mistério da vocação matrimonial, outros o da vocação religiosa.

1. Família: aliança de amor

        A família é uma aliança de pessoas à qual se chega por vocação amorosa do Pai, que convida os esposos a uma intima comunidade de Vida e de Amor, cujo modelo é o amor de Cristo pela Igreja.
        As quatro relações fundamentais da pessoa encontram seu pleno desenvolvimento na vida da família.

Relação
Família
(miniatura)
Mistério Cristão
(modelo)
1)Paternidade
Amor paterno ou
materno
Experiência de Deus
Como Pai e Mãe
2)Filiação
Amor filial ao Pai
e à Mãe
Experiência de filhos
De Deus em, com e
pelo Filho 
3)Irmandade
Amor fraterno entre
irmãos
Experiência de Cristo
como IRMAO e de
outros irmãos
4)Nupcialidade
Amor conjugal do
casal
Experiência de Cristo
como esposo da Igreja


A família é miniatura do mistério cristão.
Só o amor de Cristo pela Igreja pode ser modelo do Amor que deve reinar numa família.
        A vocação matrimonial e familiar é um longo caminho através do qual o homem e a mulher, unidos no matrimonio-sacramento, crescem juntos na fé, na esperança e na caridade e testemunham aos outros, aos filhos e ao mundo, o Amor de Cristo que salva e liberta.
       
2.Características da vocação matrimonial

                                                               a)Vivencia a dois
A unidade que se estabelece entre o casal é exclusiva.
O eu de cada um encontra, no outro, o tu exclusivo. Não há fechamento a outros amores, mas a comunhão entre o casal é tão intima, intensa e exclusiva que os dois convivem juntos dia e noite, “levando os fardos um do outro”(Gl 6,2).
Há pessoas que sentem um desejo de “vida independente” (não quer dizer auto-suficiente) para as quais a vida a dois seria uma prisão. Talvez haja uma parte de verdade num velho ditado: “O matrimonio é o tumulo dos revolucionários”. Esta sede de “vivencia a dois” na complementaridade afetiva e sexual entre o homem e a mulher é a vocação ordinária e normal. A vida a dois é normalmente o caminho para uma libertação gradual da pessoa. O matrimonio é o clima propicio para sair do eu.

b) Vocação laical
        A vocação matrimonial é tipicamente laical, ou seja, assume os valores das realidades terrenas (Lúmen Gentium 31).
        Infelizmente pela influencia exagerada dos padres e religiosos (freiras, monges) nem sempre os casais tem uma vocação laical própria, pois acabam imitando-os e assim são chamados de “padre” ou de “freira”, quando se destacam na vivencia cristã.
        Onde esta o caminho da espiritualidade matrimonial?
        É o amor conjugal com seus encantos e limitações.
        É o caminho da sexualidade genital.
        É a casa (e não a igreja-templo) o lugar de vivencia intensa.
        É o trabalho e a profissão assumidos como serviços de amor.
        É o jubilo pela vida que se renova através dos filhos.
        É o sofrimento que aparece no cotidiano da vivencia e dos momentos de grande dor (doença e morte).


c) Vocação eclesial

        Cada família é uma pequena comunidade eclesial: todos são filhos de Deus, dos avós aos recém-nascidos. O casa, partindo da vivencia a dois, abre o leque ao infinito, dos filhos próprios ate os mais pobres.

ELE


NÓS      FILHOS    OUTRAS              - pobres
                              FAMILIAS           - marginalizados
                                                          - últimos da sociedade
ELA                          



3.Como Deus chama?

        Deus chama através dos valores que mais nos atraem. Há pessoas que tem vocação para tudo, de tudo gostam e se extasiam.
        Dizia uma moça: “Gostaria de ser freira, mas também gostaria de ter muitos filhos”... Outro moço confessava: “Gostaria de casar, mas gostaria também de ser monge”. As maneiras para descobrir a vocação são muitas. Antes de escolher é necessário ver os valores que mais nos atraem.
        Na duvida é necessário esperar.
        Há jovens precipitados e há jovens sempre indecisos. Ninguém poderá ter a certeza da matemática da escolha da própria vocação. Em tudo há sempre incertezas. O cristão sabe assumir sua vocação na fragilidade das decisões e sobretudo no poder da Graça Libertadora.


ANAWIM NA VOCAÇAO RELIGIOSA E PRESBITERAL

        A nossa sociedade supervaloriza duas coisas:

_a racionalidade: por que isso? Qual a razão?
_a eficácia: para que serve isso? Qual a utilidade?

  A vocação religiosa não se traduz em palavras.
O núcleo da vida religiosa foge a qualquer racionalismo; todavia é possível analisar uns tópicos.


1.      Núcleo da vocação religiosa

´´Os conselhos evangélicos (pobreza, celibato e obediência pelo Reino)``

_são a essência da vida religiosa
_e constituem um dom divino que a IGREJA recebeu de seu senhor e, por graça dEle, sempre conserva (Lumen Gentium 43).

  Antes do Concílio Vaticano II apresentou-se o celibato para a perfeição pessoal; hoje, ele é situado na dimensão eclesiológica, isto é, a serviço da Igreja.
  Todos os batizados são chamados à santidade. O religioso é o cristão que assume os conselhos evangélicos e retoma o compromisso batismal com uma atitude radical querendo seguir a Cristo pobre, casto e obediente. A vocação religiosa é uma resposta à vocação cristã com um caminho e meios próprios.


2.    Por que três conselhos ou três votos?
      O número três é apenas simbólico. Poderíamos provar que os conselhos foram muito mais do que três.
      Desde 1202 chegou-se à atual formulação...
      Quem queria seguir a Cristo mais radicalmente formulava os votos de pobreza, castidade e obediência.
      Antes de 1202, os religiosos formulavam o único voto de consagração ao Reino.
      Há religiosos que formulam um quarto ou até um quinto voto: há quem assume o voto de dedicar-se aos doentes, como há quem se consagrou à evangelização entre os judeus...
      Os três votos são três caminhos de libertação: são meios para uma maior liberdade interior.
      Única e suprema norma de vida do religioso é alcançar a liberdade de Cristo:

-         pobre – renunciou aos bens materiais:
“Até não ter onde reclinar a cabeça” (Lc 9,58);
-         casto – não conheceu a experiência conjugal e não levou em conta a geração carnal, nas suas relações com os outros (Mt 12,48-50);
-         obediente – sua liberdade em abraçar a vontade do Pai.

Ter bens, experimentar a sexualidade genital, tornar-se autônomo, são potencialidades do homem, mas Cristo nos indicou através de sua vida que há também um outro caminho que nos torna livres: dizendo não a alguns bens, escolhemos outros.
        Somos limitados:
        Não podemos escolher ao mesmo tempo todos os valores.
        Quem renuncia a uns, tem liberdade de escolher outros.

O religioso com sua vida quer proclamar:

“Sou propriedade de Deus e dos irmãos;
como Cristo, não me pertenço mais”.
3.Vocação Presbiteral

A vocação presbiteral é um chamado especial.
Hoje a Igreja escolhe para o presbiterato somente aqueles que sentem o carisma do celibato pelo Reino.
Quem deseja ser padre, deve sentir o carisma do celibato. Para ser padre são necessárias duas coisas:

-         sentir no intimo o desejo sincero
-         e ser chamado pela Igreja a este ministério.

No passado a Igreja admitia no presbiterato homens casados; hoje só admite os que vivem, como Cristo, o celibato pelo Reino. O presbítero, como os religiosos, assume o compromisso do celibato, não em virtude de um voto, mas pela exigência da Igreja.
Quem gostaria de ser padre, mas não sente o apelo ao celibato, pode assumir outros ministérios na Igreja.
Os 13 mil padres do Brasil não são suficientes para os serviços-ministerios que o povo solicita.
Qual a razão?
Será que Cristo é racista, e não gosta dos jovens brasileiros (pois chama mais atenção os poloneses, italianos e alemães...), ou são jovens brasileiros que não descobriram os valores da vocação presbiteral? E, antes, nem mesmo descobriram a urgência do celibato pelo Reino?
A interminável questão do celibato dos presbíteros sempre continuara. O que, hoje e agora, nos interessa é a orientação da Igreja que escolhe para o presbiterato os candidatos que assumiram o celibato pelo Reino.
Mesmo continuando os estudos sobre o celibato dos presbíteros nos aspectos psicossociológicos e pastorais, não seria oportuno intensificar os nossos esforços na evangelização dos jovens propondo-lhes também estes preciosos tesouros, os conselhos evangélicos?
Não é este o maior “investimento”: o de evangelizar jovens e adolescentes?


4.Como Deus chama à vida religiosa?

        Deus chama através dos apelos-chamados dos irmãos, da comunidade e do mundo.
        É o irmão necessitado que inquieta e convoca para dar uma resposta.
        É a comunidade, com suas exigências, que provoca generosidades escondidas em alguns que se apresentam: “Eis-me aqui para servir”.
        É uma obra de assistência ao menor ou ao idoso que precisa de alguém que se doe, sem medida nem reserva, como propriedade e ternura de todos.
        É a Igreja que necessita de pessoas livres, libertadoras e “liberadas” para servir como missionários, padres, catequistas, enfermeiros... ou orantes permanentes, formando estes últimos as comunidades contemplativas.
        O Mestre chama estes candidatos de “eunucos”, pois não casam, para “apaixonar-se por aqueles pelos quais ninguém se apaixona” (Haering), pelos últimos da sociedade, pelos deficientes físicos e psíquicos, pelos pequenos e pelos indefesos.









CONCLUSÃO

        Era uma vez um riacho alegre e serviçal.
        As ovelhas e até o pastorzinho gostavam de suas águas cristalinas e do tragor das suas cascatas...
        Mas um dia começou a raciocinar:
        “Já estou cansado. Todos descansam.
        Também eu tenho este direito”.
        O riacho parou, param as águas, formou-se um enorme pantanal e o riacho cochilou e dormiu...
        Mas suas águas ficaram sujas e mal cheirosas, nem o pastor, nem as ovelhas bebiam mais suas águas...
        É esta a parábola trágica de tantos jovens.
        O cristão sempre esta à procura da própria identidade, que nunca encontra plenamente.
        As reflexões deste texto são pequenas pistas, outros poderam ir adiante abrindo caminhos
        Quem se acomoda envelhece.
        A missão do cristão é perceber os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho e tornar-se forjador da historia.
        Ver, julgar e agir, eis a tríade.
        O povo acordou e viu.
        O povo viu e julgou à luz do Evangelho; chegou a hora de agir.
        Paulo VI, na sua primeira encíclica, “Ecclesiam Suam”, lançava este apelo: “Já vimos, já julgamos, esta na hora de agir e agir já!”
        O sonho torna-se realidade. Quando todos acordamos e relatamos um sonho, e descobrimos que todos tivemos o mesmo sonho, chegou a hora de torná-lo realidade.
        “Já estamos antegozando, em pequenas prestações, as forças do mundo futuro” (Hb 6,5).
        Há colecionadores de selos, de chaveiros, de canivetes... Eu sou um colecionador de experiências de jovens a caminho da espiritualidade dos anawim.
        Tu leste até aqui, és um candidato.
        Não queres escrever o teu testemunho de vida como... um anav?

































INDICE

pág.

5    INTRODUÇAO:Fome para inquietar, pão para alimentar
9    I PARTE: Fome e pão

11  Parábola da pessoa humana
15 A fome-fome
19 No principio era o Pai, no principio era o pão
23 Encarnação do Verbo – Divinização do homem
28 Como o Pai: Um projeto ousado
33 Orar ao Pai: Os sete céus da oração
38 Mergulho no rio da vida

45    II PARTE: Anawin, os famintos saciados

47 Anav: Coração de pobre
51 Duelo dramático: Anav-insuficiente ou auto-suficiente?
56 Homem, eis a tua identidade
59 Anav: Filho do Filho
65 Tres talentos, três dons
69 Um diferente estilo de vida
73 Amém: agarrado a ti, Senhor
77 Em comunidade: agarrado à Igreja
81 Ultimo para os últimos
86 Na Teologia do... esconderijo


93 III PARTE: No rio da afetividade

95 Mundo de violência com sede de ternura
99 O Eu à procura do Tu-ternura
104 O nosso Deus: Três vezes ternura
110 O anav: o homem ternura
117 No rio da afetividade
121 Afetividade e sexualidade
124 Relacionamento afetivo
127 Desvios da afetividade-sexualidade
130 Maturidade ou harmonia afetiva?


135  IV PARTE:Anawim, forjadores da historia

137 Anav solidário: Irmão universal
141 Forjador da historia
146 Anawim na vocação matrimonial e familiar
151 Anawim na vocação religiosa e presbiteral


156 CONCLUSAO  

       
  






  


 
        
 
   























MEDITAÇÃO 2
 O que é a consciência?

Toda pessoa humana descobre no santuário mais íntimo do seu ser uma lei, e sabe que não pode mudá-la, a ela deve obedecer.
É uma voz que soa aos ouvidos do coração.
É a lei inscrita por Deus no mais íntimo da nossa pessoa.
Lei, voz, sacrário podem ser traduzidas com uma palavra só: CONSCIÊNCIA.

1. Consciência: sacrário secretíssimo.

A consciência é o núcleo secretíssimo ou santuário onde a pessoa humana está sozinha sem fiscais nem juizes e onde escuta a Deus.
Árdua tarefa do psicólogo é descer nos porões do paciente com discreção, para que tome consciência de sua identidade.
A pastoral por sua vez quer evangelizar propondo valores e levar a uma conversão com novas atitudes de vida.
O risco é a superficialidade. Os pastores lideram massas, esquecendo, às vezes, que a conversão acontece no sacrário pessoal mais íntimo. Precisa redescobrir o pastoreio individual, ou a consciência pessoal.

2. Consciência: Voz de Deus.

A consciência é a mesma voz de Deus aqui, comigo, agora.
Mil vozes podem gritar por fora, mas nenhuma pode sufocar aquela de dentro, que chamamos “consciência”.
Caim tentou abafá-la, mas não conseguiu.
Davi tentou anestesiá-la, mas Natan a reavivou.
Judas para livrar-se da consciência enforcou-se.
Infelizmente esta consciência como voz de Deus
foi representada como um “grande olho de fiscal”.
A didascalia dos cartazes completava “Deus te vê”.
Hoje foi substituído com os românticos “Jesus te ama”.
A voz de Deus é a mesma voz do Verbo Encarnado
que nos acolhe com toda ternura: “Vinde a mim.
Tendes fome? Eu sou o Pão do céu.
Tendes sede? Eu sou a Água viva.
Precisais de luz? Eu sou a Luz do mundo.
Precisais de guia? Eu sou o bom Pastor”.

3. Consciência: Sinaleiro.

A consciência é sinaleiro automático com apenas dois sinais...
- Verde: faça o bem;
- Vermelho: evite o mal;
É um sinaleiro sem amarelo.
A consciência nunca nos deixa sobre o muro da indefinição: ou é ou não é!
Ela grita:     Isto é bom. Vá em frente.
                   Isto é mal. Para aqui e já.
Não sempre as cores aparecem com nitidez.
Ás vezes a doença do olho, outras vezes a espessa neblina ou o reflexo do sol pode atrapalhar a visão. É preciso discernir.

4. Consciência: Última instância.

Não há outra lei maior.
S. Tomas, o mais teólogo da Idade Média, reconhece à consciência a última palavra.
Ninguém pode violar, anestesiar, manipular a consciência própria e menos ainda a alheia.
E quando a própria consciência está em total contraste com a lei de Deus?
É raro encontrar este conflito, todavia pode ocorrer. Neste caso é necessário recuar e discernir onde está a razão da divergência.
A voz interior ou consciência e a voz exterior ou lei sempre devem convergir para a mesma meta. Quando divergem precisa questionar-se: será que a minha consciência foi manipulada ou anestesiada por alguém?
Mais complexo é o caso do conflito entre a voz da própria consciência e a ordem da autoridade. A quem obedecer?
Quando os missionários Jesuítas receberam a ordem de deixar as reduções, sentiram o conflito: abandonar os índios era deixá-los a mercê da violência dos colonizadores.
Alguns “desobedeceram” à autoridade e obedeceram à própria consciência.
Não são raros os casos na história.
Enfim a última instância é sempre a própria consciência.




5. A consciência: lugar do chamado e da resposta.

A consciência dita ou impõe em nome de Deus.
É o encontro íntimo de Deus e do homem: o lugar do chamado pessoal de Deus e da livre resposta do homem.
A consciência impõe só a lei de Deus ou algo mais?
 Impõe só o dever ou vai além do dever?
A consciência vai muito além do dever.
Meditemos o texto (Mc 10, 17-22).
Um jovem pede a Jesus o caminho da vida eterna.
E Jesus responde: “Observe os mandamentos”.
E o jovem prontamente retruca.
“Tudo isto já observei”.
Jesus então olhou com infinita ternura aquela vida integra, matéria prima pura, e apontou o caminho do horizonte infinito: “Se queres ser perfeito... dá tudo!”
Mas o jovem não aceitou e afastou-se... triste.
A generosidade não levanta cerca de arame farpado: nunca estaciona, sempre quer ir além... O generoso nunca se acomoda com o clássico “Basta!”
Por isso podemos deduzir que a consciência vai muito além do dever. O jovem afastou-se triste. Por que?
Quem não segue os íntimos apelos de Deus, as boas inspirações... nunca terá júbilo.
Jesus já tinha pregado: “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito”(Mt 5,48).
O Consolador nos dá constantes indicações para a santidade, uma direção infinita, na obra sempre inacabada...

Os medíocres aconselham mal.
“Cuidado para não ficar fanático.
Faça o dever... e depois sossega”.
Os santos testemunharam a generosidade heróica.
Oscar Romero foi alertado por amigos, bispos e pelos mesmos órgãos do Vaticano para não expor-se demais e para ser mais “prudente”, não assumir com tanto zelo a causa dos oprimidos. Passaram anos de conflitos, mas o santo bispo queria seguir a sua consciência, o apelo a uma doação sem medida. A previsão dos amigos aconteceu: em 1981 o pastor foi assassinado durante a celebração da Missa. Os medíocres comentaram “Coitado, não quis ouvir-nos, e assim morreu!” Mas o testemunho de D. Oscar continua desencadeando cada vez mais um rio de generosidade em outros novos mártires.
O sangue dos mártires é semente de novos cristãos.
As intuições são como centelhas de Deus que devem tornar-se projetos concretos a realizar.
É fundamental submetê-las à autoridade (hierarquia) e à comunidade (consciência comunitária) para uma avaliação. Quanto às resoluções práticas precisará diálogo, prudência, ousadia e simplicidade.


   A autoridade não abafe o profeta
    E o profeta ouça a autoridade





MEDITAÇÃO 1
COMO JESUS ... NO ÚLTIMO LUGAR

INTRODUÇÃO

Estamos no ano 1886 em Paris, na Igreja de Santo Agostinho. Pe. Huvelin prega e Carlos de Foucauld ouve, como em Filipos, Paulo falava e Lídia escutava (Atos, 16,14). Num momento de lírica inspiração, Pe. Huvelin comenta a vida de Jesus de Nazaré e os anos de escondimento, no último lugar, na última aldeia, na última profissão... por 30 anos! A palavra do pregador penetra no coração do ouvinte. Mas de todo o sermão uma frase ficará para sempre ecoando na vida do jovem oficial. Por 30 anos Carlos de Jesus tentará vivenciá-la. “Jesus tomou o último lugar, tão último que até agora ninguém conseguiu roubá-lo”.
Na nossa vida sempre há um antes e um depois e, no meio, o evento que marcou, tocou, transformou. É o evento que muda o rumo de uma vida: nunca mais seremos os mesmos. Nós, cristãos, chamamos este evento de “Graça”- luz e energia- luz que ilumina e energia que fortalece.
Carlos de Foucauld resolveu: “Eu quero tomar, como Jesus, o último lugar”. E foi o maior desafio e o melhor projeto de vida. Após uma juventude dissipada no vício, a Graça de Deus tocou o neo convertido no mais íntimo do seu ser, não no verniz, mas na raiz. Para todos há o momento da luz e da Graça de Damasco (a Graça relâmpago), como Paulo, que caiu na estrada. Francisco encontrou e beijou o leproso. Inácio de Loyola começou a enxergar na gruta de Manresa. Dom Bosco se comoveu numa prisão de menores. Teresa de Calcutá viu o gemido do povo num vagão de trem dos pobres. Todos procurando o último lugar: Francisco deixa a rica mansão do pai. D. Bosco renuncia ao rico salário de pedagogo. Teresa sai do rico colégio para enterrar-se nas favelas. É a caça ao último lugar. O testemunho de Carlos de Jesus é luz para a nossa geração na obsessão dos primeiros lugares, nos meios de comunicação.


CAPÍTULO I
Preliminares para o último lugar

 1) VINTE SÉCULOS DE CORRIDA
                                                                                                                          
De São Pedro de Betsaida até hoje, poderíamos percorrer estes vinte séculos como uma corrida para alcançar o primeiro lugar. O Evangelho relata a corrida dos Doze para o primeiro lugar, corrida que continua até nas altas lideranças da Igreja, até provocar repetidos apelos recentes dos Papas para desenraizar todo carreirismo eclesiástico. Poderíamos percorrer esta corrida de vinte séculos nas suas formas mais dramáticas e até cômicas. Contudo, preferimos apresentar apenas dois quadros: um edificante e outro preocupante. “Um duelo feroz” é assim que gostaria de apresentar o conclave mais conflitado após o Concílio de Trento. O Papa a ser eleito tinha que assumir, com vigor e rigor, as orientações do Concílio. Dois nomes apareceram: o arcebispo de Milão, Carlos Borromeu, e o inquisidor dominicano Miguel Ghislieri. O duelo chegou até ao cômico: ambos lutavam pela candidatura do outro. Carlos se tornou o grande eleitor de Miguel e vice-versa. Enfim, Carlos “ganhou” a corrida para o último lugar, pois conseguiu convencer os eleitores que Miguel teria sido o melhor Papa, tornando-se Pio V, São Pio V. O duelo feroz entre dois santos se repetiu mil vezes na história da Igreja. O pintor Beato Angélico, já nomeado arcebispo de Florença, conseguiu convencer o Papa para colocar o confrade Antonio Pierozzi (Antoninho) na Cátedra Episcopal Florentina. Os santos são todos iguais: caçadores humildes dos últimos lugares. Mas, na história, temos também lamentáveis vaidades. Antes do Concílio Vaticano II, o profético padre Riccardo Lombardi escreveu um livro que abalou o mundo eclesiástico. “Um Concílio para a caridade”. Sem rodeios, denunciou, numa linguagem explícita, o carreirismo dos altos prelados da Cúria Romana. O sábio Papa João XXIII, que via no livro não só a fotografia, mas até a radiografia do mundo curial, interveio pedindo a suspensão da divulgação e da venda da publicação. Foi um momento de sofrimento para todos. Pe. Lombardi pediu perdão da audácia provocatória e mandou retirar as cópias da obra. O Pe. Jesuíta, fundador do Movimento “Mundo melhor”, tinha apenas denunciado um crônico câncer que penetra em toda a Igreja: a luta feroz para o poder e os primeiros lugares.

2) POR QUE TANTA SEDE DE PODER ?

Os homens e as mulheres querem ser reis e rainhas, os reis e as rainhas querem ser deuses [...] O nosso Deus se fez homem! No mais íntimo da pessoa humana há uma insaciável sede de poder. É um impulso desordenado e irracional, consequência do pecado original. Dois são os legítimos desejos humanos:
- Ser estimado com saudável desejo de fama;
- Autoestimar-se com sadio direito a autovalorização.
Infelizmente, estes dois desejos tendem à insaciabilidade. Não foi Nietzsche que criou a teoria do super-homem. Sempre existiu, na história dos povos e da civilização o orgulho desmedido do homem, seja entre os grandes, como entre os pequenos. Diógenes fingindo mexer em ossos humanos, chamou a atenção de Alexandre Magno. “O que procuras?”, perguntou. O sábio, ironicamente, respondeu: “Não consigo separar e distinguir entre os ossos de teu pai Felipe com os de seus escravos.” E o pedagogo Demóstenes ao seu antigo  aluno Alexandre fez um alerta:
“Tu és escravo dos meus escravos, pois eu dominei os meus vícios e tu te deixas dominar por eles.” Diógenes e Demóstenes continuam a nos questionar, mas é sobretudo o nosso Mestre Jesus que nos destrona: “Quem se exalta, será humilhado.”
Ele dispersa os soberbos, derruba do trono os poderosos.

3)        SER ESTIMADO E AUTOESTIMAR-SE

Ninguém, como Jesus, nos desestrutura.  À nossa sede de auto-estima JESUS responde:
“Quando convidado [...] fica no último lugar” (Lc 14,8). Bom é a auto-estima, mas não demais.
E à nossa sede de populismo demagógico e de fama, Jesus adverte:
“Quando queres convidar alguém a um banquete, convida os excluídos... não convides os grandes, os poderosos, os líderes bajulados.... mas os últimos.” 
Podemos sintetizar:
- Quando convidado, esconde-te no último lugar.
- Quando convidas, escolhe os últimos.
Nossa sede de aparecer é insaciável. Os psicólogos, após vasculharem nos vários complexos, tentam passar  para  uma sadia autoestima. Sentimos como até de um complexo de inferioridade, há sempre uma boa dose de vaidade inconsciente. As mil declarações - “Eu não sou nada” - sempre escondem outra mensagem: “Por favor, olhem para mim!”
No mundo eclesiástico circula uma irônica anedota.
Na Missa, o bispo sempre ora: “Por mim, teu indigno bispo”. Um padre teve a ousadia de orar: “Pelo nosso indigno bispo”. Na sacristia, o bispo chamou a atenção do padre: “Eu posso dizer indigno, não você!” Ao que o padre replicou: “O senhor diz indigno sem convicção. Eu, em vez, digo indigno com convicção.”
Ainda criança, participei de uma recepção a um grande político. Os líderes locais se apinhavam em redor do poderoso visitante para a fotografia oficial. No jornal, a fotografia revelou um bando de “girafas”. Cada líder tinha esticado o pescoço para aparecer mais perto do grande político. Só mais tarde, ou talvez só agora, descobri que todos, eu incluído, somos insaciáveis caçadores dos primeiros lugares para aparecer.

4) UM CENTENÁRIO: Titanic (1912) e o Rei do Mediterrâneo (2012)

Ao ver o rei do Mediterrâneo afundar eu orei assim:
“Senhor, que afunde toda a nossa falta de solidariedade. Senhor, enterra todo o meu egoísmo. Senhor, preencha o abismo entre pobres e ricos. Senhor, seja um apelo para vivenciar mais a solidariedade”.
“Senhor, neste rei do Mediterrâneo, um exército de pobres serviam os ricos. A desgraça os irmanou. No navio tinha os turistas, os mais ricos; e os servos da tripulação, os mais pobres, os últimos. Senhor, que a igualdade reine para sempre. Amém”.
O famoso Costa Concórdia, em menos de 24 horas desapareceu. Outros fizeram altos comentários, eu comparei o luxo do Rei do Mediterrâneo com a miséria e a fome de muitos. Logo um formigueiro de quadros vividos reapareceu: Aqui luxo, lá miséria. Somente a solidariedade, o apoio sólido, poderá formar um só povo (Atos 2,42-47).
Quinze debutantes me convidaram para uma missa de Ação de Graças, seguida pela viagem nos Estados Unidos, em Miami, com a despesa individual de dois mil dólares. Eu propus um dízimo para construir 15 barracos na “toca da onça”, a favela mais abandonada de Guarapuava. As debutantes limitaram-se a insignificantes migalhas.
            Um empresário convidou-me a benzer um palacete construído em cinco anos com o sangue de centenas de funcionários, com salários de fome. Como podia benzer com água o que foi construído com sangue?
            Estava em reforma a minha Igreja, e, ao mesmo tempo, a mansão de um paroquiano. A reforma da mansão, bem mais cara que da Igreja, saiu rápido. Os meus pacatos convites a colaborar na obra da Igreja, só recebiam um estribilho: “Agora não... mais tarde!” E o mais tarde foi tarde demais. O paroquiano entrou na Jerusalém Celeste.
No final do retiro do clero sobre a espiritualidade de Carlos de Foucauld propus ao um colega: “Poderias renunciar às férias na praia para ajudar nas despesas de uma cirurgia de um miserável”. A reposta foi um meio sorriso irônico.
Completo o elenco dos contrastes, com um quadro trágico-cômico.
Todo dia crianças na minha casa pediam tocos de velas. Por ironia da sorte eram os favelados de um punhado de barracos construídos debaixo da estação Copel. Lá em cima holofotes, dentro dos barracos, tocos de velas fumegantes. Uma criança completou: “Para fazer as tarefas da escola muitas noites tenho que ficar fora do barraco à luz dos holofotes da estação!”
Se os cristãos soubessem repartir, muitos irmãos seriam atendidos.

Um comentário:

  1. DESEJO CONHECER OS ENDEREÇOS DAS COMUNIDADES PARA LHES VISITAR EM MINHA PEREGRINAÇÃO A SE REALIZAR DESDE O 10 DE JUNHO 2014 COM DATA DE FIM INDEFINIDA. DEIXO LHES O ENDEREÇO DO FACEBOOK PRA VCS ENVIAR SOLICITUDE DE AMIZADE. facebook.com/MISSIONARIODOURUGUAI "PAZ E BEM".....

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